guilherme boulos
O DILEMA DA ESQERDA
O bolsonarismo mudou a régua política brasileira. Quem sempre foi da direita passou a ser chamado de centro. Quem de fato era de centro tornou-se esquerdista. E a esquerda virou extremismo.
Sinal dos tempos. Na verdade, os novos rótulos não significaram mudança das posições históricas de cada campo, tanto é que, na agenda econômica, o dito centro votou alinhado com Bolsonaro e Guedes em quase todas as matérias.
Mas a nova situação colocou um dilema para a esquerda. O que é preciso para derrotar Bolsonaro? É preciso fazer aliança com a direita tradicional nas eleições? É preciso abrir mão, ainda que momentaneamente, de nossos valores e propostas, em nome de uma plataforma de defesa da democracia?
Esse debate está pulsante nos partidos de esquerda. O ponto de consenso é que precisamos derrotar Bolsonaro e virar a página do pesadelo que assola o país. Sem isso não há como disputar o futuro. É a luta pela vida contra um governo da morte. É a luta pela democracia contra as constantes ameaças autoritárias.
E essa luta exige unidade política e amplitude, enfim, exige responsabilidade histórica da esquerda brasileira.
Agora, amplitude não significa diluição de projeto. Mais do que nunca, precisamos de um projeto de combate às desigualdades, à fome, ao desemprego, com retomada do investimento público e enfrentamento a privilégios.
Em tempos de intolerância bolsonarista, o combate ao racismo, ao machismo e o respeito à diversidade precisam estar no centro do debate público.
Em tempos de devastação ambiental, a proposta de um novo modelo de desenvolvimento –com carbono zero, energia limpa e transição agroecológica– não pode mais esperar.
Quem pauta essas agendas no Brasil é a esquerda. Esse é o nosso lugar político e é ele que nos permite mobilizar engajamento e esperança na sociedade. Para derrotar Bolsonaro não precisamos abrir mão disso.
Ao contrário, o bolsonarismo engaja seus apoiadores tendo o ódio como operador político. Não vamos vencê-los apenas com apelos democráticos –como atesta a falta de encanto do centro nas projeções eleitorais– mas alimentando esperança, a partir de um projeto que aponte soluções concretas para os sofrimentos do nosso povo.
É possível superar o atraso e a ameaça autoritária sem deixar de disputar o futuro. É possível ter a amplitude que o momento exige e, ao mesmo tempo, afirmar um projeto de transformações. Aliás, é necessário.
Bolsonaro e a pandemia fizeram do Brasil uma terra arrasada, seria ilusão supor um simples retorno à normalidade. Precisaremos de ousadia e mobilização da sociedade para superar essa tragédia. (por Guilherme Boulos)
No afã de chegar ao 2º turno de 2022 contra um Bozo desgastado, Lula o quer sangrando no poder até lá |
TOQUE DO EDITOR – Como naqueles tempos em que ainda não havia sido picado pela mosca azul das ambições presidenciais, quando apenas liderava o movimento dos sem-teto e vez por outra escrevia artigos para a grande imprensa, Guilherme Boulos se mostra novamente lúcido e oportuno em suas avaliações.
Desperdiçou tempo valioso pretendendo herdar o espólio de Lula, que teima em permanecer na cena política quando nada mais tem a fazer de aproveitável nela, pelo menos em benefício da esquerda.
O antigo sindicalista também mudou, de social-democrata desbotado para centrista com viés de direita, tanto que hoje está sendo o maior obstáculo para que a esquerda reconheça como sua prioridade máxima o afastamento do genocida o quanto antes, e não daqui a um ano e meio, após a eleição de 2022, pois a situação já é insustentável e até lá pode piorar muito mais.
Boulos ainda não diz isto com todas as letras, mas é alentador vê-lo afirmar o óbvio que boa parte da esquerda ainda se recusa a reconhecer:
Manifestação do fim de maio na av. Paulista, quando Boulos disse que não dá para esperarmos até 2022 |
"O ponto de consenso é que precisamos derrotar Bolsonaro e virar a página do pesadelo que assola o país. Sem isso não há como disputar o futuro. É a luta pela vida contra um governo da morte".
Torço para que ele continue tentando descortinar um futuro para a esquerda e desista, de uma vez por todas, de arrastar a pesada âncora chamada Lula, que cada vez mais se empenha em fazer a roda da história girar para trás, só diferindo dos bolsonaristas no detalhe de que aqueles querem fazê-la recuar séculos (até a Idade Média) e ele, décadas (até o início deste século).
Mas, a única saída do buraco em que o Brasil se meteu é para a frente. Se Boulos ousar assumir de vez a rota do avanço, poderá tornar-se o líder de que a esquerda brasileira desesperadamente carece. (por Celso Lungaretti)
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