segunda-feira, 18 de maio de 2020

TORNADOS AUTODESTRUTIVOS, DINHEIRO E MERCADORIAS PODEM CONDUZIR A HUMANIDADE À EXTINÇÃO

dalton rosado
DINHEIRO SEM VALOR
À guisa de resposta a um comentário de leitor neste artigo, entendi que seria necessária uma abordagem mais alongada sobre o significado da emissão de dinheiro sem correspondência com a produção de mercadorias, ou seja, de dinheiro sem ser a representação válida do valor.

Ressalto esta grande ironia nas relações sociais mercantis da atualidade: o dinheiro, objeto-mor do desejo e da busca diária das pessoas, é algo absolutamente desconhecido por elas quanto ao seu conteúdo conceitual e validade intrínseca.

Tentarei, de forma sintética, lançar uma luz sobre essa complexa questão, de crucial importância para a compreensão social (mormente agora, quando a pandemia do coronavírus provoca uma paralisia da produção mercantil, expondo a sua fragilidade diante da chamada modernidade tecnológica.

É que em nenhum lugar (escolas, academias, sindicatos, imprensa e outros canais nos quais deveria se processar esta discussão científica) tal questão é abordada de modo educativo, justamente porque seria colocada a nu a inviabilidade dos mecanismos de sociabilidade atuais diante das contradições causadas por seus próprios fundamentos: a desconexão funcional das categorias capitalistas.
Este dinheiro sem valor é assumido

O dinheiro é a representação do valor. Por sua vez o valor é tempo de trabalho coagulado, hipostasiado, acoplado ao tempo de trabalho remunerado por tal critério. Fora disto, o mecanismo da vida social mercantil roda em falso.

Quando os Bancos Centrais emitem dinheiro sem valor, ou seja, desacoplado da produção de mercadorias, ele passa a ser tão falso quanto as notas fajutas que falsários imprimem e colocam em circulação, com a diferença de que a medida governamental é oficial e, portanto, imune à incriminação penal. 

Mas isto tem efeitos colaterais gravíssimos, tais como:
— inflação (perda do valor de compra da moeda); 
— disfunção do mercado quanto ao verdadeiro valor das mercadorias; 
— perda do valor patrimonial da propriedade; e
— confusão generalizada sobre o controle monetário e a validade da própria moeda. 

A emissão de moeda sem lastro, como ora ocorre generalizadamente, mais cedo ou mais tarde provocará um tsunami na vida social mercantil. Estamos caminhando nessa direção. 

Mas, o problema maior incide sobre a periferia do capitalismo, cujas moedas não têm credibilidade e aceitação além das suas fronteiras nacionais, obrigando-a a comprar moedas fortes nas suas relações da economia globalizada (sem que estas tenham conexão com o valor, o que não as impede de serem aceitas internacionalmente como se satisfizessem tal critério). Assim, estabelece-se um critério absolutamente injusto de relações monetárias. 

Não havendo como os países pobres (a grande maioria das nações) sobreviverem no regime concorrencial de mercado internacional, a sua produção de mercadorias sob tal critério fica estagnada. É o que está acontecendo em várias regiões do mundo (África, América, grande parte da Ásia e até mesmo em países com baixo nível de produtividade no interior de blocos econômicos como a União Europeia).
Via crucis para receber o auxílio: burocracias kafkianas...
Há, ainda, o deslocamento da produção industrial dos países ricos para o interior dos países pobres em busca de tempo de trabalho barato e usando capital falso (moedas sem valor) e tecnologia, o que agrava o desemprego até mesmo nos países ricos (caso de nações da União Europeia).

O Brasil, p. ex., está sucateando o seu parque industrial e jogando ao desemprego milhões de brasileiros sem que tal questão seja explicitada, enquanto os políticos de direita e de esquerda pedem a impossível retomada do desenvolvimento econômico. 

A emissão de reais para suprir a paralisia das relações econômicas que acentua ainda mais a perda de poder aquisitivo da população de baixa renda, é medida paliativa que não pode subsistir por longo tempo sem quebrar o orçamento público e gerar uma completa desmoralização da credibilidade da moeda brasileira.

Esta é a preocupação do governo do Boçalnaro, o ignaro e do ministro Paulo Guedes, que ao invés de buscarem outros critérios de produção fora da lógica mercantil, com distribuição racional e cuidadosa de bens necessários ao suprimento do consumo social, preferem pressionar pelo fim do isolamento sanitário, custe quantas vidas custar. 

A prioridade máxima para ambos é a retomada das relações de produção, compra e venda de mercadorias, como se nada de anormal estivesse acontecendo.

Grassa uma ignorância completa sobre a essência da economia política, daí o coronavírus e sua pandemia ter explicitado algo que era por quase todos ignorado: a forma-valor e seus signos representativos (dinheiro e mercadorias) entraram em disfunção social, tornando-se autodestrutivos e podendo conduzir a humanidade à extinção.
...e incompetentes a ponto de aglomerarem as pessoas!

Proporcionou algum alívio ao povão o auxílio emergencial de R$ 600 para cada CPF, o que está a permitir um aumento da renda per capita de uma população (numa mesma casa existem vários CPFs) que, em grande parte, já não tinha nenhuma renda. 

Isto é o que está retardando uma queda mais acentuada da popularidade do governo, apesar de sua assombrosa ineficácia administrativa. 

Mas, para a infelicidade desse mesmo (des)governo, não há como ele continuar se apoiando nessa muleta por muito tempo; e o corte desse auxílio emergencial deverá provocar um devastador efeito bumerangue. 

Está na ordem do dia a entronização de uma nova e eficaz forma de relação social. (por Dalton Rosado)

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Dalton!

O tipo de luta que o homem tem pela frente não é mais o direito de adquirir coisas no supermercado da esquina e ter comodidades que o amoleçam.
A luta que o homem tem que travar é a de aceitar que "nunca é alto o preço a se pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo". Poder ele dispensar todo a prisão sem grades do comodismo e enfrentar a dor e a solidão de ser autossuficiente, sem concessões.
Esse o eterno e verdadeiro desafio.
Foi o que cozinhou o juízo de Nietzsche deixando-o catatônico durante os últimos anos de sua vida, pois ele também era chegado a uma comodidadezinha...
No plano político, econômico e bélico nós não estamos mais enfrentando o mesmo inimigo de 68. Mesmo por que, na minha opinião, o problema nunca foi o outro. A grande luta a ser travada, e isso é filosofia clássica, é entender que "o homem se acha no meio de sua rota, entre animal e super-homem, e celebra seu caminho para a noite como a sua mais alta esperança; pois é o caminho para uma nova manhã. Então aquele que declina abençoará a si mesmo por ser um que passa para lá; e o sol do seu conhecimento permanecerá no meio-dia. ‘Mortos estão todos os deuses: agora queremos que viva o super-homem'” (Nietzsche, Assim Falou Zaratustra, Da Virtude Dadivosa).
Só não devemos esquecer que esse desafio, e destino, também está presente na vida do nosso "pretenso" adversário.
E ele, assim como eu, saberá "a dor e a delícia de ser o que é".
***

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