sábado, 6 de outubro de 2018

PORRE, PORRETE E PSICOLOGIA DAS MASSAS

Por Mário Sérgio Conti
Em 1961, Jânio Quadros encheu a cara e tentou dar um golpe para passar de presidente a ditador. Bebeu mal, pisou na jaca e fugiu num cargueiro. O golpe veio menos de três anos depois. Foi dado pelas forças que o elegeram. A anarquia serviu de pretexto para chamarem os militares.

Há um mês, o general Hamilton Mourão, candidato a vice de Jair Bolsonaro, disse que o próximo presidente pode dar um autogolpe se anarquia houver. Segundo a Constituição, quem define o que é anarquia e aciona as Forças Armadas é um dos três Poderes.

No Supremo, o presidente no próximo período será Dias Toffoli. Toga preta chegado ao verde-oliva, ele nomeou um general como braço direito. Disse não ter havido nem golpe nem ditadura em 1964. Mandou a liberdade de imprensa às favas e censurou a Folha.

Na Câmara, caso seja acatada a proposta do general Mourão, o presidente será Levy Fidelix. O maníaco do aerotrem chamou os gays de doentes mentais, defendeu que a homossexualidade é contagiosa e associou-a a pedofilia.

Se Jânio era a UDN de porre, Jair é o PSL de porrete. Eleito, terá a legitimidade do voto, o amparo da lei e, a seus pés, partidos prostrados ou servis. Bastará a Bolsonaro dar um assobio da janela do Planalto para chamar os milicos: já avisou que terá um montão de ministros generais.

Enquanto o lobo não vem, os fardados terão com o que se entreter. Como Bolsonaro defendeu a tortura em certas situações, poderão estudar como bem aplicá-la. Arrancar unhas com alicate? Os choques na genitália, tão anos 1970? Ou a uberfashion americana do waterboarding (afogamento simulado)?

O capitão e sua tropa escancaram o que pretendem. Acham o 13º uma jabuticaba a ser erradicada do pomar pátrio. Querem extorquir mais impostos de gente exangue. Estão doidos para privatizar tudo —escolas, hospitais, metrôs e, presume-se, a fabricação em série de paus de arara.

Nas domingueiras na Paulista contra Dilma, em 2016, havia grupos enormes a pregar a volta da ditadura. Tinham caminhões, alto-falantes e proteção da PM —o que denotava um dinheiro razoável e articulação política de porte. Mas esse não é o ponto.

O ponto: os autoritários tinham a simpatia da massa. Ela não os hostilizava, ao contrário. Os pró-ditadura contaram com o acoelhamento interesseiro dos liberais. São minoritários, foi o trololó de um deles ao arrumar o cashmere, amarrado nos ombros com estudada displicência.

Das tardes na Paulista às pesquisas eleitorais, o movimento das massas pela opressão se exacerbou. As explicações políticas, econômicas e sociológicas são indispensáveis. Mas algo sempre parece se lhes escapar: a irracionalidade bestial do fenômeno.

Por que o encantamento com a boçalidade? Por que milhões ficam surdos à razão e se insurgem contra os próprios interesses? Para obter indícios de respostas é produtivo conhecer as especulações de um clássico sobre o tema, Psicologia das Massas e Análise do Eu, de Freud.

Escrito no entre-guerras, o livro teve como móvel a crise da civilização europeia, com a transformação do iluminismo em selvageria. Seguindo Le Bon, Freud diz que, ao se dissolver na massa, o indivíduo solta seus impulsos inconscientes, comete atos contrários a seu caráter e costumes.

O líder, um demagogo teatral, propaga a energia libidinal que une os indivíduos na massa. Os que veem a sexualidade como vergonhosa acatam aquele que diz que eles não devem se reprimir —devem, isso sim, reprimir aqueles que evidenciam a sua sexualidade.

É o caso do aerotrem que atropela gays. Da ira de Bolsonaro contra a curiosidade indecente das crianças em relação à sexualidade. Como o inconsciente do líder fala diretamente ao inconsciente dos indivíduos, a massa fica imune à argumentação fundada na lógica.

O triunfo da irracionalidade se dá por meio de sugestão e contágio. A sugestão faz com que insinuações agressivas sejam aceitas como verdades. É o caso das fake news. Elas se disseminam porque reforçam aquilo em que massa já acreditava. A realidade não importa.

As fake news se espalham por meio do contágio. Ou seja, da união dos sedentos por submissão, que se juntam numa turba onipotente. Hoje, o contágio prescinde até da massa real, concreta: o WhatsApp faz com que células isoladas virem manadas desembestadas em poucos minutos.

No Brasil destes dias a combustão de neuroses particulares em paranoia coletiva parece iminente. A descrença na ação racional, porém, só pode ser barrada por ela mesma: a consciência racional.

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