quarta-feira, 21 de novembro de 2018

MARQUETEIRO DE SI MESMO, BOLSONARO REDUZ TODA A ATIVIDADE POLÍTICA À PROMOÇÃO DE SUA PESSOA

Performance do Bolsonaro com o pixuleco foi preocupante.
david emanuel
 de souza coelho
O PRESIDENTE PERFORMÁTICO
O agora eleito presidente da República jamais foi um político relevante, sendo muito mais lembrado por suas declarações truculentas e preconceituosas do que por sua atuação parlamentar. 

Bolsonaro nunca teve papel relevante na política nacional porque simplesmente jamais teve contribuição a dar. A política para ele sempre foi um meio de vida, uma via de enriquecimento pessoal e familiar, e não uma possibilidade de transformação social. 

Contentava-se em tão somente manter seu mandato ganhando votos do nicho de militares do Rio de Janeiro. Ou seja, era um típico político do baixo clero, representante de interesses ultra setorizados e preocupado apenas em perpetuar-se no Poder Legislativo. 

Não é possível identificar em sua atuação parlamentar de quase três décadas qualquer defesa explícita de alguma bandeira social em específico, ou mesmo ligação com o interesse de alguma classe ou fração de classe. No geral, defendia interesses puramente corporativistas – dos militares, no caso – pouco ou nada contribuindo com os grandes debates nacionais transcorridos em seu período de vivência no congresso. 
Já a do Jânio Quadros com a vassoura, hilária.
Falando sinceramente, sua figura era tão nula e insignificante que podia se dar ao luxo de dizer barbaridades e contrassensos sem temor de perder seu cargo, como dá exemplo sua histriônica entrevista à TV Câmara em 1999.

Na verdade, Bolsonaro era o tipo acabado do político representante de si mesmo. Sua base na caserna servia apenas para transferir votos a ele a cada quatro anos. Neste aspecto, ele se filia ao antiquíssimo filão de políticos brasileiros cuja visão da política sempre foi desta enquanto um meio de vida e não uma forma de mediação social. 

A grande questão é certamente saber como foi possível a ascensão de uma figura tão nula ao comando do Brasil. Mas, tal pergunta não é o tópico a ser tratado neste artigo e sim uma outra questão, de importância também imensa: entender, afinal, quais projetos guiam o eleito Jair Bolsonaro. 

O próprio presidente não parece ter muitas ideias próprias, conforme o demonstram tanto seu histórico parlamentar quanto suas entrevistas pré-eleição, nas quais, ao ser sabatinado sozinho, demonstrou profunda incoerência de pensamento e o absoluto vazio do seu posicionamento a respeito de temas fundamentais da vida brasileira, como economia, educação, saúde, desemprego. 

O único tema no qual demonstra certo bom desempenho é quando fala de pautas morais. Neste caso, faz engenhoso uso dos pré-conceitos populares e do ódio ao diferente para se vender. Inteligentemente, viu no medo das mudanças comportamentais um filão de votos e decidiu usá-lo para catapultar sua carreira, não tendo sido gratuita sua aproximação com os fundamentalistas religiosos. 
Kit gay: "ridículo embuste, invencionices grosseiras"

No entanto, mesmo nesta área seu discurso é pífio, não oferecendo nada mais que denúncias mentirosas, como a do famoso kit gay, um ridículo embuste formado de invencionices grosseiras. 

O grau de reflexão em torno da temática de gênero, mesmo com uma tonalidade conservadora, é risível, fixando-se apenas em pedestres declarações. Mesmo uma figura deplorável igual Marco Feliciano consegue articular um pensamento melhor. 

Considerar o conservadorismo moral como sendo a bandeira de Bolsonaro é um profundo erro, pois, na verdade, o presidente não possui bandeiras, não possui ideais, seu objetivo supremo é apenas e tão somente ele mesmo. 

No entanto, trata-se de um político hábil em farejar oportunidades para si próprio e isto explica, em grande medida, seu sucesso. 

Os políticos, em geral, costumam articular seus caminhos por estratégias diferentes: podem ser líderes, articuladores ou até mesmo administradores carreiristas. Sempre há, por óbvio, um grau de autopromoção em cada opção escolhida. 
"usar a autopromoção como um fim em si mesmo"
Mas, existe uma diferença em usar a autopromoção enquanto momento estratégico do trabalho político e usá-la enquanto fim em si mesmo, reduzindo toda a atividade política à simples promoção de sua pessoa, sem outra motivação digna de nota. 

Ao contrário de ser um político articulador, administrador ou líder, Bolsonaro é unicamente um marqueteiro de si mesmo, sempre farejando o vento para encontrar a melhor chance de autopromoção, o que o encaixa no último tipo de político descrito no parágrafo anterior. 

Esta característica faz com que ele seja uma figura predominantemente performática, pautado sempre na venda de si mesmo enquanto produto político. Por isso, inclusive, seu caminho de crescimento foi o de declarações reacionárias e chocantes, ao contrário do trilhado por outros políticos, os quais crescem graças a seus feitos e às articulações de poder político, econômico e social. 

As declarações tiveram para ele a função de vitrines nas quais ele se mostrava, faticamente, ao público como sendo um indivíduo igualmente chocado com as mudanças comportamentais, ou igualmente saudosista de valores pretéritos, ou simplesmente entusiasta da violência enquanto meio de solucionar os problemas da sociedade. 

Com isso, ele conseguia criar um laço emocional com o público, estabelecendo uma cumplicidade entre ele e a pessoa, fazendo com que ela o visse como um justo representante de seus próprios medos e ódios. 
"vendido como outsider, mesmo não o sendo"

Não se trata aqui de analisar se Bolsonaro acredita pessoalmente ou não nas posições por si expressas. É bem provável que acredite, mas o ponto é entender seu uso por ele enquanto mecanismo político de autopromoção.

Neste aspecto, não acredito ter o presidente uma relação programática com tais posições, mas sim puramente performática. Ou seja, ele não expressa tais posições enquanto programas discursivamente construídos, mas sim enquanto uma performance a ser executada por ele a fim de gerar uma conexão com o público, atrair simpatia e, consequentemente, votos. 

Bolsonaro é, enfim, um político programático, mas performático. Se fossemos falar de modo filosófico, diríamos que ele é pura aparência e nada essência. Ou, dito de modo popular, que ele é oco.

Sua performática mostrou-se importante no período eleitoral quando foi vendido como um outsider, mesmo não o sendo. Sua pretensa indignação com o que tá aí teve papel decisivo para criar um vínculo com a população insatisfeita com os rumos do país. 

Não há dúvidas de que a facada e seu consequente afastamento dos debates e de entrevistas autênticas favoreceram o reforço de sua persona no imaginário popular, camuflando de modo decisivo seu vazio programático. 

Sua performance o fez ser visto, pela população em geral, como um representante da revolta popular contra o establishment, um homem comum, igualmente indignado com o caos político, econômico e social do país, e chocado com as mudanças comportamentais.  
"há desemprego? é porque as pessoas não buscam mais deus"

Mais que isso, a capacidade performática de Bolsonaro conseguiu vender como sendo um só fenômeno as mudanças comportamentais e o caos do país, transferindo todo o problema da práxis social para o terreno dos valores morais.


Então, a explicação dada por Bolsonaro às complexas questões estruturais do país é que tais problemas são fruto do abandono de valores tradicionais:
  • há desemprego porque as pessoas não buscam mais deus; 
  • há corrupção generalizada porque a autoridade familiar não existe mais;
  • o comércio vai mal porque os gays estão controlando o mundo, etc. 
Por isso, não à toa, seu mote de campanha será o apelo vazio aos valores da religião e do patriotismo. 

No entanto, a grande questão é que o presidente eleito consegue apontar o problema, mas não mostra solução para ele. 

Ora – alguém poderia questionar – mas ele não mostra serem os problemas do país fruto de uma crise de valores? Não estaria aí um indicativo da solução?  
"um vazio interior capaz de abrir programas"

De fato, diria eu, ele aponta uma suposta origem do problema, mas há uma diferença grande entre apontar a origem do problema e oferecer uma solução. E Bolsonaro simplesmente não sabe a solução.

Não apenas porque seu diagnóstico seja completamente falso – só o idealismo alucinado acredita serem problemas concretos fruto de crises de valores – mas porque sua performática o incapacita de oferecer soluções, pois ela existe exclusivamente  para promover a pessoa de Bolsonaro.

Diante disso, de onde, de fato, sairão as possíveis soluções? É aqui que entra o conceito de cavalo de Tróia

O ponto é: Bolsonaro não possui programa, mas possui um vazio interior capaz de abrir programas que, muito provavelmente, jamais conseguiriam chegar ao poder por conta própria, mas o fizeram usando um atalho chamado Jair Bolsonaro. (por David Emanuel de Souza Coelho)                    .
Piores momentos do Bolsonaro no Câmara Aberta (1999). Os
interessados na íntegra da entrevista poderão acessá-la aqui.

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