terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

TODOS BRIGAM, NINGUÉM TEM RAZÃO E A VENEZUELA ESFARELA. BASTA!

dalton rosado
UMA ANÁLISE EMANCIPACIONISTA SOBRE A VENEZUELA
.
"De repente, entrou um passarinho e
deu três voltas sobre mim. E senti o
espírito de Chávez" (Nicolás Maduro
Quando estive participando do Fórum Social Mundial de Caracas (2006), ainda sob o comando de Hugo Chávez, pude sentir como funcionava uma ditadura dita de esquerda, constatando que não era muito diferente da brasileira de 1964/85.

A nossa bandeira anti-Estado e anti-mercadoria foi alvo de severo patrulhamento por parte das forças militares a soldo daquele governo que não aceitava o nosso fora tudo, fora todos!.  

Ambas as ditaduras tinham muitas semelhanças, se não vejamos: 
— viés estatizante dos meios de produção do valor, do capital; 
— força militar ostensiva; 
— imposição da lógica capitalista com controle de mercado (um atestado de desconhecimento da economia política); 
— perseguição dos opositores; 
— parlamento controlado e cassado (ou caçado, como Rubens Paiva);
— censura da imprensa; 
— justiça subjugada; e
— doutrinação patriótico-nacionalista (levada a cabo sob o manto da chamada revolução bolivariana), etc.
Juan Guaidó vai acumulando forças...

Além da subjugação política, o  princípio fundamental básico, comum a tais ditaduras de direita e de esquerda é o modo de relação social fundado nas categorias capitalistas; é o modo de produção social feito a partir dessas categorias. 

Neste sentido, a ditadura venezuelana não é diferente das democracias liberais que lhe impõem embargos econômicos, infelicitando ainda mais o seu povo. A diferença é meramente superficial, política, pois consiste apenas no modo de ascensão ao poder estatal. Ainda que divirjam na relação com o capital (estatista ou privatista), não o negam na sua essência constitutiva.   

Afinal, os objetivos políticos ditatoriais ou liberais a serviço do capital são priorizados independentemente da fome e da miséria que provoquem, além de se igualarem no resultado final: a segregação social, mesmo que não seja intencional.

Todas as ditaduras ou regimes liberais vivem sob a égide do segregacionismo patrocinado pela dinâmica comum às categorias capitalistas (trabalho abstrato; dinheiro como expressão numérica do valor; mercadoria; mercado; Estado e política) e são, por fim, idênticas na essência econômica, diferindo apenas na condução política.

Mas, como a política é serviçal da ordem econômica fetichista, reificada, ditatorial, todas essas formas políticas terminam por ser também ditatoriais, sejam elas camufladas pela democracia burguesa, na qual se escolhe algo que já foi previamente escolhido, sejam impostas pelo jugo das botas militares.  
...enquanto Maduro sua para conservar o apoio dos militares...
Há, ademais, um híbrido de democracia tutelada pela força militar, modelo hoje muito em voga... 

A situação da Venezuela é caótica do ponto de vista econômico, o que constitui combustível altamente inflamável para a turbulência política. 

O espiritualista Nicolás Maduro e seus adeptos não conhecem o pensamento libertário da crítica da economia política de Marx, embora se digam de esquerda. Estão presos a conceitos do grande venezuelano Simon Bolívar, cujas guerras de independência libertaram vários países sul-americanos do colonialismo espanhol no século 19. 

Tais conceitos, contudo, foram soterrados pela poeira do tempo. O que está em pauta hoje é um universalismo solidário, e não mais o patriotismo nacionalista xenófobo de outrora.

O capital foge como o diabo da cruz de conduções políticas estatizantes e as nações liberais, submissas à lógica do capital, logo se apressam em impor embargos econômicos aos países politicamente dissidentes, inviabilizando o que já é ruim pela própria natureza. 

A Venezuela está a um passo de uma guerra civil; de uma invasão militar como a da Baía dos Porcos (Cuba, 1961), executada por mercenários a soldo de exilados cubanos e dos EUA; de uma invasão direta a pretexto da alegada ilegitimidade do poder de Nicolás Maduro; ou da própria destituição de Maduro pelos militares venezuelanos, se estes decidirem que seus interesses serão melhor servidos pelo presidente interino do que pelo ditador de plantão.    
... o enfrentamento armado se aproxima...

O país está dividido; a equivalência de forças é o que ainda faz perdurar um governo ilhado internacionalmente e com acentuadas características militarista.  Há, ainda, um cheiro de guerra fria no ar, a partir do posicionamento assumido por aqueles desejam ser a antítese americana (sem sê-lo), principalmente a Rússia e a China. 

A história se repete como farsa. Tudo é possível, inclusive a permanência duradoura desse estado de coisas, e nenhuma das hipóteses dadas tem viés emancipacionista.

A esquerda politicista estatizante insiste em defender Maduro, um presidente despótico, como se fosse anticapitalista. Finge ignorar que, apesar das diatribes lançadas contra o imperialismo estadunidense (que existe, sob a égide do capital), Maduro lhe vende seu petróleo, em troca dos dólares vitais para a manutenção da combalida economia venezuelana. 

A direita, por sua vez, denuncia os horrores sofridos pelo povo venezuelano, sem olhar para o próprio rabo. 

Todos estão presos ao fetichismo da mercadoria. O povo, atônito, pauperizado, sem compreender a raiz do problema, posiciona-se de um lado ou de outro. No final, todos brigam e ninguém tem razão.

Grassa a fome, dada a escassez de produtos alimentares para grande parte da população ou a falta de dinheiro para comprá-los no câmbio negro. A inflação venezuelana fez a sua moeda desaparecer, num testemunho loquaz do que representa a mediação social pelo dinheiro, expressão numérica, materializada do valor.  
...e o êxodo é alternativa à penúria e à guerra iminente
Direita e esquerda correspondem a dois segmentos políticos a se digladiarem numa falsa dicotomia, enquanto o povo permanece cego diante da porta do quarto escuro onde estão guardados os segredos da emancipação, sem saber onde está a chave para abri-lo. 

A esquerda positiva as categorias capitalistas e o arbítrio em nome da repulsa ao capital, sem perceber que dele faz parte; a direita, que se vê às voltas com a falência mundial dos seus postulados, nega o arbítrio embora o pratique, hipocritamente.

Que autoridade têm os Estados Unidos para derrubar pela força o ditador Maduro quando apoia ditadores como o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, que mandou matar a sangue frio o jornalista dissidente Jamal Kahashoggi?

Que autoridade tem o presidente destrumpelhado para falar do sofrimento do povo venezuelano quando quer expulsar do seu país até mesmo os filhos de imigrantes que tenham nascido em solo estadunidense (sem falar nos campos de concentração que criou na fronteira como México)?

Que autoridade tem a União Europeia para se dizer solidária com o povo venezuelano que sofre as agruras de uma ditadura (embora apoie os embargos econômicos contra a Venezuela) quando trata os imigrantes de suas antigas colônias como se fossem rejeitos humanos? 
Chora pelos venezuelanos, mas faz os mexicanos chorarem

Que autoridade tem o sistema de crédito mundial para se imiscuir em questões políticas internas da Venezuela quando cobra juros extorsivos aos países pobres (mesmo que suas dívidas sejam menores, em termos absolutos e relativos, que as dos países ricos) mas cobra juros menores incidentes sobre a estratosférica dívida pública e privada desses mesmos ricos, adotando uma diferenciação ultrajante, causadora do aprofundamento da miséria social da periferia capitalista? 

Que autoridade tem um governo que estimula ações dos supremacistas brancos assassinos para servir de palmatória justicialista do mundo e dizer a quem deve reconhecer ou deixa de reconhecer o governante de um outro país, interferindo dessa forma nas turbulentas questões internas de outras nações?     

O que se discute aqui não é o mérito ou demérito de um governo que está maduro para cair por suas próprias inconsistências (sem esquecermos os embargos econômicos), mas a hipocrisia de um sistema que quer sempre ver à frente dos governos dos países pobres os dirigentes que lhe sejam submissos e priorizem os interesses do capital hegemônico mundial em fim de feira.

Aos emancipacionistas não cabe a defesa de Maduro e seu governo despótico, mas a denúncia de sua identidade de base econômica com aqueles que o querem derrubar; mas cabe a denúncia da hipocrisia dos que apontam o seu dedo sujo para a Venezuela.  

Ser emancipacionista é não temer a verdade, e buscá-la sempre, ainda que tal bandeira seja difícil de ser empunhada e custe sacrifícios.
Ser emancipacionista é denunciar o poder como tal e pugnar por um modo de produção social partilhado (sem quantificação em valor econômico numericamente dimensionado pelo dinheiro) e por uma forma de relação social a partir de uma organização social horizontalizada, meramente administrativa. 

Uma relação na qual possa fluir o verdadeiro interesse coletivo emudecedor das vontades minoritárias mesquinhas, e que contribua para uma educação social conceitual calcada nas virtudes humanas eternas.   

Basta de hipocrisia! 

Basta de falsa dicotomia entre projetos políticos que são similares na sua essência! 

Basta da burrice expressa num modo de produção que sempre foi ruim e que agora se mostra, ademais, anacrônico! 

Basta de manipulação das consciências populares! 

Basta de poder (vertical ou não)!

Basta! (por Dalton Rosado)

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