Sergio Moro é assustador.
Não tem carisma nem impressiona por sua bagagem cultural. É difícil encontrar brilhantismo em suas falas (ainda mais com sua voz lembrando grasnado de marreco) e escritos. E durante quase todo o tempo parece estar fazendo o chamado feijão com arroz, como um funcionário de desempenho satisfatório, mas mediano e rotineiro.
No entanto, trata-se de um juiz de primeira instância que logrou ascensão meteórica, aproveitando, com precisão cirúrgica e muita habilidade em adequar a lei a seus desígnios (amiúde ultrapassando limites legais e logrando permanecer impune), as oportunidades que o petrolão e a Lava-Jato lhe ofereceram.
Simplesmente conseguiu, com uma só tacada em março de 2016, colocar Dilma Rousseff a caminho do impeachment e Lula, da prisão, no decisivo episódio do Bessias: levantando o sigilo de uma escuta telefônica sem ter autoridade para fazê-lo, abortou a nomeação protetora de Lula para a Casa Civil e causou considerável dano à reputação de Dilma, até então majoritariamente considerada como incompetente mas honesta.
Acumulou mais poder do que a maioria dos ministros do Supremo, tornou-se ministro da Justiça sem ter currículo à altura (muito menos para a vaga outrora prometida no STF), mas há muito mira um objetivo maior, a presidência da República.
Então, por mais que se fingisse de morto, a ponto de renomados comentaristas o qualificarem de ministro omisso, jamais poderia ser descartada a possibilidade de ele sair hoje das cordas com um contra-ataque devastador. Ao acordar do nocaute no vestiário, Bolsonaro deve ter perguntado se havia sido atropelado por um trem ou por uma jamanta...
Moro simplesmente jogou no ventilador a tentativa de Bolsonaro de controlar a Polícia Federal para influir no desfecho de investigações em curso que ameaçavam a ele próprio e a seus três filhos, afora sua provável responsabilidade pela publicação no Diário Oficial de uma exoneração dada como aprovada por Sergio Moro, sem que ele tivesse realmente concordado com ela. A primeira acusação é dinamite pura e mais do que suficiente para justificar o impeachment presidencial.
Na verdade, desde aquele domingo (15/03) em que Bolsonaro afrontou as determinações sanitárias do seu próprio governo ao participar de uma manifestação ultradireitista, procedendo como um espalha-vírus alucinado, ele só tem feito cavar a sepultura do mandato que um destino insólito atirou-lhe no colo.
São 40 dias cometendo erro após erro, dia após dia, a ponto de levantar suspeitas cada vez maiores de que lhe faltam condições mentais para o exercício do cargo. Os mais perspicazes já não tinham dúvida de que ele era um cadáver político insepulto, à espera do enterro.
A imperdoável e asnática exoneração do ministro Mandetta foi algo assim como o penúltimo degrau do cadafalso. Faltava só a gota d'água, o episódio que causasse uma sensação generalizada de agora passou da conta, não dá mais!, tanto em termos políticos quanto jurídicos.
E Moro roubou o espetáculo, não só empurrando Bolsonaro para o abismo, como causando a impressão de que foi ele, e mais ninguém, o responsável pela remoção do nosso mais tosco e desequilibrado presidente da República em todos os tempos.
Bolsonaro se tornara uma ameaça ambulante aos brasileiros e é auspicioso que a performance de Moro provavelmente tenha contribuído para abreviar a ansiedade nacional por sua saída.
Mas, fico com a pulga atrás da orelha: até onde irá Moro, perseguindo com espantosa frieza e eficiência desumana suas ambições? Ele acredita mesmo no autoritarismo fascistoide dos lavajatistas ou era apenas o veículo à sua disposição para chegar aonde queria?
Pois, se há alguém capaz de construir um regime utradireitista que funcione no Brasil, não são os bufões como o Bolsonaro, seus filhos e seu guru. mas sim o Moro. Ele sempre me faz lembrar os infalíveis matadores profissionais das ficções populares... (por Celso Lungaretti)
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