(continuação deste post)
A luta de classes sociais se restringiu a uma competição de poder político dentro da imanência capitalista, ou seja, dentro do universo da produção de mercadorias, na qual cada contendor buscava sua hegemonia política sem questionar a natureza e a existência (ambos aspectos negativos da vida social) do objeto de base dessa disputa: a forma-valor.
Capital e trabalho são espécies do gênero valor. Não existe capital sem acumulação de valor, e não existe valor sem trabalho abstrato.
Conservar o trabalho abstrato é, portanto, conservar a célula constitutiva primária do capital: o valor. Então, embora isto nos cause alguma estranheza, temos de considerar a foice e o martelo, que sempre significaram a apologia, afirmação e positivação do trabalho abstrato produtor de valor, não são bandeiras anticapitalistas.
O consenso sobre a existência de um pretenso antagonismo inconciliável entre capital e trabalho levou-nos à concepção equivocada de que a simples eliminação da figura patronal, substituída pela figura estatal, eliminaria os males da acumulação concentrada da riqueza abstrata e propiciaria a sua justa distribuição. Um equívoco histórico.
Quando analisamos as pretensões entre o capital e o trabalho vamos verificar que ambos convergem para um mesmo interesse: a obtenção de mais dinheiro e, obviamente, a sua perpetuação, ainda que tal processo seja absolutamente contraditório.
O patrão capitalista quer eliminar custos de produção com capital variável (trabalho abstrato) para ganhar mais dinheiro; e o trabalhador (muitas vezes representado pelo sindicato) quer melhor salário, que significa mais dinheiro. A guerra de ambos é pelo dinheiro.
Nenhum dos dois polos nega o dinheiro, e é aí que eles se irmanam num mesmo interesse que positiva a forma-valor. O pretenso antagonismo se limita à forma de obtenção do valor, mas não se corporifica no conteúdo. Que as hostes esquerdistas predominantemente passassem batidas por esta identificação indesejada apenas comprova seu desconhecimento da dinâmica autotélica da produção da mercadorias definida por Marx em 1858.
A ontologização e a positivação da forma-valor por parte dos pretensos críticos do capitalismo que integram os movimentos de esquerda, como no caso dos partidos políticos de oposição e sindicatos, levou as lutas sociais para o campo meramente reivindicatório de direitos, o qual, ao invés de negar a ordem capitalista e seus instrumentos de regulamentação e controle, ratifica-os como se fosse possível tornar tal ordem benéfica psra todos reformando-a, mas sem alterar o seu conteúdo.
A questão que está colocada não é melhorarmos as condições de trabalho, mas superarmos o próprio trabalho, fonte primária e primeira da constituição do capital.
A verdade é que os marxistas, mesmo os bem intencionados, jamais compreenderam a crítica da economia de Karl Marx, a sua tese mais genial e verdadeiramente científica. Os marxistas oportunistas estatizantes sequer merecem menção nos umbrais e panteões da visão marxiana de mundo. Marx jamais seria stalinista, nem Stalin seria marxista esotérico.
Ainda que as ilações políticas de Marx não hajam tido a mesma profundidade e consistência do seu legado científico sobre a essência da forma-valor e seus acessórios constitutivos, devemos considerar que ele foi um pensador genial que nos deixou um imenso legado científico a ser desenvolvido, e que sobre os seus ombros deveremos fundamentar as nossas ações para a superação do capitalismo.
Nos tenebrosos dias atuais, de absurda aceitação de postulados anticivilizatórios por muitos, e da pasmaceira conformista de outros, há, felizmente, alguns sintomas de rebeldia lúcida. Um deles que mais me chamou a atenção satisfatoriamente foi a grandiosa manifestação popular que teve lugar na Avenida Paulista quatro semanas atrás, contestando a devastação explicitamente autorizada pelo governo do Boçalnaro, o ignaro.
Ali preponderou a presença espontânea da juventude indignada com a predação ecológica econômico-estatal e a ausência de bandeiras das centrais sindicais e partidos políticos, que continuam mudos diante da conjuntura de depressão econômica perante a qual não têm soluções transcendentes, e por se perderem na inconsistência e contradições de suas posturas imanentes ao capitalismo decadente (sem que disto se deem conta).
A minha satisfação com a espontaneidade dos jovens (em maior número) e outros jovens há mais tempo (em número bem menor, mas lá estávamos eu e o Celso Lungaretti, aos 69 anos), além de membros do grupo Crítica Radical e tantos outros independentes, decorre da constatação de que algo novo está a surgir.
Esse novo difere das bandeiras sindicais e políticas que estão dentro da imanência capitalista e representam postulações que não indicam o rompimento com o mal em si (o capitalismo, o estado, a política institucional e o trabalho abstrato), mas a busca de direitos que já não podem mais ser atendidos.
O frescor da juventude nos mostra que nem tudo está perdido. (por Dalton Rosado)
"É a cegueira de deixar/ Um dia de ser peão/ De não dançar mais amarrado/
Pelo pescoço com cordão/ De não ser mais empregado/ E também não ser patrão"
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