segunda-feira, 8 de abril de 2019

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA 'N-Ã-O' VAI ALAVANCAR A RETOMADA DO CRESCIMENTO

dalton rosado
POLÍTICA E ECONOMIA SÃO ESPÉCIES
DE UM MESMO GÊNERO: O CAPITAL
A política é a esfera de legitimação da assunção ao poder dito democrático do Estado, o qual, por sua vez, é o instrumento de coerção legal, institucional, da opressão tácita do capital. 

Ambos, política e Estado, correspondem às instâncias dependentes do capital dentro do contexto da economia da riqueza abstrata (forma-valor, dinheiro e mercadorias).

Assim, não têm soberania de vontade, regendo-se sempre pelas regras ditatoriais da sociedade da mercadoria que é quem lhes fornece os parâmetros funcionais e a sustentação financeira (via cobrança de impostos a um povo exaurido economicamente). Isto vale tanto para a esfera política quanto para a administração do Estado.

Ainda nestes últimos dias assistimos na Câmara dos Deputados à explicitação do conflito: 
— entre as exigências financeiras do Estado (em rota falimentar) enquanto ente regulamentador e protetor do capital, por um lado; e
— por outro lado, os interesses rasteiros dos políticos que, não compreendendo ou fingindo não se darem conta da hipossuficiência sistêmica de suas funções, tentam convencer a plateia de que ali estão para corrigir a ordem ditatorial da economia (trata-se de uma postura que não passa de mera pantomima teatral inconsistente, mesmo quando bem intencionada).

A direita cumpre regularmente as suas funções institucionais de proteção ao capital, e está na sua, como se diz no jargão informal.

A esquerda, sempre minoritária no parlamento, serve apenas para dar aparência democrática a um processo que é antidemocrático desde a sua origem constitutiva. Ao invés de conseguir corrigir a nefasta ordem econômica capitalista, a esquerda, com sua participação legislativa, apenas legitima a institucionalidade burguesa em troca de migalhas.

O povo é quem padece sob tal encenação de vontade soberana da política.  A política não pode subverter a lógica ditatorial da economia e é por isto que o Congresso Nacional vive o conflito entre a aprovação de medidas impopulares inevitáveis dentro das exigências vitais (e atrozes) da ordem capitalista e as consequências dos seus atos político-eleitorais no momento da reeleição. 

Ou seja, os deputados e senadores sabem que: 
— por um lado, a depressão capitalista brasileira e mundial dita comportamentos sem os quais o que é ruim ficaria inviável, daí recair sobre eles o ônus de aprovarem medidas de equilíbrio financeiro sem as quais a falência do Estado se acentua; e, 
— por outro lado, as consequências danosas da impopularidade que isto lhes acarretaria perante seus eleitores.
O mercador de ilusões é ruim de ginga e passou vexame
Trata-se de mais uma contradição dentre as muitas existentes na sociedade da mercadoria e seu conflito irresolúvel e irremediável entre forma e conteúdo.     

O argumento governamental segundo o qual devemos restringir hoje direitos previdenciários como forma de se garantir que ainda os tenhamos (também minimamente) num futuro próximo, corresponde ao reconhecimento explícito da submissão (e capitulação) política à realidade da depressão econômica, na medida em que foi atingido o limite interno de expansão capitalista e a economia definha a olhos vistos, criando impasses intransponíveis.  

A proposta palaciana corresponde ao pedido de que se faça um apertar de cintos hoje para que, com a poupança pretensamente daí advinda, possa ser equilibrado o déficit público crescente, na esperança de que a partir daí os investimentos voltem a crescer, alavancando o pretendido (e insustentável) crescimento econômico, o que permitiria o provimento futuro dos níveis de pensões previdenciárias hoje existentes. Isto, claro, não passa de uma quimera insubsistente.

Dentre as rubricas orçamentárias que provocam o déficit (o pagamento dos juros da dívida pública e gastos com a pesada máquina institucional são bem maiores e mais difíceis de serem eliminados), o corte dos gastos com o déficit da previdência social é mais fácil de ser enfiado goela da população abaixo. 

A opinião pública manipulada tudo engole (mesmo que a contragosto) em seu desfavor. O mesmo, contudo, não ocorre com ditatorial contabilidade capitalista e seus custos sistêmicos imediatistas e exigíveis no curto prazo.   

O governo atual, saudosista dos tempos do arbítrio, reedita a proposta dos governos miliares de meio século atrás, de priorização do desenvolvimento econômico. Ficou famosa, neste sentido, uma frase atribuída ao então ministro Delfim Netto, de que seria necessário esperar o bolo crescer antes de reparti-lo.

Mas, o que se viu no final do governo militar foi depressão econômica, inflação alta e aumento da dívida pública, razão pela qual os golpistas tiveram que sair pela porta dos fundos com o rabo entre as pernas, devolvendo o poder aos civis porque não sabiam mais o que fazer com ele. Isto é hoje omitido pelos nostálgicos do arbítrio, que celebram o que bem melhor seria continuar esquecido.

E persiste a eterna quimera de tentar introjetar na consciência popular a crença na retomada do desenvolvimento econômico como promessa de um futuro melhor.  

Nesse contexto, a direita, com seu discurso enganoso, está defendendo a permanência de um sistema que faz água por todos os lados. A esquerda, por sua vez, ao invés de propor alternativas confiáveis ao sistema, também favorece a retomada do desenvolvimento econômico, ainda que por outras vias. 

São dois cegos batendo numa mesma porta, que está emperrada demais para poder ser aberta.  

O Brasil vive a miséria de milhões de pessoas desempregadas e tantas outras milhões vivendo na linha tênue entre a miséria absoluta e a pobreza inaceitável em meio à abundância de riquezas materiais deitadas eternamente em berço esplendido, sem que o seu povo possa dela usufruir. 

Nada se parece mais com a vida social brasileira do que o castigo mitológico a Tântalo, condenado a sofrer fome e sede eternas em meio à abundância de alimentos e água. E isto se deve ao fato de a riqueza material, concreta, estar sendo submetida à irracionalidade da riqueza abstrata. 

A política e os políticos, quando não estão tentando determinar quem é tigrão e quem é tchutchuca, desvirtuam por interesse mesquinho, ignorância ou covarde comodismo (atitudes que correspondem à subsunção de tudo e de todos ao fetichismo da mercadoria) a discussão sobre as verdadeiras causas da perpetuação da nossa pobreza abstrata em meio à exuberância da nossa riqueza concreta, material, bem como sobre o porquê de não estar sendo utilizado o saber adquirido pela humanidade em benefício da dita cuja.

Enquanto isto os desempregados, impedidos de produzir qualquer coisa e impossibilitados de obter o necessário para uma existência digna (alimentação, moradia confortável, vestuário, água, energia, educação, segurança, transporte, lazer, arte, etc.), assistem desesperados a essa falsa dicotomia de propósitos entre direita liberal e esquerda keynesiana, que somente serve ao embotamento da capacidade social de elaborar coletivamente proposições verdadeiramente emancipatórias.

Deixemos bem claro que:
— é falaciosa a afirmação de que a reforma da previdência social vai promover a retomada do desenvolvimento econômico sustentável; 
— é falaciosa a afirmação de que a retomada de crescimento econômico, acaso obtida momentaneamente, vá superar o secular processo de pauperização do povo brasileiro, que ocorre desde a mescla do feudalismo colonial escravista declinante até a ascensão do capitalismo escravista indireto, ora em rota falimentar;
— é falaciosa a postura de defesa dos interesses dos trabalhadores, alardeada por todos os políticos (de direita e de esquerda), posto que a própria categoria dos trabalhadores (e a própria força de trabalho, uma mercadoria) constitui-se em base substancial da sociedade da mercadoria, ou seja, daquilo que deveria ser colocado em xeque;       
— é falaciosa a impressão que se tenta passar de que no Congresso Nacional estão assentados os bons de um lado e os maus do outro, pois na verdade todos pertencem a espécies relativamente diferentes de um mesmo gênero maligno: o capitalismo. 

Temos mesmo é que libertar a imensa riqueza concreta, material, brasileira (e mundial) da sua submissão à tacanhez absolutista irracional da riqueza abstrata. (por Dalton Rosado) 

3 comentários:

Anônimo disse...

Como disse o Pablo Ortellado, negar a necessidade de reforma da previdência é terraplanismo contábil.
A postura da oposição em relação à reforma tem sido demagógica. Se discordam, então que apresentem alternativa, pois o problema existe e não se pode opor à única solução em discussão apenas por se opor.
Gostei da postura da Tabata Amaral: o problema existe, precisa ser discutido e não pode ser adiado. Rebaterei os pontos que julgar ruins, apresentando alternativas. Quem dera toda a oposição fosse assim.

Anônimo disse...

Uma coisa que não se compreende bem do artigo é a confusão que o autor faz entre o inchaço da máquina estatal e o próprio capitalismo. Ora, um Estado paquidérmico, centralizador, provedor universal, é justamente o que se almeja no modelo socialista (ao menos na sua fase da ditadura do proletariado, da qual, na prática, nunca se sai, como visto largamente ao longo do século XX em uma série de modelos alternativos ao capitalismo que naufragaram esplendorosamente).
O Brasil é um dos países de economia mais fechada do mundo, ou seja, por aqui há déficit de capitalismo por conta do gigantismo do Leviatã. E os países de economia mais aberta, com menos atuação estatal, com mais liberdade de mercado (que o autor demoniza), são justamente os mais ricos.
Concordo que a reforma previdenciária apenas adia um problema estrutural. A minha distinção está em verificar do que se trata tal problema. Na visão do autor, o Estado seria apenas um braço do capital, naquela lógica maniqueísta e binária do marxismo ortodoxo, datado de quase duzentos anos. Na minha, o problema estrutural é a dependência desse órgão central burocrático, sem a possibilidade de que surjam alternativas de mercado ao problema previdenciário, por conta de nossa legislação arcaica que centraliza poder e vê a atuação do Estado de modo idílico (numa reverberação da fé hegeliana, que inspiraria o positivismo, o marxismo e o fascismo, sempre em detrimento do indivíduo, por uma lógica pasteurizada coletivista).
No mais, a questão previdenciária não é explicável meramente no âmbito ideológico. É, antes disso, problema contábil e demográfico. Modelo algum de economia, capitalista ou não, seria capaz de sustentar uma previdência que caminha para ter mais beneficiários do que contribuintes, por conta do envelhecimento populacional e diminuição da natalidade.
Dinheiro não brota do chão, tampouco o Estado produz riqueza (apenas a retira da sociedade, redistribuindo-a mal).

celsolungaretti disse...

Caro leitor anônimo das 17h43,

o seu raciocínio está preso à concepção de que somente pode haver relação social mediada pelo dinheiro. Assim, devemos analisar por partes o seu comentário:

1. o capitalismo precisa da existência o Estado seja nas suas versões liberais, defendidas pelos economistas clássicos burgueses desde Adam Smith e David Ricardo, até o pai do monetarismo liberal da escola de Chicago Milton Friedman, ou seja, na sua versão keynesiana, estatista, intervencionista.

O controle monetário é feito pelo Estado em conexão com a economia, daí ser imprescindível a sua existência para o capitalismo, entre outros fatores colaterais.

O Marx exotérico, do movimento operário, apenas propôs a superação do Estado num estágio final. Mas o Marx da crítica da economia política (esotérico), pouco difundido propositalmente, pôde aprofundar as suas teorias iniciais e compreender que as categorias capitalistas (principalmente o trabalho, enquanto substância da forma-valor) deveriam ser superadas juntamente com o Estado, mesmo moderno, que faz a tutela institucional do capital.

Destarte, não há confusão quando afirmo que devemos superar o Estado, coisa que os socialistas de todos os matizes (que não questionam a forma valor, dinheiro e mercadorias) não aceitam justamente por estarem também (como você) presos à ideia do Estado (que é financiado pelo imposto, mercadoria dinheiro cobrado da população exaurida).

O meu pressuposto é diferente do que você (e a esquerda, de um modo geral) afirma ser o socialismo;

2. os países de economia de mercado aberta (liberais ou ditos comunistas) são ricos na inversa proporção dos países pobres que estão submissos à lógica do capital que privilegia os primeiros. Aliás, como o capital não é estatal, agora ele está emigrando para recantos antes inimagináveis em busca de reprodução e deixando loucos os Estados nacionalistas e sua pequena burguesia e aristocracia operária.

Não é uma questão política, mas econômica. A política entra aí como forma auxiliar submissa;

3. O problema previdenciário mundial, não é causa, mas consequência das contradições do capitalismo que torna dispensável hoje, em maior parte, a substância de sua própria existência, o trabalho abstrato, provocando o desemprego estrutural (são os trabalhadores da ativa que contribuem para a previdência e sustentam os aposentados) e a dessubstancialização do valor (decresce mundialmente a massa global de valor válido, gerando uma anemia no organismo financeiro).

Não há solução para isso sob a lógica contraditória do capital;

4. a humanidade sob o capitalismo desenvolveu o individualismo, o egoísmo e a competitividade autofágica, que é o contrário da solidariedade social na qual todos devem contribuir com as suas potencialidades para o bem comum. Coletivismo é um termo pejorativo da direita para afirmar e conservar seus privilégios e negar a validade da solidariedade.

5. Realmente dinheiro não dá em árvores; não brota do chão; nem desce das nuvens como a chuva; mas advém do trabalhado abstrato (assalariado) produtor de valor e de mais-valia, que o capitalismo em suas contradições está empenhado em acabar, num processo de destruição e autodestruição.

Não se consome dinheiro, mas bens e serviços que continuarão existindo no futuro quando superarmos esse mecanismo nefasto relação social mercantil que escraviza a humanidade no qual tudo é mensurado por um quantitativo de valor. Procure pensar fora da lógica do dinheiro e você verá que os problemas insolúveis sob o capital terão soluções cômodas, naturais, materiais, concretas, verdadeiramente humanas.

Grato pela leitura e questionamentos. (Dalton Rosado)

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