O besteirol, que já rolava solto em 64... |
clóvis rossi
CENAS EXPLÍCITAS DE ABSURDOS NUM PAÍS
PERTO DE VOCÊ
Iniciei minha vida profissional, em 1963, cobrindo momentos da conspiração que desaguaria no golpe de 1964. Tenho, portanto, 56 anos de estrada no acompanhamento de crises neste país tropical que parece viciado nelas.
Com tanta experiência, confesso que jamais vi uma crise como a que se desenrola nestes meses. Não sei dizer se é mais ou menos grave que alguma outra ou que todas as outras. Não há um metro exato para medir cada crise.
Mas posso assegurar tranquilamente que é a crise mais esdrúxula que me tocou viver. É um teatro do absurdo levado às últimas consequências, um non sense total e absoluto.
Começa pelo fato de que Jair Bolsonaro confessou publicamente que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar. É natural, portanto, que o leitor Lucas Monteiro escreva para a Folha de S. Paulo que Bolsonaro “ainda não entendeu o que é ser presidente".
Claro que ele não entendeu, Lucas, pois não nasceu para o ofício.
Caberia perguntar por que, diabos, então se candidatou a presidente se não é a praia dele? E, uma vez eleito, o que está fazendo no cargo, se não nasceu para ele?
...agora ultrapassa todos os limites. |
Talvez o problema esteja no fato de que a carreira para a qual se julga feito tampouco o aceita. Foi expelido do Exército, para a reserva, porque seus companheiros de arma devem tem achado que ele não nascera para ser militar.
Aliás, é um baita non sense um cidadão que se diz talhado para ser militar ter como guru um pilantra que dia sim, outro também, esculhamba os militares em geral.
Esculhamba, em particular, os militares que Bolsonaro escolheu para acompanhá-lo no governo. E este, em seguida às esculhambações, condecora o escatológico astrólogo. É ou não é um teatro do absurdo?
Mas não fica por aí: o presidente que não nasceu para ser presidente diz que não lhe apetece fazer uma reforma da Previdência. Não obstante, seu guru na Economia (tema ele confessa também não ter nascido para entender) toca como samba de uma nota só reforma da Previdência/reforma da Previdência.
Aí, em dado dia, o cidadão que nasceu para ser militar mas foi expelido da carreira divulga texto de um ex-candidato a vereador obscuro de um partido nanico que diz que o país é ingovernável sem que se façam conchavos que Bolsonaro afirma não estar disposto a fazer.
Ministro da Educação tostando kafka na fogueira |
Por isso, segundo o texto, Bolsonaro até agora não fez nada, absolutamente nada. O presidente que não nasceu para ser presidente concorda que não fez nada, posto que divulgou o texto (ninguém em seu juízo perfeito espalha um texto com o qual discorda, a não ser para apresentar a crítica do papel em referência, coisa que Bolsonaro não fez).
A tese de que o Brasil é ingovernável sem conchavos com as corporações (não especificadas no texto, como se fossem alienígenas) é outro non sense. Governar é gerir pressões, demandas e necessidades. A vida, aliás, é também assim. Quem não sabe administrar tais situações não vive bem e, se presidente, não governa bem.
Tudo somado, vem inexoravelmente à memória o filme de 1979 Muito além do jardim, de Hal Ashby. É a história de um jardineiro, magistralmente interpretado por Peter Sellers, de poucas letras (para dizer o mínimo), que perde o emprego da vida toda e, pelo acaso, vai se aproximando de círculos cada vez mais poderosos até chegar à Presidência dos Estados Unidos.
No cinema, me diverti muito. Na vida real, é assustador.
TOQUE DO EDITOR — É o que sempre tento explicar para os interlocutores que me criticam por zoar o governo e a pessoa de Jair Bolsonaro: quem tem um mínimo de sensibilidade artística simplesmente não consegue levar a sério isso que está aí, comparado pelo Clóvis Rossi ao teatro do absurdo e por mim a um espetáculo de aberrações.
Há também os ranzinzas que confundem a esculhambação à moda do Barão de Itararé ou d'O Pasquim com panfletarismo. Quanta falta de humor! Sou mais jovem aos 68 anos do que essa gente aos 28...
Quanto ao sarcástico artigo do Clóvis Rossi (um jovem de 76 anos!), eu só acrescentaria que, ao invés da analogia com Muito além do jardim, cairia melhor se ele a fizesse com o romance no qual o filme se baseou: O videota (1970), de Jerzy Kosinski.
Muito mais contundente que Ashby, o polonês Kosinski bateu pesado na TV, pois é por absorver incessantemente a lavagem cerebral da máquina de fazer doidos que o jardineiro se torna, como diz o título, um idiota do vídeo.
Seria o paralelo ideal a se traçar com um idiota da selvageria das redes sociais.
(por Celso Lungaretti)
2 comentários:
É resultado de um tipo de racionalidade binária que temos hoje em dia que leva ao paroxismo histérico. Para a grande maioria da população só há duas opções: ou é fiel ao pastor e a Deus e às armas, ou é comunista PeTralha. Até o Reinaldo Azevedo já é considerado um PeTralha.
Devemos ser justos e dar crédito ao PT e Lula por isso que estamos sendo obrigados a engolir hoje. Quando a economia estava indo muito bem, as famosas frases de efeito do Lula que não incomodavam muito.
Caro, CL
Isso tudo faz parte do script dos militares, que têm o controle da situação desde o início.
Os milicos precisam desconstruir o "mico", principalmente entre as tropas, pois agora já chegaram ao poder...
Quando o "mico", tenente bombinha, tiver suficiente queimado, será o momento de descartá-lo...
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