dalton rosado
A AUTOCRÍTICA NECESSÁRIA
Será que alguém do nosso campo ainda tem dúvidas quanto à impossibilidade de o capitalismo se recuperar de suas contradições internas usando as próprias receitas e insistindo no cumprimento das regras constitucionais que as impõem?
Será que, conservando-se dentro das premissas pré-estabelecidas, um modo de produção social insano, segregacionista, utilitário e oportunista, que não leva em conta os danos ecológicos, vai conseguir resolver os problemas sociais e do aquecimento global?
Será que o combate ao negacionismo obtuso pode ter êxito sem questionar as regras de comportamento social que impõem a negação do óbvio ululante?
Será que já não caiu para todos nós a ficha de que é impossível, e isto foi historicamente comprovado, termos algum dia maioria parlamentar capaz de legislar contrariando os interesses do capital?
Será que é tão difícil assim compreendermos que, ao aceitarmos o jogo previamente definido do processo eleitoral, dominado pelo poder econômico, principalmente nos grotões do Brasil profundo, seremos sempre derrotados?
Será que nos é possível negarmos ou transformarmos conceitualmente a instituição da qual fazemos parte enquanto estivermos sujeitos à pena de sermos dela excluídos por quebra do decoro parlamentar ou jurisdicional?
Será que nunca nos vamos compenetrar de que a causa do descrédito dos governantes de direita é a mesma que nos atinge quando governamos dentro das regras constitucionais capitalistas, e que se traduz no movimento pendular eleitoral cíclico entre direita e esquerda governamentais, ambas presas aos mesmos parâmetros, ainda que com sensibilidades diferenciadas?
Será que devemos pugnar pela retomada do desenvolvimento capitalista, como têm feito todas as correntes da esquerda institucional, de olho no dinheiro dos impostos que sustenta o Estado opressor, e nas migalhas que o poder oferece, e priorizando sempre sua sobrevivência, sem desconfiar de que vivemos um momento de saturação político-econômica e de que precisamos de outra lavagem de roupa?
Será que é correto aceitarmos o poder político vertical do Estado?
Será que não podemos entender que o atual processo de emissão de moeda sem lastro, meramente fiduciária, é uma forma de controle estatal muito mais despótico do que qualquer outro já havido na trajetória da humanidade, como se fôssemos escravos da pós-modernidade e nos tivéssemos de contentar com cotas de ração?
Será que vamos, durante muito tempo ainda, continuar passando batidos pela obviedade de que o blablablá sobre o imperativo da observância da (há muito ineficaz) responsabilidade fiscal somente serve para negar o atendimento às demandas sociais, com os parcos recursos da receita estatal sendo direcionados para o pagamento dos juros da dívida pública e financiamento das estruturas do poder institucional?
Será que vamos igualmente continuar míopes para o fenômeno da falência do Estado como consequência do colapso do modelo econômico social, esquivando-nos, tanto quanto os políticos atrelados à estrutura institucional do Estado, ao dever de representarmos a antítese da irracionalidade truculenta e primária de governantes despreparados para a administração da falência sistêmica (os quais desejam permanecer no poder decrépito pela força e com bravatas de soluções fáceis), já que nós mesmos estaremos atuando politicamente sob as mesmas bases funcionais político-econômico-sociais?
Será que devemos nos colocar a reboque dos políticos de direta nos esforços para a permanência das mesmas categorias capitalistas (trabalho abstrato inexistente; valor e dinheiro sem valor econômico válido; produção de mercadorias sem mercado; mercado depressivo; Estado falido; disputa política dentro da falência política representativa, etc.)?
Será que a a posição coerente no nosso caso é a de dizer amém, e não criticar, a essência dos cânones jurídicos constitucionais e ordinários, como se o Direito instituído (e que se constitui como anti-Direito natural) fosse a representação legítima da vontade popular e não uma consequência da manipulação da dita cuja por parte do poder econômico?
Será que nos cabe reproduzir (e delas participar) as obsessões de políticos de esquerda e de direita que, mesmo diante da maior crise econômica e sanitária do pós-guerra, somente pensam nas eleições de 2022?
Será que ainda não percebemos que os políticos de ultradireita, com suas proposições desumanas e autoritárias, embora sendo bem mais perigosos do que aquelas raposas felpudas da política acostumadas à diplomacia de salão e ao convívio parlamentar educado e hipócrita, representam espécies de um mesmo gênero?
Talvez alguns leitores considerem que os meus questionamentos sejam sectários; corro tal risco conscientemente.
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