Cena do capítulo de 01/01/2019. Aguarde! |
A boa notícia é que a presença de Sérgio Moro como superministro da Justiça sinaliza a intenção do novo governo de tentar ser mesmo governo e não o aquecimento para a instalação de uma ditadura.
Afinal, trata-se do quadro com melhores perspectivas futuras que a direita brasileira possui neste instante.
Então, nada indica que o atrairiam para um projeto golpista ao qual não tem nenhuma contribuição relevante a oferecer e que, ademais, não convém aos planos dele próprio, Moro, cujas ambições presidenciais são facilmente perceptíveis. Correriam o risco de torná-lo um inimigo, e dos mais perigosos.
Pois não ficaria bem para quem se diz inspirado pelo exemplo do heroico juiz italiano Giovanni Falcone, o das mãos limpas, ensanguentar as suas. Já basta a convivência a que será obrigado, com certos aliados do novo governo cujos nomes frequentemente aparecem nas notícias sobre abusos contra trabalhadores rurais, crimes ecológicos, exploração da fé y otras cositas más...
Isto quer dizer que já podemos baixar a guarda? Nem tanto. Agora se tornou razoável supormos que não haverá uma Operação Jacarta (*) sendo desencadeada logo no dia da posse. Mas, a própria heterogeneidade das visões ideológicas e/ou ambições fisiológicas dos convidados para o ministério saco de gatos nos permite antever muitas disputas internas, muitas lambanças externas e grandes dificuldades para a viabilização das medidas austericidas e regressivas que estão sendo tramadas.
Sangue, o juiz Falcone só teve nas mãos o dele próprio. |
E a pergunta que não quer calar é: o que fará um governo com DNA tão autoritário se não conseguir superar a oposição da sociedade civil, do Judiciário, da imprensa e, enfim, da componente civilizada da coletividade brasileira?
Pois tudo leva a crer que tal oposição crescerá à medida que:
- o esvaziamento do partido que vem perdendo todas as batalhas desde 2016 for privando o governo Bolsonaro de um de seus principais apelos populares, o antipetismo; e
- que a imposição a ferro e fogo do neoliberalismo pulverizará o outro apelo (a lorota de ser anti-sistema), evidenciando que o pretenso outsider, longe de não estar contaminado pelo stablishment político podre e poder servir de alternativa a ele, apenas representa o que de mais retrógrado a lesivo aos interesses dos explorados nele existia (não se é afilhado político do Paulo Maluf fortuitamente...).
Então, recomendo aos leitores que mantenham acessível o meu Manual de Sobrevivência em Terreno Minado, pois ele poderá ser muito útil adiante.
E, infelizmente, o aumento da violência política nos confins do Brasil e mesmo na periferia das grandes cidades, constatado ao longo da última campanha eleitoral, sugere que, onde há menor visibilidade, os alvos da campanha de ódio por diferenças comportamentais correrão perigo imediato, sim!
Quando se ouve num estádio de futebol um grito de guerra como cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado!, o mínimo bom senso manda considerarmos a possibilidade de surgirem consequências.
O ódio contamina toda a sociedade |
Quando se ouve num estádio de futebol um grito de guerra como cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado!, o mínimo bom senso manda considerarmos a possibilidade de surgirem consequências.
Como se dizia no início da ditadura militar, era possível exercer um relativo controle das forças repressivas que agiam sob as ordens do Estado, mas existiam também os inspetores de quarteirão que, de um momento para o outro, passaram a crer que poderiam fazer o que bem entendessem sem sofrerem punição (a partir do AI-5, a própria repressão oficial ganhou a certeza da impunidade).
Mas, mesmo em meio à intolerância ditatorial, ainda havia alguns bombeiros acidentais empenhando-se em conter a sanha dos incendiários, como o ditador Ernesto Geisel, que garantiu a realização da missa de 7º dia do Vladimir Herzog sem repressão nem atentados dos grupos paramilitares, apenas recomendando aos organizadores: "Segurem seus radicais, que eu seguro os meus".
O desarmamento dos espíritos deveria ser um dos principais ingredientes do discurso de posse. Mas, até agora, nada indica que o será.
Mas, mesmo em meio à intolerância ditatorial, ainda havia alguns bombeiros acidentais empenhando-se em conter a sanha dos incendiários, como o ditador Ernesto Geisel, que garantiu a realização da missa de 7º dia do Vladimir Herzog sem repressão nem atentados dos grupos paramilitares, apenas recomendando aos organizadores: "Segurem seus radicais, que eu seguro os meus".
O desarmamento dos espíritos deveria ser um dos principais ingredientes do discurso de posse. Mas, até agora, nada indica que o será.
"Segurem seus radicais, que eu seguro os meus" |
Mas, cientificado, Geisel e seu escudeiro Hugo de Abreu exoneraram o comandante do 2º Exército Ednardo D'Ávila Mello (sob o pretexto que desacatara a ordem presidencial de evitar que algum outro preso político morresse dentro do DOI-Codi nos meses subsequentes ao assassinato de Vladimir Herzog, que provocou comoção nacional e internacional) e, mais adiante, o ministro do Exército Sylvio Frota.
E a tal Operação Jacarta saiu de cogitação, pois seus homens-chave haviam sido anulados. O nome, por sinal, era uma alusão ao assassinato em massa de esquerdistas da Indonésia em 1965/66, que vitimou mais de meio milhão de pessoas.
2 comentários:
Boa noite Celso, tudo bem?
Aqui é o Hebert, do Rio.
Sobre o filme usado por você como referência para o texto,
é engraçado o fato de que estou me lembrando de algumas referencias da cultura pop,
de épocas que não tenho consciência ( já que nasci em 1974 ), mas que me vem a memoria.
Sobre o parágrafo escrito sobre pessoas que se sentiam com poder de praticar justiçamento, ou a "polícia mineira", ou ainda os notórios "esquadrão da morte" e "mão branca" ( dois últimos considerados como pena de morte oficiais na época, até onde sei ), me lembrei do filme República dos Assassinos, de 1979.
Vi este filme muitos anos mais tarde na TVE Brasil, e revi no Youtube semana passada, estrelado pelo querido Anselmo Vasconcelos, pra quem eu deixem meus cumprimentos a ele e a Eloína ( embora não o conheça ), respondido gentilmente.
Na sua página do Facebook, há uma postagem bem humorada em que ele diz, não comprou um exemplar do kit gay, pois seu cartão da Lei lei rouanet, está sem crédito.
Ainda sobre cultura pop naquela época, gostaria de saber sobre a relação de Roberto Carlos e Wilson Simonal, com a ditadura.
Meus comentários acabaram enveredando para outro tema, mas gostaria de saber se tem alguma crônica falando a respeito deles.
Abraço.
Herbert,
quando você nasceu eu já tinha ido ao inferno e voltado. Você fez com que eu me sentisse velho...
Não havia extermínios oficialmente autorizados pela ditadura militar, mas as autoridades faziam vistas grossas às atividades dos esquadrões da morte, ao inacreditável número de "suspeitos mortalmente baleados ao resistirem à prisão" nas ocorrências envolvendo a Rota (tropa de choque da PM paulista), etc.
O delegado Sérgio Fleury, enquanto comandava o radiopatrulhamento, esteve bem no centro das matanças do EM. Depois foi para a repressão política, virou uma espécie de herói do regime ao tocaiar o Marighella e recebeu a cobertura dos altos escalões quando o procurador Hélio Bicudo conseguiu seu indiciamento por assassinatos do Esquadrão.
Pelas normas então vigentes deveria ser preso, mas a ditadura aprovou a toque de caixa a chamada "Lei Fleury", que o salvava da prisão naquela etapa processual (foi algo parecido com a pendenga atual sobre se o Lula poderia ser preso após a condenação em 2ª instância ou se era necessária a 3ª instância).
Mas, o Bicudo conseguiu provar que o Fleury e o Esquadrão não matavam para livrar a sociedade de todos os bandidos, mas sim para enfraquecer os concorrentes de um grande traficante que os remunerava por fora. Como os milicos eram moralistas, retiraram imediatamente toda e qualquer proteção ao Fleury, deixando que se virasse sozinho.
Estava na iminência de ser preso, andou chantageando grandes empresários (exigia grana para não contar quais deles eram torturadores voluntários e como se comportavam nas sessões de tortura ) e, finalmente, tornou-se um caso raríssimo de proprietário de barco que caiu no mar e não sabia nadar. Acredite quem quiser.
Desconheço envolvimento do Roberto Carlos com a ditadura. Suponho que simpatizasse discretamente com ela.
Quanto ao Wilson Simonal, era amigo de investigadores pés-de-chinelo do Dops. Provavelmente compartilhava com eles as fãs que participavam de suas festas de embalo e recebia em troca pequenos favores, como a prensa que deram num ex-agente dele que o teria roubado.
Em termos morais, eram relações bem repulsivas. Mas nunca vi nenhuma prova cabal de que o Simonal atuasse mesmo como informante da polícia.
Foi ele mesmo que cometeu a besteira de alegar isto para obter favorecimento na Justiça e para aliviar a barra dos agentes, que ficaram mal na foto quando os superiores souberam o que eles andavam fazendo nas horas de folga. Mas, as informações que ele teria fornecido ao Dops nunca apareceram. Talvez não existissem.
Pareceu-me mais um fruto da paranoia que existia na época. Foi condenado sem direito de defesa pelo meio artístico e amargou um ostracismo chocante. Eu, pelo menos, sempre defendi que lhe concedessem o benefício da dúvida.
Até porque o meio em que o Simonal circulava tinha tantos agentes infiltrados que um cantor famoso não fazia falta nenhuma à repressão. Tudo se fofocava o tempo todo. Difícil não era saber o que rolava, difícil era não ficar sabendo...
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