terça-feira, 25 de maio de 2021

O BOZO E O ROUBO DAS TERRAS INDÍGENAS

O
escritor estadunidense Howard Fast contou no livro A Última Fronteira como trezentos indígenas cheyennes tentaram recuperar suas terras roubadas pelos colonizadores. 

A história dos EUA começou com invasões e desapropriações de terras. Os heróis dos bangue-bangues, alguns deles imortalizados em filmes épicos da conquista do Oeste, ganhavam sempre dos valorosos guerreiros indígenas por terem as armas de fogo deles desconhecidas: fuzis e revólveres. 

Na verdade, eram ladrões e assassinos, numa época em que os indígenas não tinham seus direitos reconhecidos por leis nacionais e internacionais.

Nossos indígenas, até antes da chegada de Bolsonaro, eram protegidos pela Funai, mas estão sendo massacrados e tendo suas terras roubadas por garimpeiros, pecuaristas, plantadores de soja, dentro de um plano de ocupação da Amazônia. 

Tal plano é inspirado na doutrina de segurança nacional elaborada na década de 1950 pelos alunos da Escola Superior de Guerra, com Golbery do Couto e Silva à frente, e que acabou inspirando a atuação da ditadura militar. Numa adaptação canhestra de Jair Bolsonaro, o plano foi entregue a um suspeito investigado por envolvimento com o tráfico de madeira, Ricardo Salles, o atual ministro Contra o Meio-Ambiente.

Muita gente já esqueceu, mas o mito (ou Messias enviado por Deus...) já havia afirmado na campanha eleitoral sua intenção: Se eu for eleito, índio não terá nem um metro! E, contando com o apoio de Ricardo Salles, vem sendo fiel à palavra. 

As denúncias aparecem na grande imprensa: existem fazendas dobrando de tamanho, entrando nas áreas protegidas dos indígenas. 

No imaginário de Bolsonaro, o centro do Brasil deverá se transformar numa repetição dos westerns made in USA, com nossos caubóis criadores de gado e plantadores de soja liquidando covardemente nossos indígenas, sem resistência, pois não são nem sioux e nem cheyennes.

Entretanto, sequestrar aos indígenas suas terras, à força ou na mira de fuzil, e distribuir títulos de propriedade para pecuaristas e agricultores, constitui uma flagrante violação da Constituição, cujo artigo 231 representou um grande avanço da legislação brasileira de proteção às populações indígenas, reconhecendo seus direitos originários sobre as terras que ocupam. Esse mesmo artigo afirma o direito dos nossos índios à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições.

Ora, o governo Bolsonaro tem violado todas as leis protetoras dos indígenas e isso, é importante destacar, com o apoio dos chamados evangélicos, deturpando suas próprias referências bíblicas da igualdade de todos perante Deus (exceto os indígenas, provavelmente considerados pagãos demais para entrarem no reino dos céus). Essa exclusão dos indígenas também ocorreu na conquista do Oeste estadunidense, deixando a impressão de não descenderem do mesmo casal na versão criacionista da humanidade.

Já no primeiro dia de governo, Bolsonaro havia editado uma medida provisória, a de número 870/19, transferindo a atribuição da demarcação das terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura, de Tereza Cristina, ativa líder dos pecuaristas e ex-presidente da bancada ruralista na Câmara Federal. 

Tal iniciativa visava acabar com as demarcações das reservas naturais indígenas, deixando aos ruralistas a incumbência de integrar os índios na sociedade brasileira... retirando-lhes as terras! 
Uma repetição do ocorrido nos EUA, onde. num exemplo dentre muitos, os índios cheyennes que viviam nas terras férteis de Black Hills foram transferidos para Oklahoma, lá não se adaptando devido ao clima e à malária.

Entretanto, a medida 870/19 foi considerada inconstitucional em maio e a gestão das terras indígenas devolvida à Funai por decisão do Congresso. Por sua vez, a Funai voltou a integrar o Ministério da Justiça, deixando o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, para o qual tinha sido jogada por Bolsonaro.

Isto atrapalhou os planos do presidente de acabar com a proteção das reservas indígenas, por isso, no seu estilo de faço o que quero, Bolsonaro reeditou a mesma medida provisória em junho, desta vez com o número 886/19. Levada ao STF, foi considerada inconstitucional pelo ministro Luís Roberto Barroso no que se refere à demarcação das terras indígenas, atribuição mantida com a Funai.

Isto não impede a invasão e ataques das reservas indígenas, inclusive da maior delas, o Parque Xingu. Se. no passado, os indígenas tiveram os irmãos Villas Boas como seus protetores, hoje não passam de obstáculos à expansão de pastos e plantações.

Embora pouco comentada na imprensa, a última manifestação de bolsonaristas em Brasília deixou evidente haver uma importante união de forças entre ruralistas e evangélicos, talvez subestimada nas análises. Um encontro de grupos conservadores que está mudando o quadro político no Brasil, uma equação difícil de se demonstrar.

De um lado, o peso econômico dos grupos agropecuários, ligados ao desmatamento, ao fim da demarcação das terras indígenas, dispostos a usar da violência; do outro, os grandes grupos de seguidores evangélicos, formado principalmente de fiéis pobres, contrários à violência, mas sensíveis a uma manipulação caso necessária. 

Onde começou o encontro entre esses dominantes e dominados, criador de um coeso populismo de extrema-direita, a base sólida de Bolsonaro, avaliada em um terço dos eleitores? Uma boa tese a ser desenvolvida! (por Rui Martins)

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