Admirador de José Marti, tento ser sempre um homem sincero. Daí não omitir que o 10º aniversário deste blog caiu no pior momento de sua trajetória.
A morte do inestimável amigo e companheiro Apollo Natali, há oito dias, afastou de de mim e do restante da equipe qualquer espírito festivo por um bom tempo. Tratou-se de uma perda dolorosa demais para ser assimilada rapidamente.
Quando me dei conta de que os 10 anos se completariam logo na semana seguinte, meu primeiro impulso foi o de deixar que a data passasse em branco.
O pensamento seguinte, contudo, foi o de que o Apollo tinha muito orgulho de sua participação no blog, tanto que até fazia cópias coloridas dos posts de sua autoria para enviar por carta aos amigos jornalistas.
Então, ele certamente seria o primeiro a objetar; e, com ou sem sua presença física, era obrigatório levarmos em consideração tudo que ele fez pelo blog em oito anos de colaboração inspirada. Isto decidiu a questão.
Mas, antes mesmo do terrível dia 31 de julho já nos sentíamos em pleno inverno de nossa desesperança, como diria o John Steinbeck.
As trevas das quais acreditávamos nos ter definitivamente livrado em 1985 ressurgiram, como nos pesadelos: as pregações obscurantistas obtiveram uma adesão popular que não vinham tendo desde 1964, quando o golpe serviu-se da classe média para efeito de imagem pública mas logo arrancou a máscara, entrincheirando-se no seu bunker e habitat natural, a caserna, para a partir dali impor a ordem unida do arbítrio a todos os brasileiros.
"Cada verso é uma semente/ no deserto do meu tempo"
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Há mais de meio século não corríamos tanto perigo quanto na paralisação selvagem dos caminhoneiros, que deu aos fascistas dos grotões e das periferias a oportunidade para ocuparem momentaneamente o centro do palco, apostando numa violência cega, sem propósito e sem plano de voo, repudiada até pelas lideranças ultradireitistas não totalmente desprovidas de massa encefálica.
Em seguida, a candidatura presidencial de Jair Bolsonaro tentou surfar nessa onda, com insinuações grosseiras de que seria uma opção menos traumática do que a invasão bárbara das hordas que clamam por uma intervenção militar.
O fato de a pretensão da extrema-direita, de chegar ao poder via urnas, já ser página virada à medida que a campanha do Bolsonaro está se esfarelando, não deve nos tranquilizar.
Constatou-se que uma expressiva parcela dos brasileiros pode ser seduzida pela retórica do despotismo, da truculência e da desumanidade, jogando no lixo o pouco que construímos de civilização. É um caldo de cultura que provavelmente ainda gerará mais alguma tentativa golpista similar à que pegou carona no movimento dos caminhoneiros..
"Começar de novo/ E contar comigo/ Vai valer a pena/ Ter amanhecido"
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Por último, aquela esquerda que foi atropelada pelo aguçamento da crise capitalista e reduzida à impotência pelos erros gritantes que cometeu continua esperneando para não morrer, empilhando derrotas e bloqueando o caminho pelo qual deveria estar passando uma nova esquerda, mais coerente e muito mais combativa.
O quadro é desalentador, dá-nos a impressão de termos entrado num túnel do tempo e voltado ao marasmo do final da ditadura, quando o pior do terrorismo de Estado já tinha passado mas a esperança não brotava.
Mas é também o que justifica a existência deste blog, um dos poucos (bem poucos!) que ainda discute o quadro atual sem antolhos partidários, fiel aos ideais históricos da esquerda mas não aos desvirtuamentos das últimas décadas.
Quem nos lê, tem a noção exata de que chegamos ao fundo do poço e só nos resta arregaçar as mangas e, penosamente, voltar à superfície..
Quando as redes sociais são cada vez mais tangidas para o fanatismo cego, com as forças majoritárias passando como rolos compressores sobre as tendências minoritárias dos respectivos campos, aqui o pensamento crítico e o debate civilizado ainda têm vez.
Quando as redes sociais são cada vez mais tangidas para o fanatismo cego, com as forças majoritárias passando como rolos compressores sobre as tendências minoritárias dos respectivos campos, aqui o pensamento crítico e o debate civilizado ainda têm vez.
"Levante-se, companheiro/ Que se hoje somos cem/
Amanhã serão milhões/ Os que estaremos em pé"
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É um blog que não influi tanto quanto os financiados por agrupamentos políticos para a produção em série de prosélitos? Sem dúvida. Mas, há também um lado positivo em inexistirem patrocínios e não termos de prestar contas a nenhum seguidor ou repetidor.
Quem nos divulga –e não impomos restrição nenhuma nem cobramos absolutamente nada dos que o fazem– age apenas por convicção, assim como nossa recompensa pessoal é apenas a certeza de termos sido fiéis às nossas convicções.
Enquanto tivermos pique e lucidez, o Dalton, o Rui e eu continuaremos plantando nossas sementes de um Brasil melhor, livre da ganância predatória e da aberrante desigualdade econômica atual.
Torcendo para que outros jovens, seguindo os passos do David, incorporem-se a nossa equipe se preparem para, num futuro inevitável, receberem o bastão que nós três carregamos há uma década juntos e há um século e meio na soma das trajetórias individuais. (por Celso Lungaretti)
Torcendo para que outros jovens, seguindo os passos do David, incorporem-se a nossa equipe se preparem para, num futuro inevitável, receberem o bastão que nós três carregamos há uma década juntos e há um século e meio na soma das trajetórias individuais. (por Celso Lungaretti)
"Só se for seja lá como for/ O importante é que nossa emoção sobreviva"
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