sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

SÍSIFO

Sendo este um blog que ficou mais de um ano trazendo pelo menos um post novo a cada dia, pode ter causado estranheza o apagão destas 4ª e 5ª feira. Mas, nada de grave aconteceu, felizmente. Apenas minha mudança e alguns problemas que ela causou ao computador.

Mas, mesmo sem sinistrose, é um momento difícil. As circunstâncias me obrigam a reconstruir mais uma vez minha vida, sem o vigor e os sonhos ardentes de quando resolvi trilhar o caminho revolucionário.

De quando deixei os cárceres militares em frangalhos e tive de arrumar novas motivações para seguir adiante, pois sabia que a construção de uma sociedade mais justa e humanizada era um projeto que hibernaria por longos anos no Brasil.

De quando acreditei que nas comunidades alternativas conseguiríamos manter um estilo solidário e harmonioso de vida, apesar de todos os horrores que grassavam lá fora.

De quando também esta esperança definhou e só me restou dedicar-me à carreira jornalística, minha opção de sobrevivência material, e a prover o antídoto na porção não alugada do meu tempo, colaborando com edições marginais e travando uma ou outra luta em defesa de companheiros injustiçados.

De quando saí da minha zona de conforto aos 50 anos para realizar o sonho de ser pai biológico, passando por um sem-número de percalços em função disto.

De quando construí, sucessivamente, duas famílias, com uma filha em cada uma dessas uniões que desabaram como castelo de cartas, por golpes de azar e por perseguições de poderosos que não suportam a existência de homens verdadeiramente livres, que seguem sua consciência em qualquer situação e não compactuam com a traição dos ideais mesmo quando é o seu lado que nela incide.  

Por tanto querer estar junto de seres realmente humanos, com coragem de lutarem por seus sonhos e discernimento para escolherem os melhores caminhos, várias vezes ocorreu de eu me ver sozinho.
Não nego: isto dói. Mas, o preço para se levar uma existência sem sobressaltos numa sociedade tão injusta é o conformismo e a bovinização, a aceitação incondicional do primado do lucro sobre a vida, da ganância sobre a fraternidade, da auto-preservação sobre a capacidade de indignar-se com a barbárie nossa de cada dia.

Nem aos 18 nem aos 68 anos algo assim seria suportável para mim. Então, convencido de que uma velhice tranquila não é para revolucionários, continuarei até o fim me inspirando no bom conselho do Chico Buarque: "Eu semeio vento / na minha cidade / vou pra rua e bebo a tempestade".

Luta que segue. (Celso Lungaretti)
.
Observaçãono amargor do momento, deixei de acrescentar que foi muito importante constatar que eu e meu trabalho significávamos algo para tantos companheiros. 

As várias formas de ajuda e apoio recebidas me ajudaram a recuperar o ânimo e seguir em frente, até porque há muito o que fazer quando o Brasil e a esquerda chegaram ao fundo do poço, como agora. Também neste sentido, há uma pedra a empurrar de novo para o topo da montanha; e é algo que teremos de fazer todos juntos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Caro, CL
Pegando carona nesse seu relato, tenho certeza que o grande brasileiro Lula (ainda que alguns o odeiem) não trocaria este final de carreira ignominioso em que vive por outra trajetória numa zona de conforto atrás de um sindicato sem ser perseguido...

Viva os brasileiros simples!
Viva os brasileiros que não se venderam por trinta moedas...
Viva os brasileiros honestos, que são a maioria...
Viva Tiradentes!
Desgraçado seja Joaquim Silvério dos Reis...
Desgraçada seja a suprema corte brasileira, que enviou Olga Benário à câmara de gás nazista...
Desgraçados sejam os latifundiários, que odeiam o povo brasileiro...
Viva os brasileiros que lutaram e tiveram seu sangue derramado por uma causa justa...
Viva Luiz Inácio Lula da Silva!

Neves disse...

Celso... em 1967 fui colega de classe, no Brasílio Machado, do Massa
o japones mais bonito que conheci...
Viva o Massa!

celsolungaretti disse...

Fausto,

para nós, ele era o nissei mais abrasileirado que já havíamos conhecido, sempre brincalhão.

No congresso da Upes de 1968, quando era interesse do nosso grupo retardar o andamento da sessão, ele tomava a palavra e fazia uma provocação com os alunos do Colégio de Aplicação (que eram uns 90% dos presentes), tipo "o movimento secundarista não pode ser dominado por uma minoria de riquinhos da alta classe média".

Aí os criticados se indignavam, começava bate-boca, ameaça de porrada... e a sessão parava por mais de meia hora. Era de morrer de rir.

Abs.

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