A frase célebre do Ezra Pound, de que os artistas são a antena da raça, não se aplica em todas as ocasiões ao Chico Buarque.
Ele tem uma sensibilidade artística muito aguçada, mas quando se trata de timing político, o Chico está mais para retrovisor da raça.
Em plena efervescência de 1968, enquanto Geraldo Vandré e Sérgio Ricardo faziam os militares espumarem de ódio com canções politicamente engajadas e os tropicalistas obtinham o mesmo efeito com sua contestação comportamental e moral, Chico lançava as xaroposas e intemporais Bom tempo (!!!), Januária, Carolina, Sabiá, etc.
Não acordou de sua letargia nem mesmo quando começou a ser elogiado pelos fardados, que o apontavam como bom exemplo, ao mesmo tempo em que vituperavam o mau comportamento dos músicos que preferiam enfocar problemas políticos e sociais.
Em 1968 havia bom tempo... quando não choviam porradas.
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Depois da promulgação do AI-5, contudo, os ares brasileiros começaram a ficar irrespiráveis para ele e o Chico, depois de apresentar-se na França, resolveu permanecer a salvo na Itália enquanto o pau cantava na patriamada.
Só em 1970 ele lançaria uma contundente autocrítica da sua falta de combatividade no início da carreira e, especialmente, em 1968: a canção Agora falando sério (ouça-a na janelinha abaixo). A ficha demorou uns quatro anos para cair mas, a partir de então, ele assumiu papel marcante na resistência artística à ditadura.
"ele decidiu fazer do PT um partido de governo" |
Agora, leio na Folha de S. Paulo que ele tem "muitas reservas ao PT", por causa de episódios de corrupção "como os dos governos precedentes".
Também critica o partido por haver renunciado a muitos de seus ideais. Motivo:
"O Lula estava cansado de perder eleições, então ele decidiu fazer do PT um partido de governo. Por isso fez concessões, acordos com forças que o PT não teria aceitado em tempos normais. O PT deixou de ser um partido de esquerda para se tornar uma formação social-democrata".
Só agora ele percebeu isso?! Nem desconfiou em 2013, quando o PT se mantinha indiferente à barbarização dos manifestantes do Passe Livre pela repressão dos governadores reaças? E o que ele vai fazer para remediar o atraso, compor a Agora falando sério – 2?
5 comentários:
Não sou adepto do hay gobierno soy contra.
Mas se o artista fatura sendo contra ou favor conforme as conveniências aí é art gratias artista e ponto.
E ele soube usar a grana de maneira admirável. Admiro isso.
As vezes cantarolo Roda Viva que é a que me diz algo próximo aos eventos da minha quase sexagenária existência.
Posto que demonstra o quanto as vezes somos movidos como peças de uma engrenagem.
Cantarolo e escuto Coração Feliz na voz veludosa de Beth Carvalho, Luz do Vencedor (Alcione cantando), a Divina voz de Elizete Cardoso cantando Exaltação a Mangueira (mas Clementina de Jesus conseguiu chegar lá também) é de ficar extasiado.
Ave de prata na voz de Elba.
Nelson Gonçalves O Escravo e o Rei.
Bem examinado...
Quem foi mesmo este tal de Chico?
Que mensagem teve para mim???
Até Caetano disse algo que me serviu quando morreu minha filha: Oração ao Tempo.
Djavan pelo menos transformou a mesma perda em Flor de Liz.
Ah é Chico é bonitinho e "engajado".
Um querido.
Deus o abençoe e Deus lhe pague!!!
A "Roda Viva" também me disse algo, houve momentos em que eu realmente me senti indo "contra a corrente/ até não poder resistir/ na volta do barco é que sente/ o quanto deixou de cumprir".
"Trocando em miúdos" era o álcool que eu derramava nas minhas feridas de amor para, com um tanto de masoquismo, fazê-las doerem ainda mais. "Eu bato o portão sem fazer alarde / Eu levo a carteira de identidade / Uma saideira, muita saudade / E a leve impressão de que já vou tarde"
E "O velho" tem tudo a ver com o que sinto nestes tempos de regressão à barbárie. "Me diga agora / O que é que eu digo ao povo / O que tem de novo / Pra contar / Nada, eu só vejo uma triste estrada / Pra nenhum lugar". Só que não exatamente na acepção da letra (o velho se dirigindo para a morte), mas sim na de que hoje a patriamada está sem rumo, indo para o quinto dos infernos.
De resto, o Chico tem muitas canções soltas que me agradaram, mesmo que com elas não me identificasse pessoalmente. E um disco perfeito, o "Construção", de 1971, com ótimas letras e os incríveis arranjos do Rogério Duprat tornando tudo trepidante, impactante, apesar da voz monótona do cantor.
Vivi toda a época da ditadura e a "época do Chico Buarque" e em Juiz de Fora - MG. Curti muito as músicas do Chico Buarque, que tocavam além das nossas casas, nos bares, nas "boates" e até na zona Boêmia, tal e qual as músicas de Nelson Gonçalves. Pra mim, das músicas do Chico Buarque que entranhavam minhas veias como também as de Nelson Gonçalves, do Chico posso dizer que morreram com o tempo, diferentemente com as do Nelson Gonçalves. As dos Chico passaram no tempo, esqueci!
Quanta bobagem. A verdade fica eternizada no tempo. Por isso, Chico Buarque sempre será conhecido e imortalizado pela sua obra. E você será esquecido.
Ora, e quem disse que eu quero ser lembrado? Passei toda a minha vida adulta tentando libertar o povo do capitalismo e não consegui. Por que eu gostaria de que os pósteros se lembrassem disso?
Quanto às contradições do Chico Buarque, elas serão inevitavelmente lembradas, por tratar-se de um artista.
A fama o beneficiou em muitos aspectos, mas também o colocou na vitrine o tempo todo. E quem tem espírito crítico e não endeusa nem se deslumbra com meros seres humanos, iguais aos outros, só por terem algum talento diferenciado, sabe fazer a distinção entre a imagem que um artista projeta no pleno domínio de sua arte e o caráter que demonstra ter (ou não ter) em circunstâncias que escapam do seu total controle.
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