quarta-feira, 21 de novembro de 2018

AS ABERRAÇÕES DO "MAIS MÉDICOS" E O IMPERATIVO DE A ESQUERDA ASSUMIR SEUS ERROS E RECICLAR-SE URGENTEMENTE

O PT foi como uma praga de gafanhotos devastando a esquerda brasileira.  E o pior é que, quando acreditamos que seu potencial de danos se esgotou, surge sempre mais um. Parece um pesadelo que nunca termina.

Acaba de ser noticiada a existência de telegramas da embaixada brasileira em Cuba que reconstituem os trâmites entre os dois governos para a criação do Mais Médicos.

Revelam que o programa foi proposto por Cuba e, após um ano de tratativas sigilosas, à última hora se decidiu triangular o negócio, para tornar desnecessário o aval do Congresso Nacional (uma exigência incontornável caso o acordo fosse fechado entre nações). Assim, ficou decidido que o Brasil faria os pagamentos à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), esta os repassaria a Cuba e Cuba remuneraria os doutores. 

Os telegramas também deixam claro que o Brasil aceitou todas as exigências de Cuba e nenhuma das partes discordou de que os médicos recebessem apenas 25% do valor estipulado por seu trabalho e o governo caribenho, 75%. A única discordância foi numérica, conforme consta no despacho sobre a reunião:
"O lado brasileiro propôs a quantia de USD 4.000 (USD 3.000 para o governo cubano e USD 1.000 para o médico). A parte cubana, por sua vez, disse que contava receber USD 8.000 por médico e contrapropôs USD 6.000 (USD 5.000 para o governo cubano e USD 1.000 para o médico)".
De resto, a participação da Opas não só serviu para aplicar um passa-moleque no Congresso, como sistematizou a entrega do pagamento a outros que não aqueles que o fizeram por merecer; e ainda dificultou a abertura de eventuais processos contra o governo de Cuba por parte dos explorados, já que o vínculo deles era com a tal Opas.

Para um partido que foi fundado por remanescentes da esquerda que lutara contra a ditadura militar, religiosos seguidores da Teologia da Libertação e expoentes do novo sindicalismo surgido no ABC paulista, constatam-se quatro quebras de princípios indesculpáveis, inadmissíveis e vergonhosas:
— como puderam os opositores históricos do capitalismo conceber um programa tão característico da exploração do homem pelo homem? 
como puderam conceder de mão beijada aos inimigos de classe o trunfo de poderem trombetear aos quatro ventos que esquerdistas consideram justo os trabalhadores receberem apenas um quarto do fruto de seus esforços? 
A presidente parece ter esquecido os valores da militante
— como pôde o governo de uma ex-presa política aceitar a imposição cubana de que se tomassem providências para evitar a repetição do que ocorrera quando FHC era presidente e, finda uma parceria semelhante (só que em menor escala), cerca de 400 profissionais cubanos optaram por permanecer no Brasil?
— como puderam os que rejeitam taxativamente os esquemas de terceirização, denunciando-os como responsáveis pela precarização dos direitos trabalhistas, consentir em que trabalhadores sejam privados até mesmo da oportunidade de processar os verdadeiros patrões?
É de pasmar que Dilma Rousseff e seus aspones, além de baterem o martelo para todas estas aberrações, não hajam sequer se dado conta do efeito devastador que elas teriam quando dadas a público, pois o embargo por sigilo era de apenas cinco anos!

Resumo da ópera: graças aos esqueletos existentes nos armários dos governos petistas, Jair Bolsonaro vai sair das cordas e contra-atacar, atenuando o impacto da constatação de sua indiferença face aos infortúnios dos brasileiros mais pobres e vulneráveis.
Temos de empurrar de novo a pedra para o topo

E o episódio serve como alerta: se eram esses os parâmetros dos negócios firmados pelas administrações do PT, é de esperar-se que o governo Bolsonaro, passando um pente-fino nos arquivos, inunde o noticiário com revelações chocantes nas primeiras semanas após a posse.

A opção que resta para a esquerda brasileira é deixar-se destruir por tal ofensiva pra lá de previsível ou, de uma vez por todas: 
— posicionar-se face aos muitos e enormes desvios cometidos pelo PT com relação aos valores em nome dos quais foi constituído em 1980; 
avaliar as responsabilidades pessoais dos dirigentes que tomaram decisões inaceitáveis ou se omitiram quando elas eram tomadas; 
definir novas linhas-mestras de atuação, depois que as anteriores foram incapazes de evitar desastres como o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição de um presidente de extrema-direita; e 
dissolver os partidos que tenham definitivamente se desqualificado para continuar representando os ideais de justiça social e liberdade, concentrando os quadros idôneos nas siglas que não se emascularam em meio à embriaguez do poder, bem como naquelas que deverão ser criadas sob novas perspectivas políticas e diferentes padrões morais.
Deveríamos ter feito a lição de casa a partir da extinção definitiva do mandato de Dilma, em 31 de agosto de 2016. Agora, desperdiçados mais de 26 meses, só nos restam 40 dias.

Depois começará o dilúvio.
.
(por Celso Lungaretti)

7 comentários:

Anônimo disse...

Caro Celso o que acha disso:https://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/e-se-cuba-decidiu-retirar-medicos-pressas-pois-eram-espioes/

celsolungaretti disse...

O autor, Rodrigo Constantino, é um ultradireitista com carteira assinada. Credibilidade zero. Quis apenas arrumar uma desculpa esfarrapada para a lambança bolsonarista.

Infelizmente, havia um trunfo bem melhor para o contra-ataque: a informação verdadeira que a Folha noticiou.

Como é que um jornal fica sabendo da existência de algo como os telegramas em posse da embaixada? Evidentemente, porque alguém favorável ao Bolsonaro fez chegar à redação a dica de onde eles deveriam ser procurados.

É por isto que eu prevejo um Deus nos acuda a partir da posse. Uma tarefa das novas equipes certamente vai ser procurar outros podres. Os funcionários vão ajudar, para garantirem a continuidade no emprego.

E pelo quase nenhum cuidado dos petistas em ocultar as "inconveniências" nos trâmites do Mais Médicos, supõe-se que tenham deixado digitais em muitas outras armas de crimes. A lama infestará a mídia e vão haver investigações policiais, judiciais, CPI's, etc.

Seria bem melhor para a esquerda brasileira que, quando esse circo estivesse ocorrendo, o PT já nem existisse mais. Mas, é claro que os dirigentes vão ignorar o óbvio, como sempre.

SF disse...

***
Celso, este final é um pouco apocalíptico.

Temos todo tempo à frente. Não para reconstruir o que nunca existiu, uma agremiação política proba, mas para começar a construir a alternativa ao capitalismo moribundo.
A máquina de acumular riqueza na mão de poucos está parando.

Por todos os lados as inúmeras bolhas estão no limite da explosão: bolha das bolhas americana, bolha imobiliária chinesa, bolhas imobiliárias ao redor do mundo (Brasil, Londres, Austrália, etc).

Vem aí o profetizado por Dalton: a GEELE (Global Economic Extinction Level Event).

O aperitivo veio na mais descarada das bolhas: as criptomoedas.
Já incineraram mais 70% da riqueza que representavam. Em um ano.

The end is near.

celsolungaretti disse...

Também acredito que o capitalismo esteja marchando para a pior crise por ele já enfrentada, SF. Mas, não há como sabermos QUANDO isto ocorrerá, nem se será a crise DEFINITIVA ou se ele ainda vai ter alguma sobrevida.

E acredito que a esquerda ainda tenha um papel a desempenhar, mas não o de tentar mudar a sociedade por meio do voto, isso ficou lá para trás.

Assim como não alcançou o século 21 aquele modelo de revolução do Marx, Engels, Lênin, Trotski, Mao, Chê e que tais, uma transformação CONSTRUÍDA etapa por etapa.

A bola está com o Marcuse: o sistema, seduzindo o homem comum com o consumo e lavando sua mente com a comunicação de massas, fechou o espaço para a formação de uma consciência crítica por parte de contingentes mais amplos.

Eles nada conseguem enxergar além da realidade atual com seus limites atuais. E tentam sair da armadilha em que estão a partir das opções existentes, só que nenhuma dela é capaz de detonar a lógica da dominação.

Então, as contradições acabam explodindo de um instante para outro, para darem vazão a todos os impulsos e tensões represadas. Foi o que aconteceu, p. ex., no maio parisiense de 1968 e nos protestos brasileiros de junho de 2013.

As janelas revolucionárias, doravante, só vão abrir-se nessas ocasiões especiais (e também como consequência das crises agudas que nos aguardam adiante: a econômica e a ecológica).

Mas, para serem aproveitadas tais oportunidades, no sentido de reformatar-se a sociedade com base na priorização do bem comum e não do lucro, será necessária uma vanguarda que saiba orientar-se e orientar o povo em meio ao caos.

É essa vanguarda que temos de forjar. Daí meu empenho em reciclar a esquerda, pois a experiência pregressa nos ensina que precisaremos tanto dos esquerdistas que tenham conseguir sobreviver moralmente à profunda crise moral das últimas décadas, quanto dos jovens recrutas que tragam o ânimo e a ousadia imprescindíveis para a tarefa de reconstrução que temos pela frente.

Anônimo disse...

Não encontrei a matéria na Folha.

celsolungaretti disse...

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/11/telegramas-detalham-drible-no-congresso-para-brasil-e-cuba-criarem-o-mais-medicos.shtml

Anônimo disse...

Grato. Estava procurando na edição de 21/11.

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