sábado, 11 de janeiro de 2020

É A HORA DA VERDADE PARA A ESQUERDA: PORQUE FOMOS REDUZIDOS A UMA TERRA ARRASADA, TEMOS DE RECONSTRUIR TUDO!

Por Celso Lungaretti
Já no final do século passado eu me convenci da impossibilidade de conseguirmos despertar a consciência de contingentes mais expressivos da população para a necessidade e urgência da superação do capitalismo, não só como requisito indispensável para a felicidade e realização plena dos seres humanos, como também para a própria sobrevivência da humanidade.

Isto porque, como alertara Marcuse, a lavagem cerebral ininterrupta e cada vez mais eficaz da indústria cultural e a obsessão consumista manteriam a falsa consciência do rebanho, evitando que, por decisão consciente, resolvesse tomar seu destino nas mãos para, aproveitando racionalmente os avanços científicos e tecnológicos de nosso tempo, forjar uma sociedade igualitária e livre. 

Sem poderem encontrar a saída do inferno atual, as pessoas comuns tendiam a continuar indefinidamente patinando sem sair do lugar, confiando em populistas de esquerda na linha dos pais dos pobres e em populistas de direita na linha dos salvadores da pátria.

Ambos coincidem em serem desprovidos de soluções reais e em estarem conscientes de que, se e quando as ditas cujas surgirem, eles próprios se evidenciarão obsoletos e vão ser descartados, daí tudo fazerem para manter a polarização retrô atual, aliados que são na empreitada de abortar o futuro.

Mas, refleti, continuava existindo a possibilidade de, em momentos de aguda desestruturação da sociedade (como os que propiciaram as revoluções soviética, chinesa e cubana), agrupamentos menores mas conscientes de onde querem chegar e da melhor forma de atingirem seus objetivos, conseguirem direcionar os acontecimentos para a ruptura necessária.
"aliados na empreitada de abortar o futuro"

Foi quando comecei a apostar minhas fichas numa repetição ampliada dos movimentos que pipocaram por diversos países em 1968. E, efetivamente, o que mais tem abalado o stablishment, neste século 21, são tais explosões de anseios de vida represados por uma sociedade cada vez mais tendente à morte. 

Diferentemente da claque do capitalismo, eu tenho perfeita noção de que a crise derradeira do regime da exploração do homem pelo homem vem sendo postergada há décadas por meio de gambiarras, mas não poderá ser evitada para sempre; e de que, quanto mais ela demorar, mais devastadora será. 

A grande depressão da década de 1930 parecerá brincadeira de criança perto da que está para ocorrer.

E jamais serei tão ingênuo a ponto de acreditar que o sistema seja capaz de, antes do início das grandes catástrofes que já se anteveem no horizonte, reverter a tendência de aumento incessante do aquecimento global. Afinal, até agora nem sequer conseguiu impor o fim do transporte individual movido a combustível fóssil. 

Gostaria de estar trazendo esperanças aos meus leitores, mas de que me adiantaria redigir verdadeiros tratados se hoje a grande maioria dos brasileiros enterra a cabeça na areia como as avestruzes e quer porque quer acreditar que:
— o capitalismo possa ser humanizado por meio do voto e, consequentemente, ainda valeria a pena participarmos de eleições de cartas marcadas
— as reformas liberais do mercador de ilusões Paulo Guedes sejam remédios eficazes e não apenas paliativos de efeitos homeopáticos e curta duração, pois a crise ininterrupta do capitalismo desde 2008 sinaliza o seu esgotamento definitivo e o imperativo de sua superação;
"paliativos de efeitos homeopáticos e de curta duração"
— a imposição de um autoritarismo tosco e o fim da corrupção política trariam benefícios remotamente comparáveis aos prejuízos sociais que acarretam ao propiciarem a escalada desembestada da ignorância e da truculência; 
— o eu por mim e o diabo por todos dos identitários seja algo além de uma dispersão das forças que deveriam estar todas unidas na luta contra o inimigo comum, caso contrário nenhuma conquista que uma delas obtenha sozinha estará garantida;
— Deus esteja presente nos suntuosos templos em que espertalhões oficiam o culto ao bezerro de ouro, etc.

Tudo isso posto, voltemos à pergunta crucial do Lênin: o que a esquerda deve fazer?

Não há caminho fácil à vista. Estamos extremamente inferiorizados, então nossa prioridade óbvia é a acumulação de forças. 

Já que descemos ao fundo do poço, trata-se do momento ideal para nos guiarmos por Carlos Dittborn que, quando um terremoto destruiu a infra-estrutura com que o Chile contava para sediar o Mundial da Fifa de 1962, afirmou: "Porque nada tenemos, lo haremos todo". Então, como a esquerda se tornou uma terra arrasada, é hora de reconstruí-la toda.

De voltarmos a nos organizar para as lutas sociais e para a resistência ao neofascismo por todo o território brasileiro, não para a disputa de eleições inócuas a cada dois anos (até porque os donos do PIB viram a mesa como e quando querem, conforme aprendemos em 2016) e coçar o saco no intervalo entre uma campanha eleitoral e outra.
Rumando para inevitáveis explosões sociais
De passarmos a encarar as instituições e Poderes da democracia burguesa tão somente como ferramentas táticas, e não como prioridades estratégicas. Enquanto for possível, devemos utilizar as contradições no seio da classe dominante para evitar o pior (chacinas, volta da censura, devastação ambiental, etc.), mas sem nenhuma ilusão de que a teremos ao nosso lado nos momentos de agravamento das crises econômica e política.

E, acima de tudo, de irmos forjando uma nova vanguarda, que possa fornecer um norte aos brasileiros nos difíceis tempos que o país atravessará quando as bombas-relógio já acionadas acarretarem as inevitáveis explosões sociais.

A estupefação e a pasmaceira vêm desde 2016; ou recuperamos a combatividade perdida ou marcharemos para a insignificância. O tempo urge!

4 comentários:

Anônimo disse...

***
Celso,
Sinto sinceridade no seu texto, se bem que você sempre faz este tipo de apelo.
Como a esquerda perdeu a identidade, sua convocação propõe um tipo de identitarismo, no qual o seu grupo (esquerda) deva se fechar e impor o seu viés, isolando-se em detrimento de lógicas comunitárias alargadas e abrangentes.
Afinal, vocês já tiveram uma identidade definida, ou não?
E não foi o PT justamente a resultante das correntes identitárias da esquerda?
Se ele tornou-se hegemônico e virou seita é porque, de fato, a esquerda nunca teve um discurso, mas uma narrativa que não admite outra.
E narrativas, você bem sabe, são feiquinius.
O que salta aos olhos é que as pessoas precisam encontrar soluções fora do sistema: ou porque ele não permite que se viva livremente ou porque foram dele excluídas sumariamente (pelo desemprego estrutural, por exemplo).
Então, alimentar-se, cuidar dos filhos e das famílias dentro de valores humanos sobrepõe-se a algo enviesado e doutrinário.
Nenhuma lógica doxástica poderá se impor sob pena de corromper-se novamente.
Não há o que recriar.
A novidade já está acontecendo, mas não na forma que a (hoje) múmia de Moscou poderia sequer imaginar.
*

celsolungaretti disse...

"Lógicas comunitárias alargadas e abrangentes" não impedirão a avassaladora crise econômica do capitalismo que se aproxima, nem as catástrofes decorrentes das alterações climáticas.

Você está tão acostumada a uma vidinha rotineira (embora cada dia pior) que não se dá conta de quão próximo o castelo de cartas está de desabar. A crise do subprime e o acidente nuclear de Fukushima — consequência de um tsunami, e eles ocorrerão em número cada vez maior à medida que o aquecimento global aumente — foram trailers do que está por vir.

Quanto ao PT, o seu problema não foi identitarismo nenhum, mas sim reformismo e populismo. Desistiu de combater o capitalismo e adequou-se a ele justamente no momento em que está nos estertores e se torna mais nocivo e destrutivo para a espécie humana.

Já a organização fora do sistema, vivenciei-a nas comunidades alternativas dos anos 70. Mas, o sistema não se contenta em subjugar os que lhe são fiéis, hostiliza os infiéis. E agora a coisa está pior ainda, com a horda de zumbis sendo açulada contra os "diferentes".

Finalmente: se vc quer criticar alguém, pelo menos saiba de quem está falando. Nunca fui ligado na obra do Lênin, embora a conheça razoavelmente (minha geração ia fundo na busca do conhecimento).

Aqueles com quem tenho real afinidade são o Trotsky, Isaac Deutscher, Herbert Marcuse e Norman O. Brown, quatro que têm em comum o posicionamento contra o autoritarismo. Comparar-me ao Lênin e ao PT foram piadas de mau gosto.

Anônimo disse...

***
Desculpe Celso se minha péssima escrita lhe pareceu uma crítica sem fundamento ou a um desconhecimento total do seu valor pessoal.

Seu texto, além de muito bem escrito, reflete o esforço em despertar consciências no sentido de se aperceberem do perigo que as ronda.
Sei que você está fazendo o seu melhor e o respeito por isso.

Não somos tão diferentes, porém minha limitação em expressar-me, seja por meio que meio for, não é de hoje. Sou aspenger ou, no mínimo, dislexo. Faço um grande esforço para tentar um texto fluente e coerente como você faz, mas o resultado, o mais das vezes, é pífio.

Então, se me permite, esclarecerei algumas das minhas palavras.

A "lógica comunitária alargada e abrangente" não se refere a nada diferente, alternativo, mas sim coisas como: cuidar dos sobrinhos, fazer encontros de família, escutar calmamente, ter tempo, mesmo que a custa de ganhar dinheiro, para ficar com os filhos, ir visitar parentes, fazer refeições em comum, uma vida familiar, sabe? Pois, bem examinado, o dilema maior atualmente é ter uma vida mais serena e cooperativa. Alguém tem começar a chutar o ego e rir dos modelos de sucesso que nos são propostos.

Ser feliz, apesar dos pesares, é extremamente revolucionário.

Também faz parte desta lógica (alargada e...) o ser interior que somos e que, no momento, está tão pouco valorizado.

Sentir gratidão por existir e estar num momento bom, sem o peso de um passado dolorido, o qual já conseguimos deixar para trás.

No meu caso, estar com meus parentes e filhos, sobrinhos, no cinema.
Ou quando, deitado no tatame, na postura shavasana, sereno, sinto-me reverente e grato a esse mistério que está me permitindo essa serenidade.
Ou, quando termino de comer um marmitex e lembro de quanto trabalho e dedicação foram necessários para que eu me alimentasse.
Se foi por dinheiro que me alimentaram, tudo bem, é o melhor que eles podem fazer.

Se você estiver atento ao todo, ao beber um copo de água, verá que estamos muito melhores agora do que nunca estivemos.

Quando usei a palavra doxástico não estava me dirigindo ao esforço de melhora da comunidade como um todo, mas à aristocracia incipiente nela existente, que, inexoravelmente, degenerará.

Portanto, é baldo o esforço de forjar futuros líderes que atuarão dentro de um sistema de crenças (uma narrativa da realidade que parece discurso).
Parece mais sensato fazer com que a capacidade inata de todos em bem viver seja fortalecida, criando em cada um a ojeriza, a idiossincrasia, de terem suas vidas monitoradas, controladas, taxadas e subjugadas por qualquer aristocracia e seus bajuladores burocratas.

O problema do PT nunca foram os petista, mas os dirigentes (aristocracia) que, com sua inteligência superior e maligna, o desvirtuaram.

Agora, tenha dó, se alguém é tão inferior que pode ser açulado como uma animal contra o seu semelhante merece mesmo que dezenas de Fukushimas explodam na sua cara.

Quem sabe a dor ensine o que o amor não conseguiu.

Mesmo assim devemos tentar cumprir o primeiro artigo da Declaração Universal de Direitos humanos e tratá-los em espírito de fraternidade.

Com as necessárias salvaguardas e cautelas que temos que ter ao lidarmos com animais perigosos.

Perigosíssimos, por sinal, eles podem mesmo destruir a vida na terra.

Mas enquanto não destroem, continuemos dando exemplo de como viver uma "vidinha" boa, meio no improviso, sem garantias de sucesso, porém, sem subalternidade a conjuntos de crenças de elites que, se não foram ainda, serão corrompidas pelo poder que lhe damos ingenuamente ao corroborarmos a sua lógica.

Cada um a sua maneira, estamos juntos nesta "luta" por uma vida digna de ser vivida.
***

celsolungaretti disse...

Meu caro,

a escrita contundente é um (às vezes mau) hábito de jornalistas. Não fiquei ofendido, apenas evidenciei que você propõe algo irrealista para os dias de hoje, com as contradições prestes a explodirem todas nas nossas caras.

O que eu defendo é a preparação de líderes que conduzam a humanidade nos tempos terríveis que temos pela frente, no sentido de minimizarem as perdas que inevitavelmente sofreremos e tentarem salvar algo para um recomeço.

Quisera ver quaisquer indícios de que as bombas relógios da depressão econômica e das catástrofes ambientais estivessem sendo desarmadas. Mas, não é o que ocorre.

A minha esperança é que, ao se encontrar diante do abismo, a humanidade opte por sobreviver, como fez em outros momentos da História. Não percebo nenhuma outra.

Abs!

Related Posts with Thumbnails