domingo, 18 de novembro de 2018

"ESSES MOVIMENTOS CONSERVADORES SÃO UM SOPRO DE BARBÁRIE", DIZ MARCO LUCCHESI, PRESIDENTE DA ABL

Entrevistado pela empresa pública de comunicações alemã Deutsche Welle, o presidente da Academia Brasileira de Letras, Marco Lucchesi, qualificou de "um retrocesso civilizacional inenarrável" a onda conservadora que grassa no mundo e agora chega estridentemente ao Brasil.

Escritor, poeta, professor, ensaísta e tradutor, Lucchesi se posicionou de forma digna e corajosa, não se esquivando de chamar de barbárie o que barbárie é, por mais que muitos civilizados se omitam e dourem a pílula, não assumindo as responsabilidades que são inseparáveis da posse do saber num país em que tão poucos o detêm e tantos são dele carentes

Eis as perguntas e respostas mais marcantes: 

Deutsche Welle: Essa onda conservadora e moralista pode impactar a produção de livros ou mesmo tirar dos nossos currículos clássicos literários?

Marco Lucchesi: Isso é um regresso civilizacional. Inenarrável. A obra é autotélica. Ela tem uma finalidade em si própria. Ela não está colocada sub judice. A literatura, p. ex., pode ser boa ou má, mas não santa ou perversa.

Esses movimentos são um sopro de barbárie. A barbárie, como tal, é desprovida de inteligência, desprovida de sentido e de orientação. Ela quer destruir, mas não sabe o que fazer. Ela só é alguma coisa momentaneamente pelo uso da força, mas a força também é desprovida de inteligência. Isso tudo aborrece, desanima, perturba.
Por que desanima?

Desanima, porque há um diálogo deplorável, de que você não deveria tomar parte. Então, temos que lembrar a defesa do direito de expressão, que a literatura é ficção e pode fazer o que bem entender. Senão a gente cai num mundo esquizofrênico. Já temos problemas demais para resolver.

O que explica a força do conservadorismo e dos chamados bons costumes? E qual o risco de se ter um projeto político muito alicerçado por questões religiosas?

O Estado é laico. Ponto. Essa é uma grande questão, apesar de que, inclusive na televisão aberta, há características de um Estado teocrático. Esse tipo de política acaba construindo valores que não são de abrangência e de cultura da paz.
Lucchesi: "Temos de defender a pluralidade"

Ela [a política] tem que ser voltada para cultivar a diferença. O que nos enriquece é que não temos só uma religião, não temos uma única forma de fazer literatura. Temos de defender a pluralidade. E isso tem que ser ecumênico, ou então ficamos onde estamos.

O senhor fica preocupado quando vê projetos como o Escola sem Partido? Qual a sua avaliação sobre propostas atualmente debatidas para a área de educação?

Essa proposta de Escola sem Partido me preocupa bastante. No Brasil, temos liberdade de expressão e liberdade de cátedra. Ninguém pode me dizer o que devo ensinar dentro da sala. Na escola e nas universidades, devemos ver posições diferentes.

Freud e Marx estão na berlinda da barbárie. Uma pessoa pode concordar ou não com Marx. Mas ele é incontornável. É parte da história do Ocidente. Assim como Freud, que foi uma grande revolução na perspectiva da sexualidade. Não podemos tomar a obra de forma ignorante.

3 comentários:

Anônimo disse...

De passagem para lembrar que alternancia no poder faz parte das democracias. Nao tem nada de retrocesso, e justamente o contrario, as instituicoes ficam mais fortes.

celsolungaretti disse...

O que está acontecendo é uma coisa bem diferente: uma manipulação científica dos humores do eleitorado, por meios ilegais (a enxurrada de fake news e o abuso de poder econômico), para produzir decisões que só refletem um estado de espírito momentâneo e depois se revelam desastrosas.

Já foram três: o Brexit, totalmente desfavorável aos interesses ingleses e que agora os governantes de lá estão tentando tornar o menos nocivo possível, já que não podem simplesmente anular; a eleição do Trump, um presidente desastroso e que também já sofre acentuada rejeição; e o Bolsonaro, que produzirá muito estrago antes de deixar o poder.

As instituições precisam é descobrir a maneira de evitar esse novo tipo de manipulação e estelionato eleitoral, que vai gerar crises políticas terríveis num momento em que os países precisariam é estar concentrando seus esforços na superação da crise econômica.

Alessandro Alcântara disse...

Anônimo das 5h47 PM, alternância de poder é uma coisa, ficar nessa de "melhora e depois piora tudo de novo" é dar voltas no mesmo lugar - cê acha "da hora" viver nesse marasmo pra sempre? Tem sim muito retrocesso, só não vê quem não quer. E daonde que cê tá tirando que as instituições estão ficando mais fortes? O Judiciário prestes a passar 4 anos tentando impedir as cagadas do Bozo é instituição forte? Por que será que o livro Como As Democracias Morrem está sendo tanto divulgado e procurado? Sofrer ameaças de ser intervido por um soldado e um cabo é tornar instituição mais forte?
Brincar de viver fora da realidade sempre dá merda, além de quando a ficha cair o processo ser bem doloroso!

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