segunda-feira, 20 de abril de 2020

ESTAMOS NA PIOR CRISE DO MILÊNIO, COM O PIOR PRESIDENTE DA NOSSA HISTÓRIA. O QUE SE FAZER NUM QUADRO DESTES?

celso rocha de barros
BOLSONARO, COMORBIDADE BRASILEIRA
Nas últimas semanas defendi a estratégia de isolarmos Bolsonaro até o final da crise.

O presidente da República sabotava abertamente o esforço dos governadores contra a epidemia. Não havia tempo para impeachment. Um Bolsonaro que ao menos não atrapalhasse parecia ser o melhor cenário possível. 

Um dia nos perguntaremos como foi que isso virou o melhor cenário possível e quem bloqueou os outros cenários.

Quando, 15 dias atrás, Bolsonaro foi impedido de demitir o então ministro da Saúde Henrique Mandetta, pareceu que a estratégia daria certo. E talvez ela tenha nos garantido semanas importantes, em que o combate dos governadores pode ter feito diferença.

Mas parou de dar certo, ou está dando bem menos certo. Nem tanto pela substituição do ministro —ainda não estão claras as posições de Nelson Teich— mas pelo desastre que é ter Bolsonaro e seu ódio à ciência de volta à conversa numa hora dessas.

Mandetta foi demitido porque os militares no governo o abandonaram. Os generais haviam sido decisivos para que não fosse demitido 15 dias antes. Diz-se que a mudança de posição dos militares se deu pela entrevista do agora ex-ministro ao Fantástico, que teria caracterizado quebra de hierarquia.

O argumento é ridículo. A hierarquia foi quebrada porque o topo da hierarquia enlouqueceu.

Em tempos normais, a entrevista de Mandetta talvez justificasse a demissão. Mas não são tempos normais.

Estamos na pior crise do milênio, e o presidente do Brasil é internacionalmente reconhecido como o pior gestor da crise entre os líderes dos grandes países.

Nós só não somos piada mundo afora porque ninguém acha que o que vai acontecer no Brasil será engraçado.

Se há tempo para nos preocuparmos com a honra ferida de Jair Bolsonaro, certamente deveria haver tempo para discutirmos seus inúmeros e bem documentados crimes de responsabilidade.
Se a oposição aceita não propor impeachment durante a crise, é intolerável que o governo aceite perder tempo com presidente sabotando ministro.

Bolsonaro, como sempre, interpretou a concessão como sinal de fraqueza do adversário e redobrou o ataque.

Poderia ter reagido à queda de Mandetta com sobriedade e aproveitado a vitória. Em vez disso, imediatamente lançou uma nova onda de acusações contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, criando um cenário de pesadelo de crise institucional durante a pandemia.

É o pior presidente do mundo. É o pior presidente da história. E não conseguimos contê-lo em tempo de salvar as vidas dos brasileiros.

Mesmo se o novo ministro for competente, vai levar tempo para tomar pé da situação. Mesmo se uma nova acomodação com Congresso e Supremo Tribunal Federal for negociada, não vai ser em dois dias. E essas semanas que perderemos são exatamente as que, no início do processo, prevíamos que seriam as piores.
O que é possível fazer nesse quadro?

A pandemia sempre seria difícil para um país pobre como o Brasil, mas muitas forças se mostraram dispostas a combatê-la: governadores, parlamentares, ministros do Supremo Tribunal Federal, imprensa profissional, associações comunitárias, universidades e centros de pesquisa.

Nosso sistema imunológico institucional tinha chances razoáveis, e ainda está na briga. Mas enquanto enfrentarmos a comorbidade do bolsonarismo, o otimismo é difícil. (por Celso Rocha de Barros)
.
Toque do editor — Se for para falarmos em desperdício de tempo, quero lembrar que já lá se vão três semanas desde que o grande Ricardo Kotscho apontou a única solução possível para a contumaz sabotagem presidencial ao combate à pandemia em bases científicas (a gravidade do momento é tamanha que só podemos pensar numa solução emergencial, não numa rotineira), com a qual imediatamente me alinhei. Foi no seu artigo Interdição já! O capitão insano não pode desafiar o país (clique aqui para acessar). 

Mas, tanto a esquerda brasileira fetichizou a democracia burguesa, ao invés de manter-se fiel a Marx caracterizando-a como mero biombo para camuflar a dominação de classe, que agora centenas de milhares de vidas de brasileiros poderão ser ceifadas a mais (além dos óbitos que seriam inevitáveis) apenas e tão somente porque ninguém ousa desafiar o fetiche.

Isto malgrado termos um exemplo bem recente (o de 2016) comprovando que, quando o poder econômico considera necessário, passa como um trator sobre as filigranas da democracia burguesa. 

Vou encerrar parafraseando um antigo provérbio lusitano: quem é pusilânime, peça a Deus que o mate e ao diabo que o carregue! 
(por Celso Lungaretti

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