(continuação deste post)
A reivindicação de um direito constitucional previsto para situações de normalidade, justo num momento de necessária preocupação com a anormalidade surgida, bem demonstra a primariedade de um governante com sentimentos absolutistas e que, tal como um fanático fundamentalista religioso, usa a Bíblia para justificar a prática do genocídio.
Ainda em março, afirmou que:
"O contágio pela covid-19 no Brasil não será como nos Estados Unidos, porque nada acontece ao brasileiro... O brasileiro precisa ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando no esgoto e não acontece nada. Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajudam e não proliferar isso daí".
Francamente, ver um presidente da República dizer uma besteira dessas, dá pra pensar que ele ou está gozando com a nossa cara, ou ele é isso mesmo que você está pensando; ou as duas coisas juntas.
O resultado de tal comportamento presidencial é que, um ano depois, somos o país que:
— assombra o mundo pela capacidade de contágio;
— propicia a criação de variantes viróticas mais agressivas;
— está chegando às marcas sinistras de 300 mil mortes no total e 2 mil mortes por dia;
— não dispõe do número necessário (longe disto!) de vacinas, leitos, médicos, equipes médicas, equipamentos, oxigênio e até caixões para sepultamento.
"Tem a questão do coronavírus também, que, no meu entender, está sendo superdimensionando o poder destruidor desse vírus".
Todas as suas intervenções desde o início e mesmo agora, quando os fatos contrariam frontalmente seus prognósticos e atitudes, vão no sentido da negação da letalidade e capacidade infecciosa do coronavírus, daí sua responsabilidade direta em grande parte das mortes havidas, podendo ser colocados na sua conta uns 100 mil óbitos evitáveis, segundo estimativa deste blog.
Um presidente da República, mais do que um executivo com responsabilidades constitucionais definidas, tem a obrigação de dar exemplos edificantes e contributivos. Os seus gestos e falas repercutem coletivamente para o bem ou para o mal. Infelizmente, no caso em questão, a hipótese que prevalece é sempre a segunda.
Veio o mês de abril de 2020, e com ele o agravamento da tragédia sanitária e do comportamento negacionista por parte do presidente Boçalnaro, o ignaro, também nisto imitando seu ídolo, o presidente destrumpelhado, que ainda se jactava de ser imbatível eleitoralmente. Por lá nos EUA também as mortes e contaminações proliferaram numa dança macabra.
Perguntado sobre o aumento do número de mortos superior aos da China, respondeu:
"E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagres!"
Não, presidente, não eram milagres que desejávamos que fossem feitos, mas sim tomadas providências coerentes com a gravidade do problema enfrentado: primeiramente, com relação às vítimas e seus familiares; depois, com medidas que efetivamente reduzisse a propagação das infecções; e por último, com apoio à altura das necessidades dos doentes e respectivos dependentes diretos.
Não queremos dizer que assim as mortes seriam todas evitadas, mas, pelo menos, substancialmente diminuídas; e a solidariedade do presidente para com as vítimas da tragédia sanitária certamente faria aumentar a confiança nele depositada pelos brasileiros. É o mínimo que se poderia esperar.
Não poderia faltar mais uma de suas patéticas frases de machismo juvenil, esta proferida para sua claque de bovinizados em frente ao Palácio do Palácio:
"Vamos todos morrer um dia. Essa é a realidade, o vírus tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra. Não como moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida, todos vamos morrer um dia".
Ao perceber que estava sendo filmado, tentou amenizar sua jactância grotesca:
"Lamento a situação que nós atravessamos com o vírus. Nos solidarizamos com os familiares que perderam seus entes queridos e que a grande parte eram idosos. Mas é a vida, amanhã sou eu!"
Não se trata de enfrentamento como homem. Evidencia-se aí a misoginia que, mesmo quando não quer, o presidente deixa transparecer.
Os profissionais que estão na linha de frente do combate ao vírus, em grande parte bravas médicas e enfermeiras que estão morrendo no cumprimento do dever, são pessoas corajosas e solidárias. A questão não é de força ou machismo, mas de consciência e competência.
Neste momento já se tornava gritante a contradição entre a realidade e as prospecções infundadas feitas pelo presidente que, imprudentemente, vinha minimizando a crise sanitária e se omitindo do seu dever de coordenar os esforços em escala nacional e transmitir esperanças ao sofrido povo brasileiro
Diferentemente do premiê do Reino Unidos, que teve postura inicial semelhante mas depois fez autocrítica, reconhecendo seu erro e tomando as medidas preventivas que lhe eram factíveis, o nosso presidente continuou com o negacionismo de sempre. (por Dalton Rosado)
(continua neste post)
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