sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

ENTRAREMOS NA PRÓXIMA DÉCADA COMO UM BRASIL EM TRANSE, COM A REVOLUÇÃO NOVAMENTE NA ORDEM DO DIA

juan arias
QUE O PSOL MANTENHA SUA IDENTIDADE DE REBELDIA E
MODERNIDADE E NÃO TENTE SER SIMPLES HERDEIRO DO PT
A
novidade destas eleições municipais foi, sem dúvida, o pequeno PSOL. 

Enquanto o PT, do qual nasceu, teve a sua pior derrota, o PSOL se viu protagonista da nova política e das classes médias abertas à modernidade, que hoje se sentem órfãs de uma política menos ideologizada, menos corrupta e mais sintonizada com as novas exigências de um tempo em plena transformação.

O pequeno PSOL tem como símbolo e mártir Marielle Franco, a jovem assassinada no Rio, certamente por sua luta contra as milícias que estavam envenenando a política da cidade e do Estado. Aquela moça cheia de vida, uma política nova sem outra ideologia senão a de criar esperança entre os mais martirizados e esquecidos da periferia, representava os sonhos de uma política nova que acabasse com os preconceitos contra as mulheres e os diferentes.

Não deve ser acaso que a partir do assassinato de Marielle o PSOL teve o maior triunfo de sua existência como partido E não deve ser por caso que o bolsonarismo mais raiz começou a desmoronar justamente quando o partido do pequeno Davi contra o gigante Golias abre caminhos novos de liberdade. No Rio de Janeiro, o partido elegeu sete vereadores e, assim, formou sua maior bancada na história, dividindo o posto de maior bancada com outros dois partidos de direita.

Com seu sucesso em São Paulo ―onde conseguiu triplicar o número de vereadores eleitos em 2020, tornando-se a terceira maior bancada da capital símbolo do capitalismo brasileiro―, o PSOL revelou que existe uma classe média bem posicionada, culturalmente rica e socialmente aberta em busca de líderes novos, cansada também ela da velha política de rapina. Também disputou pela primeira vez o 2º turno pela prefeitura da capital paulista, com Guilherme Boulos encerrando a campanha em segundo lugar, com 40% dos votos.

Tampouco é uma coincidência que o pequeno PSOL ressurja com força neste momento de trevas e infernos do bolsonarismo que está envenenando o país após ter abraçado o pior da velha política, da qual o Brasil estava tão cansado.

É verdade que essa velha política, que cresce na corrupção, ainda continua forte, como se viu nestas eleições em que dominaram a grande maioria dos votos. E, entretanto, o triunfo do PSOL significou uma luz de esperança e de renovação dessa política que tem cada vez menos espaço numa sociedade em plena revolução, onde os milhões de jovens se conectam cada vez menos com o passado e vivem uma das maiores transformações que a humanidade já viveu.

Os jovens estão órfãos politicamente de novos sonhos, de novas esperanças, de caminhos a explorar, de se sentirem não simples herdeiros do passado, e sim protagonistas do presente. A política de seus pais envelheceu para eles, e essa geração quer criar formas novas de viver com paixão e sem se aburguesar.

O PSOL neste momento significa a antítese do bolsonarismo que só sabe reunir os jovens velhos alérgicos a qualquer novidade, medrosos dos diferentes a quem vê como inimigos em vez de companheiros de viagem.

Não, o PSOL não deve ser a herança do PT e menos de seus pecados ―um partido que teve seu momento de glória e seu declínio por não ter sabido se enxertar no sangue novo dos jovens. 

O PT do qual nasceu e do qual os fundadores do PSOL foram expulsos por seu espírito de rebeldia contra a corrupção, que já começava a envenená-lo, está em declínio porque foi incapaz de se renovar. 

Foi um partido que nasceu do sindicalismo no momento em que as massas de trabalhadores industriais precisavam ser apoiadas e defendidas, e os jovens de então procuravam novos horizontes sociais e renovadores. 

O pecado do PT foi ter se petrificado frente a um mundo novo que estava nascendo, onde as classes que necessitavam de apoio eram outras.

Hoje o PSOL é filho rebelde daquele PT que começava a se aburguesar e a fazer alianças com os partidos mais conservadores e que, como chegou a criticar Lula em um momento de sinceridade, já não trabalham por amor ao partido e suas causas, e sim para enriquecer e procurar cargos na burocracia.

É verdade que o PSOL ainda tem um longo caminho a trilhar. Elegeu prefeitos em apenas cinco cidades brasileiras, sendo uma capital, Belém, no Pará. Mas o número representa um crescimento de 150% em relação à eleição passada. O PT, por sua vez, elegeu prefeitos em 183 municípios, 28% a menos que 2016, sendo que nenhum deles é uma capital, algo que não ocorria desde 1985.

O PSOL que foi profeta na época não pode cair neste momento de glória nos velhos pecados da esquerda ideologizada. Tem que manter seu espírito de defesa das novas formas de trabalho que estão nascendo. Têm que entender que hoje o proletariado é outro. São os desempregados, os transgêneros, os trabalhadores precários e os novos bolsões de pobreza material e espiritual.

Não deve ser um acaso que o PSOL triunfe enquanto o bolsonarismo fanático se desmorona. O pequeno partido de uma esquerda diferente e moderna tem que ser neste momento o oposto desse bolsonarismo que está envenenando a sociedade com seus negacionismos, seus delírios autoritários e sua repulsa de tudo de novo que está germinando no mundo jovem.
Aos jovens bolsonaristas criadores dos
gabinetes do ódio e da divisão, o PSOL deve propor gabinetes do diálogo, espaços para todos os diferentes, sem bandeiras de discriminação na defesa dos valores democráticos e das liberdades. Tem que ser, se quiser continuar crescendo, o coração de uma sociedade em busca de valores e de sonhos de esperanças que foram se perdendo pelo caminho de um capitalismo de rapina, que arrastou cada vez mais gente às periferias da miséria ao esquecimento.

Contra o bolsonarismo, inimigo da cultura que está desprezando e humilhando, o PSOL precisa recuperar inteiramente o rico mundo da cultura e da criatividade, que é onde se forja a verdadeira democracia. 

E contra o negacionismo áspero que acaba criando morte e desilusão deve o novo partido semear no país sementes de criatividade. Semear vida em vez de morte. Armar a sociedade não com as armas que matam, e sim com as que criam nova vida. Contra as armas de guerra são necessárias hoje, mais do que nunca, as armas da criatividade e do desejo de superação.

Se a violência é inerente ao ser humano e ao egoísmo coletivo, a cultura e a política dos valores de convivência devem ser o melhor antídoto contra as guerras psicológicas com as quais a extrema-direita tenta envenenar uma sociedade cansada de ódio. Uma sociedade em busca de valores que a liberem e encaminhem pelo caminho de novas apostas criativas e libertadoras sem o espartilho do novo obscurantismo que a empobrece e aliena. (por Juan Arias, na edição brasileira do jornal global El Pais)
T
OQUE DO EDITOR 
– O Juan Arias que transparece neste artigo é um jornalista que, aos 88 anos, escreve otimamente e se revela um ser humano admirável. Espanhol, após duas décadas morando e trabalhando em nosso país parece ter-se imbuído do espírito dos brasileiros cordiais de outrora, que conheci no seu ocaso e até hoje admiro e adoto como exemplo.

Mas, se considero este artigo 100% correto no que tange ao PT, não assinaria embaixo de todas as opiniões emitidas por Arias a respeito do PSOL. Otimista por natureza, até dei-lhe um voto de confiança em 2012, quando fui convidado a filiar-me e a disputar uma vereança que jamais estivera nos meus planos. 

A experiência acabou sendo decisiva para eu desistir de vez da política convencional, embora considerasse e ainda considere o PSOL o partido menos pior que disputa as eleições inócuas e de cartas marcadas da democracia burguesa. 

Hoje tenho total clareza quanto a que não será pelo caminho das urnas que os explorados chegarão ao paraíso da verdadeira igualdade e da liberdade plena.

Então, decidi disponibilizar aqui este texto não por expressar a posição deste blog (não a expressa), mas porque coloca em discussão um tema crucial após as recentes eleições municipais decretarem a falência definitiva do PT enquanto partido idealista de esquerda. 

Trilha o mesmo caminho que conduziu o PTB, o (P)MDB e o PDT à sua atual irrelevância, fantasmas do que foram, hoje entregues ao fisiologismo explícito. 

Arias vocaliza o receio, muito disseminado na esquerda, de que o PSOL reedite a ascensão e queda do PT. É, talvez, a discussão mais importante para nós neste final de ano e de década.

A minha opinião é de que o PT se acomodou e aburguesou, com parte dos seus integrantes empenhados sobretudo em enriquecerem e procurar cargos na burocracia,  num contexto bem diferente do atual, quando ainda nem saímos da pior crise sanitária de nossa existência como nação e temos pela frente a pior depressão econômica idem, capaz de ser tão devastadora quanto a Grande Depressão o foi, p. ex., para os estadunidenses na década de 1930.

Ou seja, se o PSOL não salvar-se pelo caráter, se salvará como instrumento da História, porque períodos tão turbulentos quanto o que se avizinha não admitem lideranças de esquerda conciliatórias e vacilantes.  

A crise do capitalismo é terminal, como o Dalton Rosado já demonstrou cabalmente. E a necessidade de superá-lo, até para assegurar a sobrevivência da espécie humana, levará o PSOL e outras forças de esquerda cujas raízes não apodreceram a assumirem compulsoriamente a revolução que, quanto mais é adiada, mais urgente e necessária se torna. (por Celso Lungaretti)

2 comentários:

Anônimo disse...

***
Grande Celso!
O tom de sua editoria está subindo. Atrevo-me a dizer que seja debitado a uma certa euforia e uma perigosa esperança. Mas, você e eu já entendemos a frase do abismo de Nietzsche.
Ele nos olhou de volta, amigo.
Sabemos disso e, ainda assim, computamos pequenos fatos como avanços numa guerra perdida.
***
Também alegrei-me pela mudança dos caras que comandarão a máquina de extorquir impostos e bater nos rebeldes.
Espera-se que ditarão regras menos doentias que as atuais, talvez façam um uso adequado do butim e tenham um mínimo de decência nos seus procedimentos.
Porém, o resultado das urnas mostra que há quem apoie e defenda o atual estado de coisas e está irritado ao ser cogitada alguma liberdade de ação para os escravos.
***
Muito oportuno o toque de editor nesse post.
* SF.

celsolungaretti disse...

Companheiro,

quando lancei este blog, prometi aos leitores que postaria algo novo todo dia e, afora situações excepcionais, venho há mais de 12 anos cumprindo essa promessa.

Mas, os meus textos que realmente pegam no breu são os que faço em momentos importantes, como o foi a dupla derrocada de bolsonaristas e petistas no último domingo. A adrenalina escreve por mim e eu inicio os textos numa direção e acabo desviando para outra no meio do caminho (depois reescrevo o começo para ficar tudo redondinho).

Nunca tive tanto prazer em fazer textos políticos como durante a luta pelo Cesare Battisti. Mal acabava uma reportagem tendenciosa a respeito dele no Jornal Nacional e, em meia hora, eu a estava refutando tintim por tintim num texto de umas 50 linhas. Alguns desses artigos eram depois publicados ou citados ou serviam de inspiração para Deus e todo mundo, seja me dando o crédito, seja "esquecendo" de citar a fonte.

Em compensação, os tempos de pasmaceira, quando não acontece nada de significativo, são insuportáveis para mim. Sempre encontro qualquer coisa para botar no ar, mas sem entusiasmo, penosamente. É apenas o piloto automático funcionando, e meio sem vontade.

Curiosamente, i número de hits no blog até quintuplica nos grandes momentos. Parece que os próprios leitores já se acostumaram a procurar textos trepidantes aqui.

UM abração!

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