domingo, 13 de maio de 2018

O ATUAL NIILISMO SERÁ A CALMARIA QUE ANTECEDE A EBULIÇÃO?

Ao que se deve o atual niilismo, que permeia a postura dos brasileiros diante de tudo? 

A resposta a tal indagação pode desvendar os mistérios que resultam na apatia do comportamento social dos brasileiros neste ano eleitoral de 2018. 

O atual niilismo social se traduz numa descrença completa no que está posto e numa visão pessimista sobre o que virá; decorre de uma sucessão de governos de orientações políticas mais à direita, centro ou à esquerda, que se alternam no poder e terminam sempre por igualar-se nas suas práticas político-administrativas.

Nada mais keynesiano do que um governo neoliberal na crise econômica; nada mais neoliberal do que um governo keynesiano na ascensão capitalista. 

Sob a égide do capital os governantes, tais quais os surfistas, equilibram-se nas ondas, mas não têm a menor condição de modificar a intensidade e natureza destas mesmas ondas. Não governam, mas são governados por uma lógica ditatorial que lhes é subjacente e que os enquadra em posturas administrativas ou legislativas que pouca ou quase nenhuma diferenciação mostram no ato de governar ou legislar.
Por seu turno, o indivíduo social transformado em cidadão espoliado pelo sistema capitalista e pelo Estado, ente jurídico que ingenuamente acreditou ser seu protetor acima da forma de mediação social estabelecida (a produção de valor como forma de sustento individual e coletivo), sente que o que temos como estrutura social está absolutamente decomposto, mas não tem esperança e crença em algo que o substitua a contento.

Qualquer pesquisa de opinião pública que se faça no sentido de se apurar o conceito dos políticos indicará a completa decepção com relação a todos aqueles que os representam nos dois segmentos políticos, o administrativo e o legislativo. 

O processo eleitoral, como já escrevi noutros artigos, traduz-se na escolha pelo cidadão dentre aquilo que já lhe foi previamente escolhido. Recentemente, num programa da Globonews, causou risos e obteve a concordância dos jornalistas um comentário no sentido de que a eleição seria como um um restaurante no qual se pode escolher qualquer prato, desde que conste do cardápio. 

É graças a isto que o voto (no Brasil, obrigatório) é o exercício de legitimação pelo cidadão de um poder que lhe é estranho e opressor. Daí a Justiça Eleitoral gastar milhões de reais para incutir na cabeça de todos que o voto é um direito. 

Se um dia a reivindicação do voto para todos e com o mesmo peso representou um avanço diante do absolutismo feudal (no qual um monarca a quem se atribuía poderes divinais representava o Estado e a Lei acima de qualquer súdito), disto não decorre automaticamente que o processo eletivo democrático burguês seja verdadeiro aferidor da soberania da vontade popular, nem que ele resulte em benefícios para o povo. 

O processo político-eleitoral, qualquer que seja a estrutura política governamental, é corrupto e corruptivo até a medula.

Entretanto, é difícil para o cidadão comum achar a saída. 

Noutro dia, participando de uma conversa de um grupo heterogêneo de pessoas que haviam se reunido por acaso, e que não me conheciam ou ao meu passado, deparei-me com opiniões que devem grassar em muitos outros grupos de igual formação. 

Aqueles de pensamentos mais conservadores (e que pareciam ser a maioria do grupo) externavam a sua satisfação em atribuir o tradicional caos brasileiro, agora acentuado, ao desgoverno do PT e à corrupção; já aqueles de pensamentos mais à esquerda ( que pareciam estar em minoria) tentavam justificar o caos fazendo uma analogia aos governas militares e aos governos civis de Sarney, Color de Melo e FHC, que em nada melhoraram a vida do brasileiro comum, além de, ao mesmo tempo, apontarem as melhorias sociais sob os governos Lula e Dilma.

Eu, que permanecera calado observando o desenrolar daquela conversa cujo teor é hoje muito comum, não pude deixar de manifestar a minha opinião no sentido de que as duas vertentes de pensamento estavam equivocadas.

Afirmei que qualquer governante que venha a assumir a direção político-administrativa do país estava previamente submetido às intempéries atuais da economia que é quem governa, cabendo a estes apenas o seguinte:
a) administração acadêmica da condução da economia nas suas correntes neoliberal, keynesiana, ditatorial estatizante, teocrática, etc; 
b) administração da escassez de recursos; 
c) administração da impagável dívida pública e seus juros escorchantes;
d) administração do déficit previdenciário, cada vez maior por força do desemprego estrutural;
e) repressão caótica da violência urbana causada pela desestruturação social, fruto da baixa renda e do desemprego;  
f) implementação cada vez maior da cobrança de impostos a uma população exaurida, numa tentativa inglória de assegurar maior governabilidade. 

Diante de tal interferência, todos se voltaram contra meus argumentos, afirmando que, já que eu era contra tudo e contra todos, apontasse a saída.

Não queria eu aprofundar a discussão sobre tal tema num sábado de carnaval, pois isto envolveria uma avaliação mais complexa de todos os fatores históricos e atuais do desenvolvimento capitalista que agora encontrou a seu ponto de declínio irremediável. 

Minha reticencia em discutir ocorreu porque minha filha havia me pedido para evitar azedar o ambiente, não entrando em qualquer provocação nem levantando as minhas estranhas teses. 
Então, para encerrar o papo e poder fugir de uma discussão que se prenunciava acalorada e infrutífera (principalmente sob os efeitos etílicos), disse apenas que, para resolver o problema, teríamos de abolir o dinheiro. 

Diante do estupor de todos diante daquela assertiva que mais parecia uma heresia fora de cogitação, a reação grupal foi a de que eu estava a propor algo fora da realidade, impossível de se concretizar e, portanto, fora da discussão.

Assim, como um herege diante de crentes, pude me levantar e sair da roda para tomar uma caipirinha e comer uma pesada feijoada, mas bem mais leve do que as concepções preconcebidas e equivocadas das duas correntes que formavam a discussão que eu presenciara. 

O DECEPCIONANTE LEGADO DAS ADMINISTRAÇÕES DE ESQUERDA NA AMÉRICA LATINA – Nada é mais penoso quando se quer atingir um objetivo do que a falta de meios para tanto. 

É como se jogar um jogo de futebol com regras parciais que beneficie apenas um dos contendores, do tipo: 
a) qualquer falta cometida em qualquer lugar do campo seria pênalti para o mandante, enquanto que somente seria marcado pênalti para o visitante quando a falta fosse cometida dentro da pequena área; 
b) cada gol valeria por dois para o mandante, mas dois gols valeriam apenas um gol para o visitante; e assim por diante.   

Podemos adequar a metáfora acima à administração socialista de um país cuja mediação social seja feita a partir das categorias capitalistas.

O caso mais flagrante e atual da ingovernabilidade de um pais com norte socialista e mecanismos capitalistas de mediação social é a experiência da Venezuela. 

Trata-se hoje de um país ditatorial, militarizado, estatizante, pretensamente anticapitalista e anti-imperialista, mas que, contudo, baseia a sua vida social em critérios capitalistas. Ou seja, lá estão presentes todas as categorias capitalista fundantes, como o trabalho abstrato, o mercado, as mercadorias, o dinheiro (espécies do gênero forma-valor), e seus instrumentos de apoio como Estado e suas instituições, a política, etc. 
Ora, o principal comprador do petróleo Venezuelano eram os Estados Unidos, seu inimigo nº 1 declarado; e, como ocorre com todos os países exportadores de matéria-prima, as oscilações do preço do petróleo (sua mercadoria preponderante) no mercado determinam a capacidade financeira do governo e da economia como um todo. 

A Venezuela é um exemplo vivo do que estamos falando, e tem tudo para cair nos braços da capital liberal num futuro breve, provocando ainda mais a descrença em qualquer alternativa fora do capitalismo.  

A dependência de tudo e de todos à economia e seus dissabores, sem que aparentemente possamos dela nos livrar (para muitos viver fora da economia mercantil é como se querer viver sem tomar água, p. ex.), é a causa do niilismo atual. 

É como se, diante de impossibilidade de saída social coletiva, cada um tomasse a iniciativa de salvar a própria vida (cada um por si e Deus por todos...), inexistindo força gregária social capaz de unir todos os sentimentos de frustrações e alternativas sociais emancipatórias num movimento indestrutivelmente forte.
Por Dalton Rosado

Neste sentido, as administrações petistas e outras de igual teor na América latina (vide as medidas de governo adotadas na Nicarágua pelo outrora revolucionário sandinista e atual presidente Daniel Ortega) representaram um retrocesso na luta do povo por franquias sociais emancipacionistas. 

Mas tal niilismo não há de durar para sempre, podendo o marasmo se transformar em revolução verdadeiramente emancipacionista.

4 comentários:

Valmir disse...

os militares foram os últimos (e os únicos) que achavam que podiam governar o Brasil e tentaram fazer isso...ninguém mais nem chegou a tentar.
Se tivessem tentado também não teria dado em nada...esse lugar é ingovernável
Basta ver qualquer reunião de condomínio.
Isso não vai a lugar algum.

Anônimo disse...

***
No caso brasileiro, falar de escassez (alínea b) é deboche.
A única coisa que escasseia é caráter.
Como noticiado, rouba-se até a merenda das crianças.
Isso é o retrato das administrações bananenses de qq viés ideológico.

Valmir disse...

voltando ao tema...
Afonso Henriques de Lima Barreto
Geraldo Vandré
Gonzaguinha
Glauber Rocha
Henfil
Raul Seixas
Paulo Francis
Betinho
Darcy Ribeiro
Leonel Brizola
Cassia Eller..
E mais uma lista imensa que qualquer um pode lembrar...
O que tem em comum? Bons brasileiros, inteligentes e interessados, morreram antes da hora, (as causas imediatas escritas no atestado de óbito é bobagem, não interessa) em lancinante agonia moral, alguns enlouqueceram antes, jovens, brilhantes... pegaram uma doença fatal em comum...foram mortos por uma imensa e diabólica entidade chamada Brasil e brasileiros, com que se preocuparam a vida inteira, procuraram entender e achar solução:
Não tem como entender e não tem solução...então se vc é jovem e inteligente vai fazer outra coisa...deixa pra lá esse negócio de querer saber pq o Brasil e os brasileiros são como são...é caminho certo para a loucura e a morte.
(Já sei que logo aparece alguma objeção dizendo, por exemplo, que a lista ta errada pq a idade de alguns não condiz com “jovem” e coisas assim..quando isso acontecer darei um suspiro de...alivio: as coisas ainda não mudaram...continuam exatamente como eu disse)

celsolungaretti disse...

===== RESPOSTA ENVIDADA PELO DALTON =====

Resposta aos leitores Valmir e anônimo:

Nenhum governo é capaz de conduzir a bom termo as sociedades, pois toda estrutura verticalizada de poder social é despótica (e com militares que mandam sem ouvir é ainda mais).

O capitalismo é a síntese de um modo de mediação social no qual os indivíduos sociais são livres apenas para obedecerem a uma lógica que lhes é previamente nociva porque cumulativa da riqueza abstrata (que só serve a si mesma) e segregacionista da maioria (até os seus beneficiários capitalistas são súditos privilegiados).

Assim, os governos capitalistas servem a essa mesma lógica, e ao fim, promovem a própria ingovernabilidade. Não dá para fazer analogia disso com às reuniões de condomínio, pois são coisas absolutamente diferentes nos seus objetos teleológicos.

Quanto à afirmação de que a escassez é deboche, devo esclarecer que há escassez sim de riqueza abstrata (valor, dinheiro) no Brasil, pois temos uma relação PIB e população bem inferior àquela dos países desenvolvidos.

Isso não significa que tenhamos escassez em riquezas materiais, pois somos um dos países mais ricos do mundo nessa questão, que deveria ser a mais importante acaso tivéssemos outra concepção de mediação social.

Exemplo dessa escassez de riqueza abstrata é a falência estatal (vide o caso do Rio de Janeiro e de muitos outros grandes estados da federação, e o déficit público do orçamento federal) e do baixo poder aquisitivo das pessoas.

O povo brasileiro é pobre do ponto de vista da riqueza abstrata embora viva ao lado de grandes riquezas materiais. Até na Amazônia o povo tem que morar em palafitas por falta de terras urbanas em meio à baixíssima densidade demográfica da região.

Aqui fica um agradecimento pelas intervenções que possibilitam o debate.

Dalton Rosado

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