Como se fosse um cometa voltando de sua longa viagem pelo sistema solar, a liberação do Lula para disputar a próxima eleição presidencial era altamente previsível.
Primeiro, porque o objetivo maior da burguesia brasileira era retira-lo da campanha de 2018 e, assim, conseguir eleger um candidato comprometido com o aprofundamento das reformas neoliberais.
É pouco provável que Lula, na hipótese de voltar ao governo, anule tais reformas, ou os pontos mais fundamentais delas.
E segundo, porque o clima geral de reacomodamento da plutocracia política pós-furacão da Lava Jato estava levando ao alívio de processos contra inúmeros acusados ou condenados.
Trata-se de um acordo de largo espectro político, indo desde o PT até o próprio Bolsonaro e que é expresso na condução de Kassio Nunes para o STF e de Aras para a PGR. O derretimento de Moro é parte deste movimento.
O grande nó górdio não é a recuperação da elegibilidade por parte do Lula, mas seus passos políticos daqui para a frente.
Ainda é incerto que outras condenações políticas não possam torná-lo novamente inelegível. Nem se pode descartar a possibilidade de uma nova condenação às vésperas do pleito de 2022, o que ensejaria uma repetição de 2018, com nova candidatura fantasma do ex-presidente.
"...Uma rosa morreu/ Uma festa acabou/ Nosso barco partiu/ Eu bem
que mostrei a ela/ O tempo passou na janela/ Só Carolina não viu"
.
Mas, caso não surjam empecilhos, o líder do PT pode aventurar-se em nova eleição, com resultado em aberto, visto que sua força eleitoral não é a mesma de anos atrás e o seu partido sofreu acentuado esvaziamento nas grandes metrópoles brasileiras.
No entanto, é impossível negarmos em absoluto suas chances e, na realidade, isto pouca importa: eleito ou não, sua candidatura teria o caráter de desviar o foco dos graves problemas brasileiros.
É um dito comum o quanto Lula conhece o Brasil. Não discordo disto. Mas, conhecer o Brasil é diferente de conhecer seus problemas estruturais e sua situação contemporânea no capitalismo mundial. Muito menos ter aptidão para propor soluções.
O Lula de 2021 é mais ignorante que o Lula de 2002. Neoliberal à época, o presidente contou com a onda chinesa para sabiamente surfar na política nacional, costurando alianças e distribuindo recursos aos andares de baixo e de cima.
Por isso, podia ele gabar-se a todo momento de que os banqueiros nunca teriam ganhado tanto dinheiro quanto em seu governo.
Hoje, no entanto, a situação é muito diferente: não há mais o boom econômico do início do século e a burguesia brasileira se importa mais com ganhos na bolsa do que com o consumo popular. A burguesia vislumbra seu futuro na super exploração, na degradação ambiental e na radical subordinação aos interesses imperialistas.
É uma situação de intensa luta de classes, onde a conciliação tem pouca chance de sair vitoriosa. O que Lula tem a propor agora? A simples reminiscência de uma época já superada pelo capitalismo não será suficiente. Por isso, o melhor seria Lula dar passagem para outros. (por David Emanuel Coelho)
"...eu fico comovido de lembrar/ O tempo e o som/
Ah! Como era bom/ Mas, chega de saudade!"
Um comentário:
Concordo com a análise do autor.
Mas o que me causa espanto, é como num país continental com mais de 200 mi de hab. não surgiram outras lideranças de esquerda. Como isso foi possível?
Tenho a impressão de que essa escassez de líderes revolucionários foi herança maldita do regime militar, 64/85, e o Lula virou um ponto fora da curva.
Os milicos, subalternos aos istêits, conseguiram sabotar e cooptar as possíveis lideranças progressistas de vanguarda.
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