segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

DEVEMOS RESPONDER AO SECTARISMO DAS NARRATIVAS POLARIZADAS COM A VERDADE SEM RETOQUES. ELA É REVOLUCIONÁRIA! – 2

(continuação deste post)
O
motivo de eu haver redigido o meu depoimento sobre o ocorrido faz mais de meio século foi a forma como o site Iconografia da História narrou A história da morte de Mário Kozel Filho, jovem soldado assassinado em um ataque de militantes de esquerda a um quartel em São Paulo:

"Mário era um soldado de 18 anos e prestava o serviço militar obrigatório. Não era parte dos seus planos continuar na carreira militar, pois não gostava de armas e do modo de vida do militarismo.

O destino do jovem foi mudado por uma caminhonete Chevrolet verde, carregada com 50 quilos de dinamite. Por volta das 5h da manhã, de um dia chuvoso de 1968, o veículo foi arremessado em alta velocidade na direção do Quartel General, no bairro de Ibirapuera, em São Paulo.

Kozel fazia guarita exatamente no espaço onde o caminhão colidiu. O soldado foi explodido e seu corpo dilacerado pelo poder das dinamites.

O ataque foi planejado e executado pela organização radical de esquerda VPR. Seus membros, após alguns anos, confessaram que fizeram a ação para afrontar um general que dizia que os grupos de esquerda não tinham condições de oferecer perigo real.

Mário Kozel Filho é homenageado até hoje pelos destacamentos paulistas do Exército.
Trunfo propagandístico valioso, pensão irrisória à família

Sua família recebe menos de 3 mil reais por mês do Estado brasileiro".

Alertado pelo companheiro David Emanuel Coelho, li tal relato e, além de perceber que o autor Javier Paviotti havia apresentado unicamente a versão piegas e propagandística então produzida pelos serviços de Guerra Psicológica da ditadura militar, omitindo por completo a da VPR, ainda:
— distorcera o episódio, ao sustentar que o sentinela fora atingido pela explosão quando estava em sua bem protegida guarita, e não junto ao carro-bomba, para onde se dirigiu desrespeitando as ordens que tinha; e
— minimizara a provocação do comandante do QG às organizações que haviam pegado em armas contra a ditadura.

Enviei, então, meu depoimento àquele site. Adiante saberemos se o outro lado também será publicado, como as boas práticas do jornalismo exigem. 

Acrescentei também o meu depoimento aos 557 comentários suscitados pela notícia no Facebook, constatando que esse tipo de episódio continua provocando os mais maniqueístas tiroteios direita x esquerda, com os dois lados querendo apenas reiterar suas opções ideológicas, sem o mais remoto interesse em aprofundar o fato em si, mesmo tendo a rara oportunidade de ler o relato de quem realmente conhecia e tinha condições de mostrar todos os ângulos da questão.

No Orkut também havia a polarização, no entanto eu ao menos encontrava um ou outro comentarista interessado em saber mais sobre os episódios antes de formar uma opinião. 

Agora, os comentaristas parecem querer apenas colocar na vitrine suas mal traçadas e superficiais linhas, não se dando sequer ao trabalho de ler um depoimento mais longo. O que já era ruim ficou pior ainda.

Por que ainda perco meu tempo com essas tentativas de oferecer uma alternativa ao sectarismo dos dois lados, fiel a uma convicção de minha vida adulta inteira (a de que a verdade é revolucionária)?

Talvez porque um ou outro historiador, ao fazer buscar virtuais, me encontra a partir dessas publicações e, assim, vou prosseguindo meu duelo solitário contra as narrativas tendenciosas e simplistas.

Sem nenhuma ilusão quanto ao fato de que a grande maioria dos internautas seguirá preferindo as frases curtas e bombásticas, meras afirmações telegráficas sem argumentação nenhuma que as respalde, dos Olavos de Carvalho da vida, torcendo o nariz aos biscoitos finos que eu fabrico.   

Oswald de Andrade acreditava que a massa ainda comeria tais biscoitos finos; eu me sinto mais é como o cruzado sem cruz a que se referiu Arthur Koestler. Mas, como um colega jornalista já disse a meu respeito, sou um cara muito teimoso. Revolucionário só tem o direito de abandonar o bom combate quando morre.  

E conservo a esperança de ainda presenciar (e contribuir para) uma nova reviravolta na História, que nos devolva ao estágio civilizatório bem mais avançado que havíamos atingido antes do extremo retrocesso das últimas décadas.  

A luta continua. (por Celso Lungaretti)

2 comentários:

Anônimo disse...

Celso, isso tudo passou e virou narrativa.
Acho bom ter aversão a versão. Acredito que ela é uma distorção, nunca é fidedigna.
Até a sua.
***
Por acaso, reli esse poema de Carlos.
Martin.
***
Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os
homens presentes,
a vida presente

ANDRADE, C. D. Sentimento do mundo. São Paulo: Cia. das Letras, 2012.elso

celsolungaretti disse...

O tempo presente é o horror, o horror!

Prefiro viver na fatia do passado que foi melhor; e naquele futuro por nós sonhado, que deverá ser bemmelhor.

Só assim encontro ânimo para ir sobrevivendo a este inferno pamonha.

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