O QUE SEMPRE FOMOS
O que é o governo Bolsonaro dominado pelo Centrão? É a política brasileira como sempre foi nas últimas décadas, a ponto de se duvidar se realmente tivemos uma alternância de poder de esquerda para direita.
Talvez a periodização à qual historiadores costumam recorrer indique como último grande divisor de águas na política brasileira o processo de redemocratização do período entre 1985 e 1989 (sim, quatro anos decisivos).
Visto com uma distância de três décadas, o que se iniciou ali foi uma tentativa fracassada de estabelecer no Brasil um estado de bem-estar social aos moldes do sul da Europa, sem que cuidássemos que nossa economia de baixa produtividade e competitividade conseguisse financiar gastos públicos que subiram sempre acima da inflação, não importa qual fosse o governo. O encontro com a verdade chama-se crise fiscal.
Com maior nitidez desde aquele período grupos diversos foram capturando a máquina de Estado – ou ampliaram o domínio já existente (como ocorre com a elite do funcionalismo público, espalhada por autarquias, estatais e Judiciário).
A política foi se reduzindo à negociação entre grupos esparsos, com cada vez menos direção central, para acomodar às custas dos cofres públicos interesses setoriais e regionais dos mais variados. Dentro de um ambiente de ideias que o sociólogo Bolívar Lamounier chama de maçaroca ideológica.
O desenho do nosso sistema de governo, que opõe o vitorioso num plebiscito direto (o presidente da República) a um Legislativo fracionado e de baixa representatividade (mas cheio de prerrogativas), com partidos dominados por caciques, funcionou nesses moldes até a quebra dos cofres públicos.
A atuação desses donos do poder foi muito facilitada pelo fato de os setores privados da economia brasileira não terem sido capazes de desenvolver um projeto nacional, uma visão de conjunto que fosse muito além do que sempre foi o norte para gerações de empresários e banqueiros: garantir a amizade e a proximidade do rei.
A reforma de Estado ensaiada por FHC foi tímida, assim como as privatizações. O projeto petista do nacional-desenvolvimentismo (para dar um rótulo aos 13 anos) era uma obra conjunta com o Centrão, entendido como esse conjunto de forças políticas setoriais, regionais, unidas apenas no intuito de se apoderar de pedaços da máquina pública.
Como se constata nos índices, a tal preocupação pelo social tão propalada naquele período não alterou fundamentalmente o País em termos de sua desigualdade e misérias relativas.
Ironicamente, a política brasileira parece ter mudado tanto nos últimos quatro anos (desde o impeachment de Dilma) para desaguar no mesmo lugar: o papel essencial dessas forças do Centrão, agora carregando consigo um presidente de escassa capacidade de liderança e que não entendeu onde reside seu poder: na possibilidade de ditar a agenda política, e não na tinta da caneta em suas mãos (que, aliás, encolheu bastante nos últimos dois anos).
Ao celebrar o entendimento político com os dois novos homens do Centrão no comando do Legislativo, Bolsonaro voltou a escancarar o fato de não ter estratégia nem saber o que quer, além de se reeleger.
Trinta e cinco prioridades entregues ao Congresso é o mesmo que dizer que não tem nenhuma.
Nessa shopping list, em parte a pedidos de seu ministro da Economia, estão matérias prometidas desde sempre (como reformas administrativa e tributária, além de privatização de estatais) que não progrediram basicamente pela incapacidade ou falta de interesse político por parte do chefe do Executivo.
É possível que o dia 1.º de fevereiro de 2021, data da oficialização do comando do Centrão nas principais esferas da política, talvez sirva aos historiadores no futuro para marcar o fim de um intenso período nessa linha do tempo, o da onda disruptiva de 2018.
É também a data da dissolução da força-tarefa da Lava Jato, sem a qual essa onda é impossível de ser entendida. Talvez os historiadores no futuro considerem que não foi mera coincidência. (por William Waack)
2 comentários:
William Waack continua sendo um articulista brilhante. É uma infelicidade para os brasileiros que acompanham a cena política e as visões dos homens, de imprensa ou não, que pensam o país, a perseguição que sofreu e sofre do "politicamente correto" radical e igualmente preconceituoso. Lamento porque é uma das vozes mais importantes, com sua admirável inteligência e seu agudo senso de observação, entre os que se debruçam sobre os problemas brasileiros.
Naturalmente não foi acossado apenas pela incorreção racista que cometeu em um único momento, e fora do ar, mas por sua análise, crítica a muitos poderosos. Estes se aproveitaram desse episódio para denegri-lo e tentar calar sua influente e desassombrada voz.
Neste artigo ele mais uma vez mostra seu brilhantismo com uma análise irretocável dos últimos 35 anos da política brasileira. E lança uma luz sobre o momento atual, instigando nosso pensamento e observação, e nos fazendo compreender de forma desapaixonada a linha que liga tantos governos à nossa atual miséria social e política. Quem nos dera ter mais pensadores à altura deste.
Parabéns, William, pelo excelente artigo. Me sinto privilegiado por ter acesso a ele. Congratulo também o Celso e o blogue pela ótima iniciativa de transcrevê-lo aqui. Por favor continue publicando os artigos desse brasileiro que clareia nossa visão e nos enche de orgulho. Um grande abraço. (Fernando Weyne)
Eu fiquei 100% a favor do Waack quando daquele episódio grotesco.
O fato é que ele fez uma piadinha de mau gosto para os colegas de trabalho e ela não transpôs os limites do ambiente de trabalho.
Se tivesse vazado para os telespectadores, como o comentário depreciativo do Boris Casoy sobre os garis, faria sentido recriminá-lo.
Mas, não foi o que aconteceu. O que houve foi que um funcionário subalterno, com acesso à gravação do que se passou no estúdio e deveria ficar restrito aos que estavam no estúdio, fez uma denúncia totalmente oportunista e descabida, inclusive se apropriando irregularmente do material de trabalho da emissora a que tinha acesso.
Se tudo que falarmos quando estamos jogando conversa fora for trombeteado aos quatro ventos, isto aqui ficará muito pior do que um estado policial.
Ainda bem que o caçador de holofotes nada lucrou com sua conversão em aprendiz de araponga. Teve seus minutinhos de fama e voltou ao anonimato do qual jamais deveria ter tentado sair com uma conduta tão repulsiva.
Quanto ao Waack, admiro-o desde que, depois de pesquisar durante anos os arquivos de Moscou referente às relações do comunismo soviético e da Internacional stalinizada com nosso PCB, escreveu um longo artigo para o Estadão, antecipando o que contaria com mais detalhes no seu livro "Camaradas".
Ia sair num suplemento especial de sábado, se bem me lembro de quatro páginas. E, como era notória a minha condição de familiarizado com o assunto, fui eu o designado pelas chefias do jornalão para copidescar o enorme texto do Waack.
Fiquei admirado com seu belo estilo (raro nos jornalistas de hoje), com a pesquisa colossal que ele havia realizado durante vários anos (eu não teria paciência para tanto) e com uma informação que simplesmente destruía a lenda edificante sobre o relacionamento entre Prestes e Olga Benário.
Eu havia lido o livro do Fernando Moraes e visto o filme do Jayme Monjardim. Percebi claramente que o romance do adulto ainda virgem com a comunista que o regime de Stalin incumbiu de uma missão tão importante não poderia jamais ser ingênuo como era retratado. Só quem não sabe nada sobre o stalinismo acreditaria nessa lorota.
Bingo! Escarafunchando aquelas toneladas de documentos do passado, Waack descobriu que Olga era uma categorizada agente da INTELIGÊNCIA MILITAR soviética, que não só atuava como GUARDA-COSTAS de Prestes, como também enviava aos seus superiores relatórios tintim por tintim sobre tudo que Prestes conversava com interlocutores brasileiros.
Ou seja, era uma espiã de alto gabarito e, se chegou mesmo a amar Prestes, o certo é que tal envolvimento sentimental pode ter-se estabelecido ao longo do tempo, mas não foi para isto que a plantaram junto a Prestes, mas sim para CONTROLÁ-LO. E fica a dúvida sobre se ela se tornou amante dele por paixão ou para melhor espioná-lo.
Como era de esperar-se, pouca gente ficou conhecendo a verdade ou quis conhecê-la, de forma que o livro desmistificador do Waack não destruiu a lenda piegas, na linha daquela frase imortal do filme "O homem que matou o facínora" ("Se a lenda é melhor do que a realidade, imprima-se a lenda!").
Eu, contudo, como desde muito cedo passei a considerar que A VERDADE É REVOLUCIONÁRIA, sem exceções. Deploro todas e quaisquer falsificações da História e dos acontecimentos diários, sejam as fake news do inimigo, sejam as canhestras tentativas de companheiros que cedem à tentação de jogar o mesmo jogo.
Daí ter passado a respeitar muito o Waack, por seu brilhantismo, por sua coragem pessoal e por sua honestidade intelectual.
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