domingo, 18 de novembro de 2018

SOU QUASE DESCONHECIDO. QUE DELÍCIA!

dalton rosado
AS DESVENTURAS DO EGO EXACERBADO E DA FAMA
Quincy Jones, o músico e produtor estadunidense festejado pelos mais proeminentes astros da música pop (ele foi produtor de ninguém menos do que Ray Charles, Frank Sinatra e Michael Jackson, entre outros), do alto do seu prestígio, convidou os mais destacados intérpretes para juntos cantarem trechos da música We are the world, com cunho beneficente. 

Todos aceitaram a tarefa humanitária, mas Quincy, conhecendo as vaidades humanas e em especial dos semideusas da música pop, colocou na porta a frase ao entrar, deixe o seu ego na porta. Como todos estivessem em pé de igualdade como superstars, entravam, desciam do Olimpo e se reumanizavam. 

Assim, tudo terminou como um grande sucesso (vide vídeo abaixo).

Houve um momento da minha vida, entre as décadas de 1970 e 1980, em que era relativamente conhecido em Fortaleza, por força da minha constante presença na mídia.
Reunião da prefeita Maria Luíza com seu secretariado

Isto se deveu inicialmente à minha atuação na defesa dos direitos humanos (fui advogado fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos humanos da Arquidiocese de Fortaleza, sob o arcebispado de D. Aluísio Lorcheider); depois, por ter sido secretário de Finanças e, em seguida, candidato apoiado por Maria Luíza Fontenele para sucedê-la à frente da prefeitura de Fortaleza. 

Ainda não tinha a compreensão da inocuidade do exercício de tais funções governamentais, que me viria quando aprofundei-me na crítica da economia política, mas posso afirmar que a relativa fama que experimentei não foi boa. 

Quando saía para qualquer evento público ou mesmo para um simples jantar, era sempre reconhecido (mesmo numa cidade que hoje conta com mais de 3 milhões de habitantes na grande Fortaleza) e eram dois os tipos de abordagens:
 a) agressões daqueles que por qualquer motivo não gostavam do que eu fazia ou deixava de fazer; 
b) a bajulação daqueles que me admiravam exageradamente ou queriam fazer o papel de papagaio de pirata e parecer amigo.
Elvis Presley, decadente e obeso, 3 meses antes da morte
Ambos os procedimentos, claro, me desagradavam. Assim, quando podia, o que mais gostava era de ficar em casa lendo, escrevendo, ou assistindo a um bom filme, como qualquer mortal.

O tempo passou, fui mudando os meus conceitos, distanciando-me dos holofotes da mídia e, passadas exatas três décadas (a minha candidatura, que acabou causando a expulsão do PT, era contra o Ciro Gomes em 1988), sou quase desconhecido. Que delícia! 

Fico a imaginar o preço que muitos astros e celebridades internacionais pagam pela fama, que já destruiu vidas e mais vidas.  

Elvis Presley, o rei do rock’n’roll, morreu aos 42 anos abandonado por sua belíssima mulher Priscila Presley, quando tantas outras suspiravam ao vê-lo nos palcos. Um abandono que mexeu com seu ego de símbolo sexual (acreditando no próprio mito, ele supunha ser alguém muito especial nesse campo...).

Elvis experimentou uma vida reclusa em hotéis e em Graceland (a sua mansão), cercado por bajuladores (a chamada máfia de Memphis), entediado por ver tudo que tocava virar ouro.
"Menino rebelde e encrenqueiro"? Disfarçava bem...

Tal qual o rei Midas da fábula, acabou sendo destruído pela fama e pelo dinheiro abundante, que não compensam estar-se privado do mais simples, natural e prazeroso deleite da vida humana: o convívio anônimo com bons amigos e a possibilidade e de fazer aquilo de que mais se gosta sem ser foco permanente de atenção.

Os primeiros momentos da fama são deslumbrantes para quem buscou-a com afinco, talento e desejo de ser reconhecido, ainda mais quando se trata de alguém antes tratado como pária social (caso de John Lennon, o menino rebelde e encrenqueiro criado pela tia e cuja relação com a mãe que amava era das mais tempestuosas).

Mas, tão logo esse desejo de reconhecimento é alcançado (os artistas buscam abnegadamente a fama, ignorando as suas armadilhas),aparece o outro lado da moeda. Logo vêm:
a) a reclusão em hotéis e residências, cercados por pessoas geralmente fúteis e interesseiras que apenas querem ser vistas ao lado do grande astro (quase sempre levando para descaminhos não recomendáveis); 
"A fama excessiva é destrutiva"
b) a busca pelo prazer sofisticado e falsamente superdimensionado, que muitas vezes deriva para o uso de drogas ou para práticas de consumo espetaculares, inacessíveis aos simples e pobres mortais, que terminam por demonstrar o vazio de tais experiências.
A verdade é que a felicidade, sempre buscada mas geralmente fugaz, está nas coisas mais simples que um ser humano possa fazer e sentir, tal como um beijo espontâneo e agradecido de um filho(a) que sente em você um pilar de apoio e carinho, ou um gesto de amizade sincero numa hora difícil.

O ego exacerbado e a fama excessiva são destrutivas, principalmente para quem acredita no próprio mito. (por Dalton Rosado)

2 comentários:

SF disse...

***
Estou lendo O Lobo da Estepe de Hermann Hesse e, logo no início do livro do Lobo, está a famosa inscrição na porta ogival: TEATRO MÁGICO. SÓ PARA RAROS, SÓ PARA RAROS... SÓ PARA LOUCOS.
Essa fina alegoria remete ao mistério mais profundo e indizível do ego.
...
No seu texto você trata de um tipo especial de personagem (o famoso) que é apenas uma das incontáveis facetas do ego, pois existe também o "anônimo".
Ambos, famoso e anônimo são ego, pois todo tipo de dualidade é ego.
Acima do idealismo dual existe a realidade causal.
A dualidade reforça o ego e a identificação com o personagem que se esteja representando no teatro mágico (lembra do Herse?), ao passo que a causalidade, inerente à realidade, destrói o ego.
...
Ocorre que é muito doloroso e difícil acordar da ilusão do ego e, por isso, não se deve ir além.
E diria que é mesmo muito arriscado questionar as instruções da "carta guardada na gaveta" (Sidarta).
Nela estão seu nome, sua idade, nacionalidade, status social... resumindo: toda descrição do personagem que você diz que é.
...
No entanto, em que pese ser muito mais prudente ser um prosaico "alguém", alguns inteligentes começam a ter insights de que exista o "ninguém".
...
Devo parar por aqui.
Existe uma impossibilidade linguística de expressar o além do ego.
É assunto "só para loucos" como diria o Hesse.
...
De minha parte, mantenho-me atento as instruções sobre o meu personagem. Vivendo uma vida pacata, anônima, com pequenos prazeres e alguma dores.
É bem mais fácil e acaba logo.

celsolungaretti disse...

Caro SF,

todos nós temos ego, que, inclusive, sempre vem acompanhado de vaidades (como até a vaidade de não ter vaidade). Quando em doses aceitáveis refere-se àquilo que entendemos como valores virtuoso,s que nos enchem de brio. É o ego saudável.

Condeno no meu artigo o ego exacerbado que faz com que o seu detentor se ache um ser superior aos demais. Isto geralmente termina muito mal, pois é quando o egoísta se dá conta da falibilidade humana e inerente à sua própria pessoa.

Já estava sentindo falta dos seus comentários atentos.

Um abração e boa semana. Dalton Rosado.

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