dalton rosado
O APRENDIZ DE CAUDILHO
Qualquer neófito em política percebe as reais (e perigosamente ingênuas) pretensões do presidente Boçalnaro, o ignaro: ser um ditador apoiado por forças militares, um Nicolás Maduro em versão ultradireitista.
Mas, falta-lhe competência para tanto:
— seja porque, na tradição brasileira, ele é um despreparado para a condução e liderança necessária a um dirigente militar de alta patente (não passa de um tenente regimentalmente promovido a capitão e eleitoreiramente corporativista militar, que se aproveitou de modo oportunista do cenário de desgaste institucional, cansaço e desespero popular para se catapultar à presidência da República);
— seja porque os militares ainda estão ressabiados com o desgaste que fê-los deixar o poder em 1985;
— seja porque o Brasil, com sua importância cultural, institucional, estratégica territorial e populacional, além de detentor de grandes riquezas materiais (e até abstratas, em menor volume), não se presta mais a aventuras quixotescas.
Definitivamente, não somos uma republiqueta das bananas. Mas, o que podemos esperar de alguém:
Micareta de domingo passado queimou o filme do Boçalnaro |
— que adotou o coronel Brilhante Ustra (o torturador-mor da ditadura) como exemplo de comportamento elogiável, a ponto de fazer disto seu mote eleitoral, diante de uma população com memória histórica curta e sofrimento social acentuado?
— que afirma que a ditadura deveria ter matado 30 mil oponentes do capitalismo?
— que foi punido com sua transferência para a reserva por ter planejado atentados a bomba, inserindo-se, portanto, dentro daquilo que o próprio regime militar considerava como ações terroristas contra civis desavisados?
— que fez sistematicamente apologia dos grupos de milicianos, bandidos paramilitares que praticam a extorsão às populações humildes?
Trata-se, sem dúvida, de um personagem com pendores ditatoriais, que não consegue conviver com os poderes da república (ainda que voltados para interesses do verdadeiro poder, o econômico).
Boçalnaro, com sua postura de aprendiz de caudilho, uma vez investido no poder político da ordem democrática burguesa, meteu os pés pelas mãos, como todos devem estar lembrados:
— demitiu um ministro (popular pelo bom trabalho técnico realizado) na iminência de uma tragédia sanitária sem precedentes, por mero ciúme eleitoral e por querer implantar a qualquer preço uma diretriz genocida;
03 queria fechar o Congresso e se tornar embaixador nos EUA |
— endossou tacitamente, com atos simbólicos, as afirmações do seu filho Eduardo Bolsonaro, de que bastariam um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal e de que o AI-5, de triste memória, seria necessário na conjuntura atual;
— apoia, com idênticos gestos simbólicos, manifestações de grupos de fanáticos claramente propositores da quebra da ordem constitucional burguesa para implantação de uma ordem ainda mais burguesa, sem os mecanismos de filtragem republicanos;
— não tem o menor pejo em praticar o nepotismo governamental, tentando emplacar o mesmo filho zero à esquerda, totalmente despreparado, numa alta função da diplomacia brasileira em plena meca do capitalismo;
— mantém incólume um ministro da Educação impreCionantemente despreparado como Weintraub, que se mete onde não deveria, aludindo a absurdas teses conspiratórias a respeito da China, sem o menor cabimento e prejudicando os interesses econômicos do próprio governo; e
— dá trela para um desmiolado como o astrólogo de tarô Olavo de Carvalho.
Os exemplos são repetidos dia após dia, sempre acompanhados de um posterior não era bem isso que vocês estão interpretando, dentro da sua estratégia de ir testando até onde pode avançar com seus impulsos caudilhescos.
Isso aí é a Constituição?! |
Ele pensa que pode governar e conquistar poder discricionário do mesmo jeito que conseguiu se eleger, sem se dar conta de que o exercício do poder político burguês, submisso à ordem econômica na qual reside o verdadeiro poder, tem regras de comportamentos institucionais que vêm se aperfeiçoando há séculos como forma de sobrevivência política diante da evidente insatisfação (e ignorância) popular.
A sua atitude de governante de republiqueta já está incomodando até políticos de direita, grandes empresários e mesmo os seus pares da caserna, ainda que aquinhoados com verbas para gastos militares num orçamento público anualmente deficitário, de vez que no seu primeiro ano de governo já registrou déficit de cerca de R$ 100 bilhões, diferentemente do que havia prometido o seu ministro da Economia durante a campanha eleitoral (zerar o déficit já em 2019).
Cada vez mais isolado por se sentir incomodado como a divisão republicana de poder político e institucional (legislativo e judiciário) ele incita um contingente de fanáticos apoiadores a uma aventura perigosa da quebra da ordem constitucional burguesa, extrapolando os limites dessa mesma ordem que lhe permitiu ascender ao comando do Poder Executivo.
E acaba de cometer ato falho ao dizer eu sou a constituição, fazendo lembrar Luís 14, o monarca absolutista francês que afirmou l’État c’est moi.
Mesmo que a Constituição vigente preserve a ordem burguesa a que ele serve, os seus instrumentos de filtragem e divisão de poder não lhe servem, pois ele gostaria mesmo era de estar acima doa própria Carta Magna, numa megalomaníaca aspiração ao poder total.
Boçalnaro não compreende, ou não quer compreender, que o poder político na ordem burguesa é um poder consentido pelo poder econômico até o ponto em que seu exercício lhe seja conveniente.
Quando o comportamento dos representantes políticos da ordem econômica colocam perigosamente em desprestígio popular essa mesma ordem política (ainda que lhe sejam submissos), como aconteceu com Dilma Rousseff, eles são facilmente defenestrados do poder.
"já está na ordem o dia o seu impeachment" |
Com sua postura de aprendiz de caudilho conjugada com uma crise econômico-sanitária sem precedentes, Boçalnaro está se isolando de tal forma e tão aceleradamente que já está na ordem do dia o seu impeachment, até porque isso, para o poder burguês, representaria uma cômoda ascensão ao mesmo poder de um general, como manda a tradição militar nesta sofrida América do sul.
Tanto assim que o procurador-chefe da República, Augusto Aras, mesmo que não dando nome aos bois, encaminhou pedido de abertura de inquérito para apuração de possíveis crimes previstos na legislação por conta dos atos dos quais participou o presidente da República e alguns deputados no último domingo, 19.
Tal pedido já foi, inclusive, acatado pelo relator da matéria no STF, ministro Alexandre de Morais, deixando com as barbas de molho os responsáveis pelas manifestações golpistas.
Não nos esqueçamos de que Boçalnaro é mais audacioso do que seus similares populistas eleitorais Jânio Quadros e Collor de Melo, ainda que tropece no português de vez em quando. (por Dalton Rosado)
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