quinta-feira, 30 de julho de 2020

CONVENCIDA DO SEU PODERIO ECONÔMICO, A ALEMANHA INSURGE-SE CONTRA O BLOCO QUE AJUDOU A CRIAR - 2

(continuação deste post)
Europeus discutem ajuda a países debilitados pela pandemia...
Estes são os fatos que explicitam a controvérsia e conflitos de interesses subjacentes à emissão de moeda única num bloco continental formado por países com interesses capitalistas dessemelhantes e capacidades produtivas de mercadorias igualmente diferentes. 

A causa de base desse conflito foi prevista por Karl Marx há cerca de 160 anos, ainda que os seus detratores ideológicos não o queiram aceitar, e consiste:
.
— no fato de que a capacidade de reprodução da massa global de valor e de mais-valia, além de deixar um rastro de sangue (vide as duas guerras mundiais) e de exclusão (os salários tendem a ser reduzidos em valor e em quantidade), é diminuída por força da obsolescência do trabalho abstrato em maior proporção que os novos nichos de trabalho surgidos;
.
— em que tal redução de salários e de volume de força de trabalho, forçada pelo regime concorrencial de mercado entre capitalistas (que se destroem como adversários e jamais podem se solidarizar pelo bem social), se opera pelo desenvolvimento tecnológico da produção que conspira contra a própria dinâmica de necessidade de progressão ad infinitum para sua sustentação;
.
— que a lógica do capital consiste numa disputa de hegemonia mercadológica que vai desde a menor de suas células (um pequeno comerciante de bairro) até grandes conglomerados industriais, comerciais e financeiros, que muitas vezes se fundem como forma de obtenção do monopólio mercadológico (ou seja, quando se unem é para destruírem alguém);
...mas o que Merkel quer mesmo é impor uma hegemonia alemã.
.
— que na guerra concorrencial de mercado vence quem produz com menor custo e melhor qualidade, e em tal disputa encarniçada sempre existe um inimigo a ser vencido e não um solidário parceiro a quem se deva ajudar.
.
Portanto, como se querer que haja solidariedade entre o países da EU, se eles competem entre si e tal competição envolve a relação comercial com outros países fora do bloco, a qual precisa ser vencida? 

As moedas são (ou deveriam ser) meros signos do valor mediante a escala numérica que lhes são auferidas pelos Bancos Centrais, e regular o valor de cada mercadoria dentro do critério de produtividade de cada uma. 

Assim, quando desconectadas das relações econômicas ditas válidas (produção de mercadorias) elas não passam de documentos falsos que, mais cedo ou mais tarde, evidenciarão tal falsidade com catastróficos resultados econômicos e sociais. 

Ora, num quadro de depressão econômica como o que está a se configurar, e que impõe a necessidade emergencial de emissão de moeda sem lastro para o socorro dos países de economias mais frágeis (casos da Itália, Grécia, Portugal, Espanha e outros integrantes do bloco da União Europeia), tal emissão perturba os países de economias mais resistentes à crise.   
Não sendo a solidariedade usual entre capitalistas...

A Alemanha não deseja que a moeda única adotada venha a ser objeto de perda de credibilidade acentuada em razão desse comportamento monetário de socorro, cuja perpetuação causaria graves resultados colaterais no futuro próximo.


No capitalismo ninguém quer continuar sócio de alguém que esteja falido e traga os ônus de sua falência para dentro da sociedade (no caso presente, os países pobres do bloco europeu). 

É isso o que está a acontecer nesse conflito monetário europeu no qual o poder judiciário, sempre submisso aos ditames da ordem capitalista a que serve, é chamado a meter a sua colher. 

Os argumentos de parte a parte, transcritos no post anterior desta série, se circunscrevem a um ao universo de contradições e falência sistêmica do capitalismo em fim de feira.

Foi num momento de crise até menor do que a atual que surgiram teorias totalitárias como o nazifascismo: a Alemanha, arrasada na 1ª Guerra Mundial e sentido-se suficientemente fortalecida 20 anos após, resolveu peitar a Europa e outras nações, dando origem ao maior conflito bélico da História da humanidade. 

Interessante notar, enquanto os europeus começam a se desentender, os Estados Unidos aplicam uma retaliação comercial à China, que promete revide, numa repetição de algo parecido entre EUA e Japão de 1941 a 1945. 
...virá mesmo um novo Plano Marshall?

Da mesma forma que na crise iniciada em 1929 e que estendeu-se década de 1930 adentro, tanto o dólar estadunidense como o euro (que substituiu as moedas europeias, à exceção da libra esterlina) estão novamente sem sustentação e correspondência com o valor que representam ou deveriam representar.

Quando isto se tornar evidente, como agora está se delineando, teremos de construir caminhos diferenciados e baseados na riqueza material, que é, hoje, absolutamente dissociada da riqueza abstrata. 

A Alemanha, convencida do seu poderio econômico, novamente se insurge contra o bloco que ajudou a criar quando isso lhe era favorável, para, agora, demonstrar o oportunismo capitalista diante da crise que pode lhe arrastar para o abismo. 

Solidariedade não é palavra de ordem entre capitalistas. 

Não chegaremos a nenhum consenso sobre como evitarmos o colapso social catastrófico se insistirmos na mediação social feita por um padrão monetário qualquer, exatamente porque ele representa algo abstrato (o valor), que entrou em disfunção social irreversível e tende a perder a sua validade.

Mas podemos aprender com a história e evitarmos a repetição da tragédia humana de 75 anos atrás. O caminho para isso tem uma única direção: superarmos a lógica cujo modo de produção se tornou absolutamente incompatível com a realidade social e sua sustentabilidade econômica, provocando, ademais, graves consequências ecológicas negativas. (por Dalton Rosado)

2 comentários:

Anônimo disse...

Grande Dalton!

Esses seus dois últimos textos foram primorosos.

Em tempo, fucei o twitter e vi uns gráficos do Tavi Costa, gestor de um tal Crescat Capital CLL, citando o Federal Reserve.
Anota aí.

"71% da dívida pública emitida no ano passado vence em menos de 12 meses. O saldo de títulos do Tesouro atingiu US $ 5 trilhões! Não há maneira de contornar isso... O saldo do Fed está definido para explodir.
"Além disso:
É provavelmente por isso que o Tesouro dos EUA está acumulando um recorde de US $ 1,79T em dinheiro. O mesmo aconteceu em 2008-9.
O problema é:
Desta vez, os títulos do Tesouro em circulação são quase US $ 3,3T mais altos que o saldo em dinheiro.
"Por último:
O prazo médio das dívidas governamentais pendentes caiu para 64 meses.
Um tsunami de US $ 8,5T de Treasuries estará amadurecendo até o final de 2021! O estímulo monetário terá que ser astronômico para cobrir isso".

Ou seja, o sistema vai colapsar já o ano que vem e, caso consigam adiar, existe uma conta a ser paga em 5 anos.
Como entendemos que valor é trabalho humano não pago (escravidão indireta) e que justamente isso está escasseando vejo duas possibilidades:
- A corrente malthusiana vencerá e o genocídio se dará, ou
- O Reset financeiro que o Fórum Economico Mundial está propondo para 2021. Uma espécie de plano Collor mundial no qual os ativos ainda em mãos da classe média serão confiscado, mediante a adoção de novo padrão monetário, baseado em blockchain que rastreará tudo e todos num novo mundo orwelliano.

celsolungaretti disse...

Caro leitor anônimo,

valor é tempo de trabalho abstrato, mercadoria força de trabalho coagulada na mercadoria objeto ou serviço com valor de uso e valor de troca.

A acumulação do valor se opera em favor do capitalista detentor do capital em razão da subtração (indébita) de parte do valor produzido pelo trabalho abstrato, ou seja, a acumulação do valor decorre do roubo, pelo capital, do valor produzido pelo trabalhador, uma corrupção intrínseca à qual o direito e o judiciário, submissos à lógica escravista da mediação social mercantil, capitalista, faz vistas grossas.

O problema da incapacidade do Estado em saldar as suas dívidas crescentes (e os Estados Unidos é o expoente máximo disso em valores) vai realmente causar um tsunami no sistema bancário em futuro próximo, e o confisco de valores dos correntistas será inevitável. Tal medida, ou tsunami, causará uma paralisia e desespero maior do que a paralisia do coronavírus, e isso implicará na necessidade de numa revisão completa do nosso modo de produção social.

O perigo é de que ao invés de adotarmos uma solução viável, baseada na produção sob novas bases (produzir para distribuir, não para vender), os capitalistas, políticos e seus exércitos provoquem uma hecatombe genocida. Devemos estar alertas para essa possibilidade.

Abração e obrigado pela valiosa contribuição estatística.

Dalton Rosado

Related Posts with Thumbnails