segunda-feira, 2 de abril de 2018

A BOMBA-RELÓGIO DO COLAPSO DO CAPITAL FINANCEIRO JÁ ESTÁ ATIVADA – 1

Sobre a crise do sub-prime em 2009: que queimada de língua!
Costuma-se demonizar o capital financeiro, aquele que tenta crescer a partir da fórmula dinheiro que rende juros, ao mesmo tempo em que se valoriza o capital destinado à produção de mercadorias, como se este último fosse algo bom e saudável. 

A falsa dicotomia entre o capital financeiro e o capital industrial ou comercial resulta da incompreensão sobre a essência dos dois, igualmente nocivos à vida social. 

Desde quando surgiram na Grécia antiga, há cerca de 3 mil anos, as primeiras manifestações da troca quantificada (o escambo), gênese da forma-valor, que substituiu a partilha comunitária, e a troca não quantificada (doação de excedentes de produção) e que impôs a necessidade de existência de um equivalente geral que as facilitasse (uma mercadoria por todos aceita), tem-se a ideia (equivocada) de que a mercadoria dinheiro é apenas um mero instrumento de facilitação civilizatória da vida social, tanto quanto os grãos de trigo que se transformam em pão. 

Nos séculos 18 e 19, quando pipocavam as primeiras manifestações contrárias ao capitalismo, surgiram as falsas ideias:
— de que pode haver justa distribuição do dinheiro;
— de que há o capital bom, saudável, que impulsiona a produção; e
— de que existe também o capital parasitário, que se aproveita do suor daqueles que produzem mercadorias.
Frase que acolhia os infelizes em Auschwitz: O trabalho liberta.
Os nazistas tinham como bandeira o combate à usura, ao mesmo tempo em que glorificavam o trabalho abstrato (daí a célebre frase de apologia ao trabalho na entrada do campos de concentração), daí a perseguição aos judeus como se esses fossem a fonte de todo o mal.

A esquerda também incorreu e incorre nesse equívoco histórico, daí não só ter mantido a exploração patrocinada pelo capital via trabalho abstrato nos países que fizeram a revolução marxista exotérica em nome do proletariado, como endeusou dita categoria capitalista colocando nas suas bandeiras a foice e o martelo, símbolos da continuidade da exploração pelo trabalho, substância primária do valor como forma de mediação social.    

Todo capital é acumulação de valor, seja sob a forma dinheiro (mercadoria especial, a única que não tem valor de uso por si só, funcionando como o equivalente geral, mercadoria insensível, a abstração em si) ou sob a forma mercadoria, (sensível, capaz de satisfazer necessidades de consumo) advêm da mesma fonte: a apropriação indébita do valor produzido pelo trabalho abstrato e não pago ao trabalhador. 

Os capitais têm todos a mesma origem, posto que são decorrentes dessa apropriação indébita do valor produzido pelo trabalho abstrato que promove a segregação social e demais males próprios à sua constituição contraditória. 

Incorreu num erro histórico a esquerda quando, interpretando equivocadamente (ou apenas de modo oportunista e cômodo) a crítica da economia política de Karl Marx, entendeu que a acumulação do capital patrocinada por um Estado pretensamente proletário poderia dar à forma-valor um sentido humano e socialmente justo. 
Capitalismo devora a si próprio, "tal qual um enorme dragão"

O que se constatou, também historicamente, é que Marx tinha razão quando afirmou que a dinâmica autotélica de reprodução do capital tem regras próprias que exigem crescimento constante, de forma que, quando não consegue mais expandir-se, morre (tal qual um enorme dragão que, quanto mais cresce, mais precisa comer aquilo que produziu, numa escala crescente, até atingir um limite existencial). 

Assim, a mediação social feita sob seus critérios jamais poderia promover o bem estar social coletivo, caminhando para um impasse intransponível sob seus critérios acanhados.

Isto porque o capital tende a promover a acumulação ad infinitum, enquanto o consumo possui limites pré-estabelecidos e que se reduzem ao longo do tempo por força da própria exclusão social que gera, ainda que, ao mesmo tempo, proporcione luxo e conforto aos seus administradores (capitalistas privados ou estatais), que assim, como súditos fieis e obedientes que são, recebem a paga pelos seus satânicos serviços. 

Para cada riqueza suntuosa corresponde a miséria de grandes contingentes humanos segregados, pois a riqueza abstrata acumulada carrega sempre as manchas do sangue e do suor daqueles que a construíram com seus sacrifícios. 

É por não o compreenderem que os países que fizeram a revolução marxista do movimento operário experimentaram a mesma segregação social (ou até pior em alguns casos, tanto que caíram em descrédito popular) existente nos países que praticam o liberalismo de mercado e a malfadada democracia burguesa.
"A China agora defende a economia de mercado...
A lógica de reprodução do capital é comum aos países ditos marxistas ou liberais, estando a prova disto estampada na aparentemente contraditória postura da China, que agora defende a economia de mercado, enquanto os EUA intensificam o protecionismo de mercado. Cada um age dentro das circunstâncias momentâneas da lógica fetichista do sistema produtor de mercadorias e ambos têm o mesmo fim socialmente destrutivo e formalmente autodestrutivo. 

Nesse sentido, um dos mais evidentes sintomas de que estamos no começo do fim da mediação social patrocinada pela forma-valor (dinheiro e mercadorias) se corporifica na explosiva insustentabilidade do sistema financeiro de crédito mundial, cujos valores estratosféricos prenunciam sua transformação, ora em curso, em mero capital fictício sem substância, prestes a virar fumaça (como riqueza abstrata que é).   
   
O capital que rende juros (ou seja, o capital financeiro) é uma mercadoria que necessita do mercado para se auto-reproduzir da mesma maneira que o capital industrial ou comercial. Ambos vão, portanto, buscar a sua seiva vivificadora na atividade mercantil, que mais não é do que o sistema produtor de mercadorias. 

É graças a essa identidade de objetivos teleológicos que os capitais se identificam, ainda que em processos diferenciados. O capital financeiro opera na formula dinheiro que, vendido sob a forma de empréstimo, volta a ser dinheiro, aumentado (D-D’); o capital industrial e comercial opera na fórmula dinheiro aplicado na produção e comércio de mercadorias que, vendidas, voltam a ser dinheiro, aumentado (D-M-D’).  
...enquanto os EUA intensificam o protecionismo de mercado"

A sacralização do capital que opera na atividade produtora de mercadorias se deve ao fato de que ela produz emprego, o qual, ao invés de ser considerado uma forma de exploração do trabalhador, é positivado como fonte de sustentação do próprio trabalhador, mesmo que este seja subtraído na sua função de produtor de valor e tenha uma vida miserável em razão disso.

A demonização do capital financeiro decorre do fato de que ele parece ao vulgo popular como um sanguessuga da (pretensamente boa) atividade produtora de mercadoria. 

Direita e esquerda costumam considerar a atividade produtora de mercadorias como um dado ontológico da vida social e jamais questionam a sua existência (ainda que a esquerda critique a extração de mais-valia, fazendo-o, contudo, tão somente quando operada pelos capitalistas privados, pois aceita-a quando operada pelo capitalista chamado Estado). 

É deplorável que grande parte da esquerda, apesar de vir se comportando assim através do último século, continue se proclamando marxista! Alguns o fazem por ignorância do sentido geral da obra mais madura de Marx, outros por oportunismo vil. (por Dalton Rosado)
(continua neste post)

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