sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O MITO JAIR BOLSONARO E O MICO DANIEL SILVEIRA: CARA DE UM, FOCINHO DO OUTRO

Parafraseando o poeta Marcus Accioly, em se tratando desses dois eu sou sincero: 1+1=0
ricardo kotscho
O TENENTE DAS BOMBAS E O SOLDADO
 MILICIANO: COMO ELES PUDERAM SER ELEITOS? 
A que ponto chegamos", lamenta Merval Pereira em sua coluna no Globo, desconsolado com os rumos do país. 

Para entender como chegamos até aqui, caro colega, bastaria pegar o currículo, ou melhor, o prontuário de dois personagens que se cruzaram nas eleições de 2018, e analisar a nossa responsabilidade como jornalistas nesta história, que começa na Lava Jato, passa pelo Alto Comando do Exército e desemboca nas ameaças ao Supremo Tribunal Federal. 

Ambos abandonaram as fardas para se tornar políticos, depois de serem processados e presos por suas corporações
Foram candidatos pelo PSL, um partido nanico de aluguel, que lhes ofereceu a legenda, assim como a muitos outros policiais e militares eleitos na onda conservadora da chegada pelo voto da extrema-direita ao poder. 

Por isso, urge criar antes das próximas eleições uma cláusula de barreira para exigir dos candidatos a apresentação do atestado de antecedentes e de um exame de sanidade mental. 

Falo, é claro, do presidente Jair Bolsonaro e do deputado federal Daniel Silveira, dois personagens emblemáticos destes tempos de insânia, idiotia, cólera e demência, que colocam em risco a nossa democracia. 

A falta dessas exigências básicas para o exercício de um mandato popular ajuda a explicar como chegamos até aqui, em meio a mais uma crise institucional que paralisa o país, já assolado pela pandemia e a falta de vacinas. 

Como eles puderam ser eleitos? 

O tenente Bolsonaro foi processado no Superior Tribunal Militar por vários delitos graves, ao planejar atentados a bomba a quartéis e à estação de abastecimento de água do Rio de Janeiro, para reivindicar aumento de salários da tropa.  

Punido com alguns dias de prisão, acabou sendo absolvido no STM e reformado como capitão, aos 33 anos, para se candidatar a vereador e iniciar sua carreira política.

O soldado da PM Daniel Silveira, que usava a sua página no Facebook para atacar líderes religiosos e a imprensa, tem um robusto prontuário em que constam 26 dias de prisão, 54 de detenção e 14 repreensões por atos de desobediência e falta ao trabalho. 

Em 2018, seguiu a mesma trajetória de Bolsonaro e se elegeu deputado federal, com 31 mil votos, depois de rasgar uma placa que homenageava a vereadora Marielle Franco, fuzilada por milicianos, também ex-PMs. 

A Polícia Militar do Rio, na qual a família Bolsonaro recrutou assessores para seus gabinetes, é a maior fornecedora de mão-de-obra para as milícias cariocas. 

Daniel Silveira pode até não ter carteirinha de miliciano, mas revela no seu comportamento o mesmo vocabulário grosseiro e métodos violentos e cafajestes dos ex-colegas de farda, que trocaram a segurança pública pelo crime organizado (e foram protestar contra a sua prisão diante da carceragem da Polícia Federal, no Rio, onde está detido). 

Esse é o caldo de cultura onde vicejou o bolsonarismo-raiz, bem retratado nos filmes Tropa de Elite 1 e 2, de José Padilha, com roteiro de Bráulio Mantovani, que termina com um sobrevoo de Brasília, para mostrar numa cena premonitória onde eles poderiam chegar. 

Até desfechar num vídeo inenarrável o violento ataque verbal ao STF, onde é investigado por participação em atos antidemocráticos, Daniel Silveira fazia parte da tropa de choque do presidente Bolsonaro no Congresso, era um dos seus homens de confiança.   
O deputado bolsonarista quando não está preso...
Como dizia o costureiro e ex-deputado Clodovil, boi preto conhece boi preto.

Até o momento em que escrevo, o presidente Bolsonaro ainda não havia saído em defesa do correligionário, depois de o pleno do STF chancelar a prisão de Silveira por 11 a 0, algo muito raro na Corte.

Assim como seu líder, o ex-PM, legítimo cidadão de bem, resolveu testar os limites das instituições. Perdeu. 

A pergunta não deveria ser o que ele fará agora, mas como um meliante com esse perfil pode chegar à Câmara dos Deputados? 

Se a cláusula de barreira para candidatos já estivesse em vigor, e as instituições realmente funcionassem, Daniel Silveira seria apenas mais um miliciano aloprado, e Jair Bolsonaro jamais chegaria à Presidência da República.  
O deputado bolsonarista quando vai responder a seus processos
Agora, não adianta ficar indignado com as confissões do general Villas Bôas sobre a participação do Alto Comando do Exército na operação golpista para impedir Lula de ser candidato em 2018.

Os eleitores poderiam não saber quem era o mito, mas os jornalistas e o comandante do Exército tinham obrigação de conhecer seu currículo. 

Pois foram eles, junto com a Lava Jato de Sergio Moro, os responsáveis por abrir o caminho para a eleição do tenente terrorista que, na garupa dele, levou os militares de volta ao poder. 

Só falta saber agora quem será capaz de mandá-los de volta aos quartéis. 

Vida que segue. (por Ricardo Kotscho)

2 comentários:

SF disse...

É, Celso, depois do demagogo (Lula) vem o tirano (Bolsonaro), ambos criticando o governo anterior e sendo piores do que ele. Este cara leu, mas parece que esqueceu que é assim que a política funciona.
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Então, esse texto é mais uma narrativa que procura o viés da confirmação de que o atual governo não presta, ao passo que o precedente foi bom, mais que só revela a famosa arrogância epistemológica de achar que sabe que sabe como será o futuro.
É em certa medida uma falácia, pois tergiversa a questão central de que todos os postulantes ao governo lutam pelo butim, ou seja, o acesso aos impostos arrecadados e ao poder de distribuir favores que o poder proporciona.
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Devido a uma maneira peculiar de ler e interpretar textos o do Kotscho me parece tão sem sentido quanto este do professor Kadu Santos:
"O Dasein (presença humana) dá-se a compreender "em" existindo como descerrador em seu "se-no-mundo" iluminado, sendo o finito cuidador de um lugar sem lugar, um nada constantemente aberto para ser o lugar de um não lugar, o entre do seu próprio transcender".
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Porém, por incrível que pareça, Kadu é mais inteligível para mim do que Kotscho, uma vez que o professor Kadu procura ser ele mesmo ao invés de ser apenas um canal do estamento.
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celsolungaretti disse...

Companheiro,

"este cara" é um dos principais jornalistas brasileiros vivos, uma lenda viva da nossa profissão. Foi, p. ex., o único a ganhar quatro vezes o Prêmio Esso de Jornalismo.

Eu reproduzo alguns dos seus artigos pela qualidade do texto e precisão das análises, embora algumas delas sejam prejudicadas pela afinidade com o PT.

Mas, dentre os petistas famosos (foi porta-voz do Governo Lula entre 2003 e 2004), é um dos poucos que não deixam de criticar até duramente o partido, como no caso da omissão escandalosa nos últimos meses, quando parece ter ficado se guardando para quando o carnaval chegar enquanto brasileiros morriam como moscas.

Mas, a minha opção sempre foi a de valorizar quem tem coisas diferentes para dizer, mesmo que eu não concorde inteiramente com elas, do que perder tempo com a lengalenga das maria-vai-com-as-outras (há tantas nos círculos de esquerda!).

Em algo o Kotscho é muito parecido comigo: a morte inútil dos coitadezas nos deprime e tira o sono, enquanto há muitos esquerdistas que demonstram não ter verdadeira preocupação com as desditas do povão. Tratam a política como uma ciência exata, na qual não tem lugar a compaixão pelos fracos e vulneráveis.

Considero o Bozo uma versão demencial do Lula: ambos têm as mesmas ambições e as colocam acima de tudo e de todos, mas o palhaço tem, ademais, uma desumanidade extrema, própria de medíocres que ficaram sempre relegados ao baixo clero da vida, pois nunca mereceram algo melhor. Agora se vinga de todos os mais aptos, inteligentes e educados.

Ou seja, vê como inimigos quase todos os seres humanos que têm algum valor pessoal(é normal, já que ele não vale nada, é um dos indivíduos mais desprezíveis de cuja existência tive o desprazer de tomar conhecimento.

O Lula como pessoa está longe de ser tão ruim assim, mas como político foi um completo desastre. Os Dirceus, Genoínos e Falcões encheram a bola dele para servir de cartão de visitas do partido, mas não para definir estratégias, porque nunca teve e jamais terá competência para tanto.

Contudo, o mensalão bateu pesado nos dirigentes mais aptos e o populista primário mas astuto acabou se livrando da tutela e passando a cometer bobagens sem ninguém impor-lhe limites. Destruiu o partido e elegeu o Bozo.

Não conheço o tal professor Kadu, nem ele leva jeito de pertencer à minha praia.

Quanto a prever cenários futuros, só posso dizer que a minha taxa de acertos é elevadíssima, talvez porque acompanho atentamente a política brasileira há mais de meio século e a precoce designação para ser comandante de Inteligência da VPR me direcionou para uma especialidade que nem sequer existia na esquerda brasileira.

Ademais, levo a vantagem de sempre perscrutar o futuro combinando cenários políticos e econômicos, enquanto a grande maioria dos analistas de esquerda são fixados quase que exclusivamente na política.

Nas lutas de que participei na linha de frente e que foram conduzidas de acordo com as minhas previsões (a pela liberdade do Cesare Battisti em 2008/2011, p. ex.), as linhas de ação que propus tiveram peso fundamental na vitória alcançada.

Só lamento não haver encontrado outras aberturas desse tipo, dada a obtusidade e mesquinhez da esquerda brasileira, sempre me vendo como ameaça embora eu jamais desejasse poder e vantagens pessoais.

Poderia ter dado contribuição bem maior para a revolução e, se não tiver um golpe de sorte nos anos que me restam, morrerei frustrado por não haver concretizado meu potencial.


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