domingo, 11 de março de 2018

NÃO HÁ CONTRADIÇÃO ENTRE O 'NOVO' NACIONALISMO E A 'VELHA' GLOBALIZAÇÃO

Por David Emanuel Coelho
As recentes medidas de Donald Trump sobre a taxação da importação de aço e alumínio nos EUA justificam o aprofundamento de algumas questões a respeito do retorno do protecionismo em escala mundial. 

Nada mais impactante que a nação responsável pela abertura de mercados nos últimos quarenta anos iniciar um processo de fechamento de sua economia. Aparentemente, estaríamos diante de um ponto de inflexão no comércio mundial. 

Porém, em primeiro lugar, é preciso levar em consideração que o protecionismo jamais foi abandonado pelos países do capitalismo central. Mesmo os EUA sempre mantiveram estrito controle em áreas de sua economia doméstica, podendo ser citados aqui os setores de agricultura e tecnologia. 

Na verdade, o processo recente de abertura dos mercados teve por orientação consolidar a hegemonia do grande capital de origem estadunidense e europeu ao redor do mundo. Os países periféricos e semiperiféricos foram forçados a abrirem-se à instalação de fábricas de multinacionais e à dominação de seus mercados internos pelos produtos destas empresas. 

O principal resultado deste processo foi o deslocamento da zona industrial do mundo para o leste asiático e um profundo processo de rentabilização das burguesias dos EUA e da Europa, com consequente efeito negativo sobre o nível de renda e emprego dos trabalhadores destes lugares.
"O protecionismo jamais foi abandonado"

Nos EUA, p. ex., inúmeros estudos mostram que a renda média do trabalhador vem declinando desde a década de 70. Cidades outrora pujantes agora não passam de escombros (Detroit é o caso mais emblemático).

Desde a crise financeira de 2008 a situação se modificou. O capitalismo global foi sacudido por uma titânica queda de rendimentos, levando a economia ao colapso.

Nos países centrais, tal fato foi sentido como retração da lucratividade das burguesias rentistas, forçando-as a ampliar a espoliação sobre os trabalhadores.  Acirrou-se, deste modo, a luta de classes, sobretudo em torno do orçamento público. 

Ora, neste tipo de cenário, com a queda dos ganhos rentistas, as burguesias centrais são obrigadas a voltar-se para dentro de seus países, esforçando-se para operar adequadamente o orçamento público em benefício próprio; afinal, o estado nacional está sob imediato controle das respectivas burguesias de cada país e é muito mais fácil intervir nele do que em estados estrangeiros. 

Ao mesmo tempo, a profunda inquietação da classe trabalhadora demanda uma reposta efetiva para salvaguardar a ordem burguesa, evitando o aparecimento de situações revolucionárias  
Nada se cria, tudo se copia: eis a origem do slogan do Trump!

A burguesia precisa, portanto, voltar-se para seu próprio estado nacional, a fim de recuperar sua lucratividade e também para conter a dissolução da estrutura de classes.

É por isso que o nacionalismo tem ressurgido com tanta força nos últimos anos, manifestando-se na forma de protecionismos, isolacionismos e posições unilaterais.

Seria, contudo, incorreto considerar que esse nacionalismo ressurreto estaria dissolvendo a globalização, processo com uma história de séculos, cuja origem se confunde com o próprio surgimento do capitalismo. 

O primeiro grande processo de globalização foram as grandes navegações do período renascentista, quando Portugal e Espanha chegaram à América, à África e à Ásia, fundando impérios multicontinentais. 

Depois teríamos surtos de globalização no século 18, com a Inglaterra abrindo mercados para seus produtos; no século 19/20, com as disputas interimperialistas; e, finalmente, na segunda metade do século 20, com os EUA. 
"A globalização começou com as grandes navegações"
Em cada etapa, o capitalismo globalizou-se de um modo específico, abrindo mercados e criando espaços produtivos. 

O característico de cada período histórico da globalização é que foram precedidas por um profundo processo de nacionalismo. Portugal e Espanha só se aventuraram ao mar após terem se tornado estados nacionais autocentrados, com um relativo orçamento público para financiar a aventura. 

O mesmo se deu com Inglaterra e EUA, os quais dominaram a globalização em suas respetivas épocas após um intenso processo de fortalecimento nacional. No caso estadunidense, com o adicional de ter passado pelas disputas interimperialistas do século 19/20. 

Ainda que com a globalização avançada, estes países não abriram mão de suas nacionalidades. Ao contrário, foi a autocentralidade nacionalista que permitiu a condução dos processos globalizadores. 

Ou seja, não há contradição entre o nacionalismo e a globalização capitalista. Ao contrário, a globalização é feita a partir do nacionalismo. Muda-se, apenas, a intensidade deste nacionalismo. Épocas de forte radicalização nacionalista costumam ser épocas preparatórias para novos surtos de expansão do capitalismo globalizado.
"Pode estar se iniciando um novo processo de globalização"

Podemos, então, estar assistindo ao limiar de um novo processo de globalização, a acontecer em médio/longo prazo. 

Como será tal processo? Difícil dizer. Só é possível, agora, apontar seu surgimento. 

Só conheceremos melhor a sua estrutura a parir do amadurecimento das tendências históricas hoje latentes. 

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