segunda-feira, 18 de junho de 2018

A VÍDEO-ARBITRAGEM FALHOU? OU FOI A VÍDEO-GATUNAGEM QUE FUNCIONOU?

Por Celso Lungaretti
O veterano jornalista Marcelo Damato criou um blog para abordar a paixão, o dinheiro e o poder que envolvem a Copa, e um pouquinho de bola… Ele aponta um ângulo interessante para tentarmos entender como se validou um gol tão inequivocamente irregular como o da Suíça contra o Brasil. Recomendo a leitura.

Antes, quero apenas dar alguns rápidos pitacos:
  • a foto que mostra oito brasileiros mais o goleiro Alisson rodeando Zuber quando o suíço mandou a bola às redes é eloquente para comprovar a falha de marcação, mesmo tendo existido uma falta clamorosa;
  • o árbitro de vídeo é infalível apenas quando se trata de checar possíveis impedimentos e verificar se uma bola ultrapassou a linha de gol, a linha de fundo e as das laterais dos gramados. A marcação de pênaltis e faltas ainda depende, em última análise, de interpretação humana;
  • para quem duvidar de que o poder político influa em decisões de arbitragem, vale lembrar o Mundial de 1966, quando Brasil, Argentina e Uruguai foram simultaneamente prejudicados de forma igualmente claríssima, evidenciando que daquela vez não seria permitido a nenhum selecionado sul-americano atravessar o samba dos europeus.  
GOL DA SUÍÇA EXPÕE QUEDA DO PODER DA CBF DENTRO DA FIFA
A polêmica surgida em relação ao lance que gerou o gol da Suíça deixou claro um ponto: o Brasil nunca esteve tão órfão dentro da Fifa, ao menos nos últimos 60 anos.

Desde que Ricardo Teixeira deixou a presidência da CBF, em 2012, o poder brasileiro dentro da entidade-mãe começou a cair. Depois da operação do FBI, em 27 de maio de 2015, que prendeu o ex-presidente José Maria Marin e deixou o então presidente Marco Polo Del Nero acorrentado ao Brasil, a queda se acentuou.

O recente episódio envolvendo o atual presidente, o coronel PM Antonio Nunes, na escolha da sede da Copa de 2026, rebaixou a CBF a uma entidade da periferia da bola na hierarquia política de Zurique. Para alguns virou quase um pária.

E quando acontece um problema como deste domingo, o que fazer? Como pode reclamar a pessoa que quebrou um acordo e na última hora votou não só contra os interesses dos seus pares americanos, mas como os da própria direção da Fifa? 

Como pode ser levada a sério uma pessoa que, ao justificar seu voto, parecia uma criança acuada? Como um dirigente que está sendo escondido por seus próprios subordinados na Rússia pode encaminhar uma reclamação?

E não há como pensar que isso não tem importância. Numa entidade com forte caráter político como a Fifa, todo naco de poder é importante. Como em qualquer atividade humana, a política tem peso no esporte.

Não é só por vaidade, diárias e passagens que as federações nacionais disputam todos os cargos em todas as comissões. Ricardo Teixeira nunca gostou muito de futebol, mas sempre ocupou um posto na comissão de arbitragem e por algum tempo foi seu vice-presidente.

O futebol é obviamente jogado e decidido pelos times e pelos jogadores. Menosprezar o papel de craques como Pelé, Garrincha, Romário e Ronaldo –só para falar de alguns brasileiros– é impossível. Quando não há situações-limite, só isso importa. Mas, com alguma frequência, há decisões difíceis. Os árbitros, em geral, tentam acertar sempre, mas não ignoram quais são as equipes politicamente mais fortes.

Não foi por coincidência que o Brasil ganhou as três primeiras Copas após a chegada à CBD (hoje CBF) de João Havelange, que em seguida viraria presidente da Fifa por 24 anos. Havelange não fez gol, mas não desgrudava dos poderosos, até se tornar o maior de todos –de todos os tempos.

De 1958 a 2014, foram muitos os episódios em que o Brasil foi beneficiado nos jogos e fora dele –Garrincha, o craque da Copa de 1962, só disputou a final graças a uma manobra na comissão disciplinar; em 1970, o local de uma semifinal foi mudado para atender a pedido do Brasil. Em sentido contrário, foram bem menos comuns.

A partir de 1989, esse poder se reforçou. Teixeira, que chegou à CBF como um ET, logo mostrou-se um disciplinado pupilo de Havelange. Colocava a si mesmo e a aliados brasileiros em todas as comissões que conseguia. Em 2002, em pelo menos dois jogos, os erros do árbitro beneficiaram a seleção. E não se está atribuindo as conquistas a isso, claro.

Depois de Teixeira, porém, a história mudou. É verdade que a ação do FBI, 41 dias após a posse de Marco Polo Del Nero, cortou a cadeia de passagem de poder do Brasil dentro da Fifa. De uma tacada só, Teixeira, Marin e Del Nero ficaram afastados da entidade.

Mas não há como negar que o comportamento de Marin e Del Nero foi a maior causa dessa queda. Na presidência de Marin, era Del Nero que tinha cargos na Fifa. Era mais conhecido pela idade e curvas das namoradas que levava do que pelo trabalho na entidade. O posterior sumiço dele, pelo medo de ser preso no exterior, prejudicou a CBF ainda mais.
Final de 1966: gol que não houve decidiu prorrogação.   

E, para coroar, Del Nero inventou Nunes como seu sucessor temporário, apenas para impedir que um vice rebelde tomasse posse em caso de seu afastamento. E Nunes logo se revelou uma fonte quase infinita de constrangimento. E só tem piorado.

Agora, surge mais uma consequência previsível dessas decisões desastradas.

No código de honra dos jogadores, está não esperar por ajuda da arbitragem, mas ter a confiança de não serem prejudicados. Para que os brasileiros se preocupem apenas em jogar bola, eles precisam acreditar que suas costas estão protegidas.

Pela primeira vez em muitas Copas, isso pode não estar acontecendo. (por Marcelo Damato)

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