terça-feira, 17 de março de 2020

A APROPRIAÇÃO DA RIQUEZA MATERIAL PELOS BILHÕES DE NECESSITADOS PODERÁ SER UMA CONSEQUÊNCIA DA PANDEMIA

dalton rosado
O VALOR DIANTE DA PARALISIA ECONÔMICO-VIRÓTICA
"Estamos vivendo aquele momento mais difícil, em que as medidas duras foram tomadas e a gente ainda não
tem nenhum benefício delas" (Roberto Setúbal, 
presidente do Banco Itaú, em setembro/2015)
O valor econômico, como medida abstrata que se torna real a partir da transformação que promove do objeto em mercadoria, necessita de uma progressão de volume constante que o torne acreditado e que torne socialmente funcional a sua dinâmica segregacionista. 

Quando as atividades econômicas nas quais se opera tal progressão de volume deixam, momentanea ou constantemente de existir, evidencia-se o esvaziamento da valor como substância cuja validade é artificial, pois abstratamente atribuída às mercadorias; e quando isto ocorre, ele deixa de ser respeitado, restando apenas o valor material dos objetos (sem mensuração economicamente válida) como instrumento de satisfação das necessidades vitais de consumo.  

O fenômeno da pandemia do Covid-19 ocorre justamente no momento em que vinha sendo anunciada pelos organismos econômico-financeiros mundiais a desaceleração da economia mundial. 

Assim, juntou-se uma crise econômica sistêmica a uma crise sanitária que acentua em muito a primeira. 

O mundo está paralisando as suas atividades de consumo, ainda que se observe uma estocagem pontual de mercadorias que acelera excepcionalmente as vendas de alguns produtos. Entretanto, a redução do consumo geral é maior do que a aceleração de consumo localizada (de alimentos, produtos médicos profiláticos, etc.). 

As medidas tomadas pelos governos no sentido de injetar recursos nas empresas afetadas pela crise ou criar estímulos ao consumo a partir de dinheiro fabricado artificialmente pelas casas da moedas nacionais não têm consistência duradoura. 

Sabe-se que os Estados nacionais e demais instituições estatais (prefeituras municipais e Estados membros das Federações) de há muito vivem em situação falimentar e sobrevivem a partir de um déficit público impagável. 

A dívida pública é sustentada a partir de juros baixíssimos cobrados aos países dominantes, os mais devedores, que são justamente aqueles que têm maior representatividade de produção de mercadorias e números do Produto Interno Bruto. 

O fato de que os juros são cada vez mais baixos para os países economicamente dominantes, apesar de caros para os países da periferia capitalista (cujas dívidas em números absolutos são bem inferiores àqueles), apenas demonstra que o dinheiro está desempregado. 

Aplicam-se recursos no mercado financeiro de renda fixa que os empresta aos Estados sem que haja remuneração capaz de aumentar substancialmente os valores aplicados. A queda dos juros significa que já não há remuneração para o capital fictício.

O sistema financeiro financia a dívida pública com cobrança dos seus serviços que geram lucros extraordinários, o chamado spread bancário, mas pouco aplica no financiamento da produção de mercadorias e atividades econômicas de serviço, justamente porque tais atividades embutem, nos dias de hoje, grandes possibilidades de prejuízos no financiamento. 

O abalo do sistema de crédito ocorrido em 2008/2009 com a crise do subprime dos Estados Unidos pôde ser contido com a emissão de moeda sem lastro e títulos da dívida pública, de modo a que fossem saneados os rombos de déficit decorrentes da inadimplência das hipotecas imobiliárias.
Uma crise com a dimensão da que ora se afigura (a qual, como dissemos neste artigo, caracteriza-se como uma tempestade completa, dada a conjunção de fatores de mercado e sanitários), deverá ser catastrófica para toda a lógica do valor, caso venha a persistir, como se presume e vem sendo anunciado.

Mas, paradoxalmente, ela dramatiza a necessidade de instrumentalização de mecanismos de superação, tanto na questão do suprimento das demandas sociais como no enfrentamento da crise sanitária em si. 

Como a mediação social pela forma-valor deverá demonstrar a sua ineficácia no suprimento das necessidades de consumo em face da paralisia comercial mundo afora (a qual restringirá ainda mais o poder de compra da população, cuja capacidade já vinha definhando em razão do desemprego estrutural e da queda relativa dos valores dos salários dos trabalhadores), entrará na ordem do dia a apropriação da riqueza material pelos necessitados, que totalizarão bilhões de seres humanos. 

Compreendendo e temendo tal situação, o presidente destrumpelhado já se apressou em informar que parte das maiores empresas estadunidenses, donas de grande parte da riqueza abstrata mundial, já se ofereceu para doar bilhões de dólares como forma de suprimento dessa queda do poder de compra, que se não for superada (e não tem como o ser, no longo prazo) deverá provocar uma quebra de toda a economia mundial. 

O Brasil, como país detentor de riqueza material abundante (é uma das cinco nações com maior capacidade de suprimento interno das suas necessidades), poderá dar um exemplo de superação dos seus problemas seculares, agora agudizados, a partir da apropriação dos recursos humanos e materiais necessários a essa mobilização.
Pibinho + coronavírus = Guedes na marca do pênalti.

Déficit habitacional, p. ex., que no Brasil é catastrófico, pode utilizar materiais e mão-de-obra de grandes contingentes humanos, resolvendo problemas habitacionais e de ociosidade causada pelo desemprego de cerca de 12 milhões de trabalhadores aptos.

Um desgoverno como o nosso, cujo mantra é a necessidade de redução do déficit público estatal para que possa haver retomada do desenvolvimento econômico, está na contramão da história e não terá a sensibilidade necessária para fazer a virada de conceitos que se impõe. 

Da mesma forma a nossa elite política, eleita pelo poder econômico em sua maioria, jamais convergirá para uma tomada de posição no sentido da apropriação das riquezas materiais para superarmos os nossos problemas de consumo.

É patético como nossos Executivo e Legislativo disputam poder, acusando-se mutuamente de quererem gerir a vida brasileira a seu modo, quando sabemos de suas identidades de base, qual seja a perpetuação dessa deplorável ordem sistêmica econômica que tanto nos martiriza. 

Ambos falam em recuperação econômica a partir de seus conceitos próprios; nós falamos em superação dessa mesma ordem econômica em benefício dos cidadãos. 

Ambos divergem na superfície e convergem na base econômica; nós discordamos deles em ambos os sentidos.

Enquanto isto vemos proliferar nas redes sociais o embate ideológico infrutífero: 
— de um lado, os apoiadores e membros do Poder Executivo, o qual quer mobilizar uma população sofrida na direção de pressupostos equivocados, para, de modo inconfessado ou explícito, implantar uma ditadura despótica que violaria os direitos civis mínimos conquistados a duras penas ao longo da nossa História; e, 
— do outro lado, uma oposição pluripartidária institucional que somente quer reforçar a democracia burguesa e suas instituições, como se ela fosse a única alternativa ao pandemônio bolsonarista (nesta canoa embarcam bem intencionados defensores dos direitos civis).

Ambos os projetos políticos que polarizam as disputas ideológicas de hoje estão equivocados na sua essência justamente porque querem, cada um ao seu modo, apenas viabilizar uma relação social que já não se sustenta por seus próprios fundamentos. 

Como diz o popular Zé Ninguém: precisamos mesmo é procurar uma nova lavagem de roupa. (por Dalton Rosado)

2 comentários:

Henrique Nascimento disse...

De fato, a malária, uma edemia que, há décadas, vem dizimando um contingente expressivo de pessoas anualmente aqui nos grotões da Amazônia e da África, nunca mereceu atenção devido a sua ínfima influência no PIB mundial. Espero que essa pandemia seja o início de uma mudança de postura, pelo menos para queles que ainda têm dúvidas, quanto aos efeitos deletérios dessa nossa forma de relação.

Anônimo disse...

***
Grande Dalton!

Parece que chegou o momento da verdade.

Os caras que defendem etiquetas de preços tentando explicar (em vão) porque a coisa não está funcionando.

Os caras "bonzinhos" que querem o controle de preços sendo bombardeados pelos que acham que os preços devem variar livremente.
Os dois mal escondendo a perversidade patológica dos dois conceitos.

E ambos fechando os olhos para o verdadeiro problema: a mediação social por dinheiro (e outras expressões complicadas), cuja inviabilidade você vem demonstrando a tanto tempo.

Mas, o que observo é que o egoísmo e nem o sadismo implícito neste tipo de relação social estão mortos.

Bem vivos, aliás, procuram tampar o sol com a peneira de todas as maneiras possíveis.

Se pudessem, começariam uma guerra mundial.

E ainda tem quem questione o vazamento dos segredos da bomba e duvida da teoria dos jogos.

O fato, é que os tubarões serão cooperativos e vão ter que dar dinheiro para as pessoas consumirem.
O que será o primeiro passo no sentido de uma sociedade sem preços.

Os caras criarão algum tipo de sistema que conserve o mérito, premie a eficiência e destaque o bom exemplo sem, contudo, permitir a especulação e acumulação.
Que venha o protocolo blockchain.
*

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