Em maio acentuaram-se as mortes e a necessidade de isolamento social, mas, mesmo assim, não poucas vezes o presidente fez questão de dar demonstrações contra tal imperiosa necessidade.
É que, no seu desumano entender, a manutenção da ordem econômica sustentável, então ameaçada, importava muito mais do que a vida dos seres humanos, numa prova prática, empírica, de que a forma-sujeito da mercadoria dá ordens aos seus súditos dirigentes, dela dependentes. E, no caso de tão insensível personagem, o que se viu foi a fome se juntando à vontade de comer.
Como já detalhei em muitos artigos, o capital nos dá ordens insanas e não nos permite raciocinar fora de seus enquadramentos mesquinhos e oportunistas (a necessidade que temos de suprimento da vida a partir da produção de mercadorias é usado para nos manter escravizados).
São proibidas quaisquer ações ou atividades fora da lógica do capital e os governantes, mais do que quaisquer outros seres sociais, são a ela obedientes, pois, afinal, é dos impostos advindos de sua mediação social que o Estado e a política sobrevivem. Uma lástima.
O presidente Boçalnaro é um emblemático representante dessa submissão autofágica, daí a sua renitente sabotagem do isolamento social. Cobrado por medidas de suprimento social necessário, principalmente para os milhões de desempregados crônicos (que agora se somam aos novos milhões de desempregados da crise sanitária), ele esquivou-se de sua óbvia responsabilidade:
"Cobre do seu governador".
"Lembro à nação que por decisão do STF, as ações de combate à pandemia ficaram sob total responsabilidade dos governadores e prefeitos".
Pouco tempo se passou até que, por conta de sua rejeição das medidas preventivas, participando sem máscara de muitos eventos públicos, foi infectado pelo vírus. Aí passou a ser cuidado num dos melhores hospitais brasileiros e a despachar por vídeoconferência, fazendo lembrar uma velha comédia de Hollywood: O Valente Treme-Treme...
O vírus, entretanto, não teve contra ele a mesma letalidade que vitimou milhares de outros sexagenários brasileiros.
Circulando sem máscara entre multidões e esfregando-se no máximo de devotos que podia, contribuiu pelo exemplo e na prática para a disseminação do vírus. E ainda teve o desplante de queixar-se, no lançamento de um programa nacional de incentivo ao turismo:
"Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio, pô!".
Não satisfeito com a promoção criminosa da quebra do isolamento social por atos, manifestações e obras, veio em seguida a politização contra o uso de vacinas, e sua renitente e reiterada objeção ao uso das mesmas, fato que se pode inferir de uma eloquente e insana afirmação:
"Dos chineses não compraremos. A decisão é minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população por sua origem. Esse é o pensamento nosso!"
Dias depois, espalhou-se o boato de que uma pessoa vacinada como teste morrera e, mesmo sem comprovação de que isto era verdade (tinha sido suicídio!), disparou, com ar de triunfo:
"Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Dória queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la (sic). O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro acerta".
Não acertou nem na informação, nem na correção gramatical. E, seguindo na mesma toada, dobrou a aposta:
"Quanto à Pfizer, está bem claro no contrato: nós não nós responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar jacaré, é problema de você. Não vou falar outro bicho aqui para não falar besteira.Se você virar super-homem, se nascer barba em alguma mulher ou se um homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com você".
Quando a pandemia amainou por conta das restrições adotadas pelos governadores e prefeitos de muitas cidades, que compreenderam a necessidade do isolamento social como medida única até então para conter o avanço das infecções e mortes, eis que o presidente voltou à carga com seus prognósticos irrefletidos e irresponsáveis incitando as aglomerações e a volta a uma normalidade ainda inviável:
"A pandemia realmente está chegando ao fim. Os números têm mostrado isso aí. Estamos com uma pequena ascensão agora, o que se chama de pequeno repique. Pode acontecer. Porém a vacina não se justifica, porque você mexe com a vida das pessoas".
Estávamos em dezembro de 2020 e a pequena ascensão a que ele se referiu era na verdade o prenúncio de uma nova onda que se intensificou nas festas de fim de ano com aglomerações de jovens que se acreditaram a salvo e sentiram-se estimulados a retomarem suas baladas noturnas.
Por sua vez, o presidente continuou a retardar as iniciativas de compra de vacinas que estavam sendo disputadas ansiosamente pelo resto do mundo.
Com relação às cobranças que lhe estavam sendo feitas para que acelerasse a aquisição dos imunizantes, ele considerou mais importante posar de galo do terreiro do que cumprir seu dever presidencial:
"Ninguém me pressiona por nada".
Ele se considera um senhor absolutista da vida e da morte. (por Dalton Rosado)
(continua neste post)
Nenhum comentário:
Postar um comentário