segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

DEVEMOS RESPONDER AO SECTARISMO DAS NARRATIVAS POLARIZADAS COM A VERDADE SEM RETOQUES. ELA É REVOLUCIONÁRIA! – 1

DEPOIMENTO DE UM VETERANO DA VPR
(o outro lado deste episódio enfocado no site Iconografia da História) 
Faziam-nos acusações falsas aos montes
E
m abril de 1969, após uma temporada de luta interna e de várias quedas, a Vanguarda Popular Revolucionária realizou um congresso para botar ordem na casa. 

Teve lugar no município de Mongaguá, litoral sul paulista, e eu lá estive como convidado, representando um grupo de oito secundaristas cujo ingresso na organização estava em vias de ser concretizado (como os 11 delegados oficiais não fizeram restrições à minha participação nos debates e votações, eu me tornei, informalmente, o 12º delegado).

Discutiram-se longamente tanto os excessos militaristas {ênfase excessiva nas ações armadas] quanto os desvios massistas [ênfase excessiva no trabalho de massas, que se havia tornado perigosíssimo e ineficaz a partir do AI-5], detectados nas duas correntes que haviam travado a luta interna. Tentava-se chegar a um ponto de equilíbrio.

O caso do atentado contra o quartel general do II Exército foi, na verdade, a resposta da VPR a uma bravata do comandante boquirroto daquela unidade militar. 

Ele deitara falação na imprensa de que os terroristas –um termo meramente propagandístico, já que exercíamos nosso direito de resistir a uma tirania e não objetivávamos, como os verdadeiros terroristas, paralisar o funcionamento do Estado com bombas e balas– não teriam coragem de ir enfrentá-lo de homem para homem.

A VPR lançara um carro-bomba ladeira abaixo, para que parasse ao se chocar com o muro do quartel e, em seguida, explodisse, sem causar outros danos que não o de fazer o comandante linguarudo engolir a bravata.

Havia vários ex-militares nos quadros da VPR, principalmente antigos sargentos. Eles se mostravam muito incomodados com o desfecho do plano que supunham perfeito. 
Mais mentira: em 68 Dilma não era da VPR e sim do Colina 

Foi executado exatamente como planejaram, só que ninguém imaginou que um sentinela fosse sair do seu posto (o que lhe era vedado pelas ordens que recebia) e aproximar-se daquela carro sem motorista para conferir o que era aquilo.

Mais ou menos na mesma época, o sentinela do Batalhão de Guardas, que ficava na Baixada do Glicério, viu passar um carro em alta velocidade em plena madrugada e agiu exatamente conforme as ordens que tinha: abriu fogo. Matou estupidamente um cidadão de outro Estado que desconhecia tratar-se de área de segurança militar. E foi elogiado pelo comandante por sua obediência cega.

O pobre do Mário Kozel Filho agiu de forma mais humana, provavelmente tentando prestar ajuda a um provável acidentado, mas na VPR ninguém pensara na hipótese de um sentinela decidir pela própria cabeça e não como autômato programado pelos superiores.

Os sargentos, que cumpriam na caserna o dever de adestrar esses novatos, acabavam se imbuindo de sentimentos paternais pelos soldados rasos. Continuavam inconsoláveis, oito meses depois, pois a discussão sobre a validade desse tipo de ação reavivou-lhes as más lembranças.

Assim como os outros companheiros oriundos das Forças Armadas, o comandante Carlos Lamarca se mostrava pesaroso, embora ainda não integrasse a VPR quando a ação ocorreu. 
Militantes da VPR emboscados e chacinados quando voltavam do exterior  
Ele até mais do que os outros, pois havia sido um oficial que desprezava seus iguais como
privilegiados, mas tinha grande identificação com os recrutas que estavam prestando serviço militar (eles são filhos do povo, dizia).

Foi unânime a conclusão de que uma trapalhada como a do atentado ao QG jamais deveria acontecer de novo. E houve muitas críticas à decisão de se responder a um desafio com outro, isto aqui não é filme de bangue-bangue...

Finalmente, resolveu-se:
— que demonstrações de força, dali em diante, deveriam ser evitadas e, mesmo que alguma parecesse válida, teria de ser antes autorizada pelo Comando Nacional; e
— que a Organização não justiçaria inimigo nenhum que não fosse identificado pelas massas como merecedor de tal destino (nada de matarmos outro major Chandler da vida, alguém de quem nunca se ouvira falar, e só depois explicar ao povo que ele seria agente da CIA –o que, aliás, nunca ficou comprovado, embora fosse suspeito seu comportamento de cursar a Escola de Sociologia e Política como um estudante qualquer e depois, na empolgação post-coitum, ele haver confidenciado à colega brasileira que era oficial do exército dos EUA).

Na verdade, durante os 12 meses seguintes, até a minha
queda, não houve mais nem demonstrações de força, nem justiçamentos. Aliás, ao que eu saiba, depois também não. 
.
(Celso Lungaretti, jornalista, escritor e ex-preso político, que ingressou na VPR em abril/1969 e subsistiu na luta por 
um ano exato, o que era, então, uma marca invejável)
(continua no post seguinte)

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