sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

EDUARDO BOLSONARO APOIOU-SE NOS OMBROS DE UM PULHA PARA ATINGIR REPÓRTER, DIZ DEMÉTRIO MAGNOLI

Elementar, meu caro Watson: o titereiro que manejava este títere...
demétrio magnoli
REPÓRTER COMETEU O PECADO CAPITAL DE
 EXPOR FÁBRICA DA GUERRA DA INFORMAÇÃO
O governo Bolsonaro odeia o jornalismo profissional. No caso da jornalista Patrícia Campos Mello, porém, o caso é visceral. Na campanha de 2018, Bolsonaro declarou uma guerra à imprensa, dando a senha para uma enxurrada de calúnias e ameaças à repórter que investigava a máquina eleitoral de difusão de fake news.

Agora, na CPMI das Fake News, Eduardo Bolsonaro apoiou-se nos ombros de um pulha para, num exercício de covardia, atingir sua integridade pessoal (*). 

Não é casual: Patrícia cometeu o pecado capital de invadir uma redoma proibida, expondo os contornos da fábrica da guerra da informação. Nesse passo, mostrou o caminho que a imprensa precisa seguir, se pretende sobreviver.
...só pode ser a pessoa que imediatamente saiu em seu apoio.
Fake news são o complexo de notícias falsas, operações de difamação e campanhas de promoção do ódio que ganhou dimensões inéditas com a universalização da internet. O fenômeno novo é a sofisticação do arsenal empregado na guerra virtual da informação.

No início, mais de uma década atrás, tudo se resumia a blogueiros de aluguel recrutados por partidos políticos para o trabalho sujo na rede. A imprensa, ainda soberana, decidiu ignorar o ruído periférico. Hoje, o panorama inverteu-se: a verdade factual sucumbe, soterrada pela difusão globalizada de fake news.

Os jornais converteram-se em anões na terra dos gigantes da internet. Nos EUA, entre 2007 e 2016, a renda publicitária obtida pelos jornais tombou de US$ 45,4 bilhões para US$ 18,3 bilhões. Em 2016, o Google abocanhava cerca de quatro vezes mais em publicidade que toda a imprensa impressa americana —e isso sem produzir uma única linha de conteúdo jornalístico original.

O novo sistema, baseado na elevada rentabilidade da fraude, descortinou o caminho para a abolição da verdade factual na esfera do debate público.

A fabricação de fake news tornou-se parte crucial das estratégias de Estados, governos, organizações terroristas e supremacistas. A China, que prioriza o público interno, e a Rússia, que se dirige principalmente à opinião pública europeia e americana, são atores centrais nesse palco.

Foi a campanha presidencial mais sórdida da nossa História
Graças ao Facebook, as forças armadas de Mianmar deflagraram uma eficiente campanha de limpeza étnica contra a minoria rohingya e o governo nacionalista indiano consegue inflamar a xenofobia contra os muçulmanos de Assam.

Perde-se no passado o esforço amador do PT para criar um Pensador Coletivo por meio de núcleos de militantes treinados no que o responsável pelo setor classificou como guerra de guerrilha da internet.

Atualmente, no mundo todo, governos e partidos populistas, na direita e na esquerda, empregam aparatos especializados na difusão massiva de fake news. 

O governo Bolsonaro estabeleceu, com verba pública, dentro do Planalto, um gabinete do ódio destinado a coordenar sua guerra da informação

No fim, o que está em jogo é o funcionamento da democracia, como explica o jornalista Eugênio Bucci no livro Existe Democracia sem Verdade Factual?.

A imprensa também está em perigo, junto com a democracia. Se, no plano dos fatos, verdade e falsidade tornam-se narrativas indistinguíveis, o jornalismo profissional perde seu objeto. Daí, emerge uma nova missão jornalística: pautar as fake news, como se pautam políticas públicas, eleições, debates parlamentares, guerras reais, inundações.

A checagem ritual de notícias falsas, iniciativa útil, é totalmente insuficiente. No campo analítico, trata-se de iluminar os sentidos políticos das campanhas de fake news, evidenciando suas estruturas de linguagem, seus alvos imediatos e suas metas estratégicas. 

Ser atacada pelos Hans e Eduardos é  um atestado de integridade
No campo investigativo, é preciso descerrar o véu que cobre as engrenagens de fabricação das fake news, expondo os atores políticos e empresariais envolvidos na guerra contra a verdade. 

Patrícia engajou-se nisso —e, por isto, virou alvo. (por Demétrio Magnoli)

* Ao depor como testemunha na CPI das Fake News, Hans River do Nascimento, funcionário de uma empresa que efetuou disparos em massa de WhatsApp durante as eleições, voltou atrás das afirmações que fizera em 2018 à repórter e ainda a acusou de ter-lhe oferecido "sexo em troca de informações". Recebeu de imediato o apoio de Eduardo Bolsonaro nas redes sociais. 

Mas Patrícia, repórter experiente, conservara registros e teve como provar cabalmente que havia várias mentiras na retratação de Hans. A relatora da CPI, deputada Lídice da Mata, encaminhou representação ao Ministério Público Federal contra o caluniador. O presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia, ressaltou que "dar falso testemunho numa Comissão do Congresso é crime". (o editor)

Um comentário:

Anônimo disse...

***
O caso é exemplar de uma boa conduta profissional.
Mas, a razão pela qual a grande imprensa esperneia não é pela verdade e sim por ter perdido o monopólio da fake news.
É a lei do retorno. Quem com ferro fere com ferro será ferido.
*

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