quinta-feira, 27 de setembro de 2018

UM GOLPE MILITAR À MODA ANTIGA SERIA POSSÍVEL NO BRASIL DE HOJE?

Por Celso Lungaretti
Mea culpa: em meio a tudo que pipoca na imprensa durante este período eleitoral, passei batido por um alerta importante do jornalista, escritor e sociólogo Marcelo Coelho, publicado oito dias atrás na Folha de S. Paulo

Antes tarde do que nunca, reproduzo-o agora. Com um pequeno comentário: há mesmo chance de um golpe militar à moda antiga estar sendo tramado nas hostes bolsonaristas, mas dificilmente teria êxito. Bem mais provável é que desse com os burros n'água, tanto quanto a primeira tentativa dos conspiradores que mais tarde instalaram a ditadura de 1964. 

Foi em agosto de 1961, quando, embora ainda não tivessem cumprido todas as etapas do seu planejamento golpista, sucumbiram à tentação de aproveitarem a renúncia do presidente Jânio Quadros para um improvisado assalto ao poder; o fruto, contudo, estava verde para ser colhido e eles fracassaram.

De qualquer forma, devemos manter um acompanhamento atento dos acontecimentos, pois tudo de que não precisamos neste momento é de uma volta às badernas militares do século passado. 
marcelo coelho
ROTEIRO PRONTO PARA O GOLPE MILITAR
Não vale a pena ver de novo: tanques nas ruas cariocas...
Celso de Barros tem razão. "Não há mais dúvida de que o plano dos bolsonaristas é dar um golpe" (vide aqui).

Seu artigo nem mesmo precisava fazer referência ao vídeo que Bolsonaro gravou no seu leito hospitalar, e que confirma as piores hipóteses.

Ali, o candidato do PSL lança suspeitas de fraude sobre o voto eletrônico e põe em dúvida a isenção dos institutos de pesquisa. Suspeita de um arranjo entre Globo e Datafolha; "com todo o respeito", critica a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e o Supremo Tribunal Federal —que barraram suas iniciativas em favor do voto impresso.

Com a voz enfraquecida, mas até carinhosa em sua rouquidão, adverte sobre a eventualidade de uma vitória petista, e faz uma pergunta de extrema gravidade.
"Meus amigos das Forças Armadas, quem será o ministro da Defesa de vocês? Quem será o nosso ministro?"
Não é preciso somar dois mais dois para perceber, nessa fala de quase 20 minutos, o roteiro completo para um golpe militar. "Raiz, e não Nutella", como diz Celso de Barros.
...e estudantes agredidos no centro velho de São Paulo.

Ou Bolsonaro ganha, ou será fraude. Se as pesquisas disserem que ele perde, são fraude também. Se a fraude prevalecer, Haddad vai tirar Lula da cadeia e levará o país para o caminho da Venezuela... ou de outra "ditadura", como Cuba.

Como em 1964, para "salvar" o país de uma "ditadura comunista", a única saída será uma ação dos "nossos amigos" do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Os quais, no mundo bolsonarista, nunca instituíram nenhuma ditadura.

Sim, fecharam o Congresso, censuraram a imprensa, suspenderam o habeas corpus, cassaram ministros do Supremo Tribunal Federal, prenderam gente sem mandado judicial, torturaram e mataram.

Só que "não era ditadura", sustenta Bolsonaro. Seu raciocínio é risível: o próprio PT surgiu em 1980, e nunca se viu ditadura permitindo a criação de partidos políticos. Nem o golpe de 1964 foi golpe, para o candidato: foi o próprio Congresso quem elegeu Castello Branco (com os tanques, claro, mas isso é detalhe).

O vice de Bolsonaro, enquanto isso, já afirmara que, em caso de baderna, anarquia ou convulsão, as Forças Armadas têm o dever de intervir.
Seria cômico se não fosse trágico: merecemos isto?
Outro general, que aparentemente não faz campanha para nenhum candidato, coloca em dúvida o futuro da democracia. O atentado a Bolsonaro, disse o comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, "confirma que estamos construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade, e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada."

A frase, em entrevista a O Estado de S. Paulo, foi uma constatação de fato. Mas quando um militar declara uma coisa dessas, quem está falando não é um analista político; até a neutralidade, nesse caso, é perigosa. Sem estabilidade, sem governabilidade, sem legitimidade, como ficamos?

Se quisesse, o general Villas Bôas poderia dizer o contrário: "Tenho confiança de que as eleições se darão normalmente, e que o clima de intolerância e radicalismo não prosseguirá num novo governo". Já haveria sombras nesse pronunciamento; seria algo como uma ameaça. Muito pior foi ter dito o oposto disso.

A questão, a meu ver, não é nem Bolsonaro, nem seu vice, nem os militares. A distante eventualidade de uma vitória de Fernando Haddad criará golpistas em toda parte. Nem toda a fisiologia do mundo fará com que o centrão e a direita se animem a frustrar seus eleitores.

O mundo de Alckmin, de Meirelles, de Amoêdo, do PP, do PTB e do DEM lutou ativamente pelo impeachment de Dilma. Aquilo foi café pequeno diante do que se prepara.

Quanto ao PT, vive numa realidade à parte, em que Dilma nunca se aliou a Temer, em que Lula nunca se encontrou com empreiteiros, em que Haddad vai ser um sucesso.

Por Marcelo Coelho
O mito Lula fica a serviço dos interesses da oligarquia partidária, que não admitiu nenhuma aliança estratégica para derrotar, num consenso democrático, a ameaça da extrema-direita.

Já vi esse filme. Não me convencem os argumentos de que o Brasil é uma sociedade complexa demais para viver um golpe militar.

A Alemanha de 1933 era bem complexa também —excessivamente complexa, aliás. Justamente aí é que os toscos, os imbecis e os trogloditas se dão bem. 
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Vladimir Safatle também entrou no clima alarmista, antevendo confrontos
políticos que, por não serem indispensáveis para o poder econômico,
seriam por ele desestimulados como prejudiciais aos negócios

2 comentários:

Anônimo disse...

Vladimir Safatle fez comentários sobre um provável golpe em andamento no debate "O fim da era dos pactos: violência política e novas estratégias", na USP, em 14/9 (http://sociologia.fflch.usp.br/node/304).

O trecho de sua palestra foi publicado aqui: https://www.youtube.com/watch?v=BwLg13hSkRk.

Para ele, é uma ocorrência inexorável.

celsolungaretti disse...

Agradeço a dica, que me permitiu incluir o vídeo no pé do post, oferecendo mais uma informação interessante e pertinente aos leitores.

Particularmente, o Safatle também meio atacado de sinistrose, dando importância exagerada a atores menores da política e parecendo desconhecer que, para o grande empresariado, a insegurança hoje existente no país causa grandes prejuízos.

Pelo que conheço dessa gente, aposto é numa tentativa de esfriarem os ânimos inflamados, tentando chegar a um novo acordo com o PT (se, como tudo leva a crer, o Haddad for o vencedor), para superar-se o mal-estar que vem desde o defenestramento da Dilma.

O Lula poderá se arrepender amargamente de quem escolheu para poste. O Haddad tem todo jeito de ser o homem que negociará em alto nível com o inimigo, conduzindo o PT ainda mais para o seio do capitalismo, como um presidente afinado com o poder econômico, na linha do FHC.

E, se o pacto com o demônio incluir algumas medidas para reativação da economia e aumento do consumo, tirando os coitadezas do sufoco, quem se lembrará do presidiário de Curitiba? Aí, só restará ao Lula negociar também, para obter uma prisão domiciliar (provavelmente em troca da aposentadoria da política).

Uma coisa que o Safatle enfatizou, contudo, é corretíssima: o jogo mudou e a esquerda não acompanhou. Nem sequer parece ter entendido direito o que aconteceu. Desde 1964 o processo de crítica e autocrítica não era tão necessário como agora.

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