sexta-feira, 2 de agosto de 2019

A CONTRADIÇÃO ENTRE O LEGAL E O JUSTO SALTA AOS OLHOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO – 1

dalton rosado
A LEI, A JUSTIÇA
E O MERCADO
O caráter onívoro da forma-mercadoria é implacável. Submete tudo e a todos ao mecanicismo de sua forma autotélica e vazia de sentido humano.

Costuma-se admitir, equivocadamente, que a política tem vontade soberana sobre os ditames da relação social estabelecida a partir da fórmula matemática subtrativa da riqueza abstrata em relação aos indivíduos sociais produtores e necessariamente aditiva em relação a ela mesma, sem a qual não sobrevive (adição abstrata de valor).

Mas, é justamente por causa da necessidade de crescimento ad infinitum que anuncia, para um determinado momento de tempo e espaço de sua relação social oportunista (e segregacionista), que ela vai esbarrar no seu limite expansionista. 

É que a capacidade humana de consumo de mercadorias, aliada às contradições internas que restringem o seu consumo, é diametralmente oposta à necessidade imperiosa de crescimento mercadológico destas. É aí que se instala o limite interno absoluto de expansão da riqueza abstrata e com ele o colapso da sua forma e do seu conteúdo.  

Agora estamos chegando na fase inicial desse período de colapso, daí os impasses dos fenômenos sociais por ela causados estarem acontecendo de modo cada vez mais acelerado, até porque o conhecimento científico adquirido pela humanidade explicita as suas contradições inconciliáveis anteriormente mascaradas (apesar da exclusão social e dos evidentes genocídios por ela causados, sem precedentes no itinerário da humanidade).

São muito evidentes os fenômenos sociais que evidenciam os impasses de forma em relação ao conteúdo da relação social sob o valor, e na falta de compreensão e explicitação voluntária ou não desses fenômenos, pretende-se que o moribundo sobreviva por aparelhos, adiando o fim da agonia dos seus súditos: a sociedade inconsciente de si mesma. 

Na sociedade do valor econômico, o Deus é o próprio valor econômico. Os sacrifícios mais inauditos devem ser bovinamente aceitos em nome de sua preservação inquestionável, como se tal forma de relação social fosse ganho civilizatório e irreversível da humanidade (não é, Paulo Guedes?).  

Seria possível para os parlamentares de quaisquer matizes ideológicos –fosse por consciência pessoal, senso de justiça e até ou mesmo para agradar a seu eleitorado– a proposição e aprovação de leis que determinassem:
 o oferecimento de justos salários e condições aceitáveis de trabalho para os funcionários em seus locais de atividade; 
 a observância de procedimentos racionais de tráfego e segurança de trânsito;
 a utilização exclusiva de energia limpa, não poluente, como a eólica e a fotovoltaica;
— o imperativo de constar do orçamento público um quantitativo de receitas orçamentárias para o provimento de demandas sociais básicas, constitucionais, como educação e saúde;
 a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas;  
 o pagamento aos trabalhadores de um salário-mínimo capaz de prover as suas necessidades básicas de moradia, alimentação, vestuário, gastos com energia e água, educação, lazer, etc.;
 a irredutibilidade dos salários;
 a garantia, aos trabalhadores, do terem emprego em sua fase ativa e aposentadoria na velhice;
 o pagamento, por parte do Estado, de suas dívidas judicializadas para com os cidadãos assim que se desse o trânsito em julgado;
 que seja assegurado o direito à indenização por dano moral e material;
 a subordinação do direito de propriedade à função social;
 o pagamento de indenização justa quando o governo efetuasse desapropriações;
 a impenhorabilidade  da pequena propriedade rural;
 uma defesa efetiva do consumidor por parte do Estado;
 a adoção efetiva de práticas para assegurarem a transparência dos órgãos públicos;
 o rígido respeito ao direito adquirido na tomada de decisões legais;
 a criação de condições para ser assegurado a todos os acusados o direito à ampla defesa;
 a efetiva assistência gratuita aos filhos e dependentes até os cinco anos de idade;
 uma proteção eficaz aos cidadãos em face da automação;
 a rigorosa coibição da discriminação salarial de gênero, de raça ou de qualquer outro elemento indutor de desigualdade;
 a extinção total do trabalho escravo;
 o asseguramento da defesa ecológica terrestre, marítima, fluvial, e atmosférica.

Diante dos diretos acima elencados e outros, quase todos eles previstos na Constituição, o Poder Judiciário tem a obrigação de observá-los nas suas decisões judiciais. Os direitos acima consignados são constantes de quaisquer raciocínios derivados da melhor consciência civilizatória.

Infelizmente, contudo, muitas vezes o Poder Judiciário deixa de considerar tais franquias jurídicas em razão da sua impraticabilidade material e/ou dos interesses do Estado (que é quem paga essa esfera jurisdicional do poder institucional); ou, ainda, por morosidade decorrente da falta de estrutura para a correta distribuição da justiça contida nos diplomas jurídicos estatuídos. (por Dalton Rosado)  
(continua neste post)

2 comentários:

Anônimo disse...

Espero que o Dalton conclua de maneira mais realista.
A experiência mostra que "direitos" adquiridos são para serem solenemente desprezados pelos poderosos e diplomas legais igualitários são para serem utilizados de maneira totalitária.
A título de sugestão gostaria de propor a seguinte reflexão: e se toda a atividade de um ser humano ficasse registrado em arquivos de logs criptografados e inalteráveis? Quais seriam as consequências no sentido da honestidade dos negócios, da contrapartida dos direitos e da impessoalidade da administração dos recursos?
Adianto que é isso que as redes móveis estão fazendo com as pessoas através dos celulares...

celsolungaretti disse...

Caro Leitor anônimo,

concordo que os chamados “direitos adquiridos” constantes das leis ordinárias ou de cláusulas pétreas da constituição são solenemente desprezados quando em confronto com o absolutismo da forma-mercadoria em processo de depressão como o que agora enfrentamos à escala global.

O objetivo do artigo é justamente demonstrar o caráter onívoro da forma valor à qual estamos todos submetidos obedientemente, ainda que tal obediência esteja nos levando para retrocessos civilizatórios abomináveis.

Sob a mediação social pela mercadoria e dinheiro não se pode falar em honestidade de negócios que são intrinsecamente desonestos por terem uma base subtrativa e obediente ao princípio da cumulatividade exigida pela sua própria lógica; de ser o código de ética dos ladrões, absolutamente amoral.

Espero que a segunda parte do artigo consiga dar o fecho necessário à compreensão do tema.
Um abração e obrigado pela leitura.

Dalton Rosado

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