quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

A COLÔNIA CECÍLIA, UM DOS GRANDES MARCOS DA ATUAÇÃO DOS ANARQUISTAS ITALIANOS NO BRASIL.

Toque do editor
No seu post desta 4ª feira (10) sobre o projeto Sítio Brotando a Emancipação, Dalton Rosado se referiu à célebre Colônia Cecília como uma das muitas "experiências de produção baseadas no pensamento do socialista utópico francês Charles Fourier", lamentando que todas elas estivessem "contaminadas pelo vírus do fetichismo da mercadoria, ainda que se propusessem a uma vida comunitária com regras próprias de horizontalidade social".

Para que os leitores tenham uma ideia mais precisa do que foram as colônias anarquistas de outrora e, assim, as possam comparar com propostas atuais como a do Brotando a Emancipação, nada melhor do que republicar o post e disponibilizar novamente o belo filme La Cecilia (d. Jean-Louis Comolli, 1975).
O EXPERIMENTO DUROU 4 ANOS.
A LENDA SOBREVIVE ATÉ HOJE.
La Cecilia resgata um episódio histórico pouco conhecido entre nós, embora aqui transcorrido: a implantação de uma colônia rural no Paraná, por parte de anarquistas italianos.

O experimento durou cerca de quatro anos, entre 1890 e 1893. Houve muito entusiasmo no início, mas depois foram aflorando os problemas que acabariam levando à extinção da colônia. 

Eis alguns deles:
  • a contribuição desigual de citadinos e camponeses, pois a produtividade dos primeiros era inferior. Deveriam receber a mesma fração dos frutos do trabalho, conforme os ideais igualitários? Isto não equivaleria a uma proletarização dos que produziam mais por estarem acostumados a lidar com a terra? De outra parte, se os lavradores fossem melhor aquinhoados do que os outros, não estaria sendo reproduzida a escala de valores da sociedade burguesa? Inexistia uma solução que contentasse a todos.
  • a dificuldade de lidarem, no dia a dia, com o conceito do amor livre, uma novidade que incomodava principalmente as colonas de origem camponesa;
  • a absoluta falta de seriedade do Estado brasileiro, que já era patético décadas antes de De Gaulle o haver constatado. O imperador Pedro II, atendendo a pedido do músico Carlos Gomes, doou as terras para a instalação da Cecília, mas, proclamada a República, o seu ato foi sumariamente revogado e os colonos tiveram de pagar pelas terras com parte de sua colheita e trabalhando sem remuneração em obras do governo;
  • a hostilidade dos moradores da região (por sentirem-se prejudicados pela concorrência) e de uma vizinha comunidade polonesa, católica e conservadora;
  • as fases de escassez e de fome, com a consequente ocorrência de doenças decorrentes da desnutrição (problemas passageiros, que, contudo, reforçaram a tendência ao egoísmo por parte dos menos convictos dos ideais anarquistas, gerando nocivas divisões);
  • a tentativa do governo de recrutar os colonos (italianos!!!) para combaterem a Revolução Federalista, o que, inclusive, contrariava seus ideais, pois simpatizavam com os revoltosos.
A Cecília chegou a ter 250 moradores, houve defecções em massa, a chegada de novas levas de pessoas atraídas pela divulgação nos círculos libertários europeus, etc. Alguns desistentes migraram para Curitiba, onde fundaram a Sociedade Giuseppe Garibaldi.

É o que o filme mostra, de forma dramatizada e com evidente simpatia pela causa.

Vale destacar que o elenco, cuja única cara familiar ao público brasileiro é a do ótimo Vittorio Mezzogiorno (No coração da montanhaO processo do desejoTrês irmãos), deu perfeita conta do recado.

Particularmente, eu preferiria uma abordagem menos convencional –como, p. ex., a que o cineasta suíço Alain Tanner deu aos ideais de 1968 no seu extraordinário Jonas, que terá 25 anos no ano 2000Mas, sendo tão raras as produções que enfocam episódios históricos ligados ao anarquismo, temos mais é de difundi-las e recomendar a sua discussão.
Chega a ser chocante que, em meio a tanta tralha produzida no Brasil, ninguém haja realizado um filme sobre a Colonia Cecília. Nem sobre a importantíssima greve geral de 1917, a primeira com maior abrangência em nosso País, tendo sido dramática, sangrenta, longa e... vitoriosa!    

A tutela do sectário PCB sobre a historiografia de esquerda implicou a minimização, durante décadas, tanto da Colonia Cecília quanto da greve de 1917. Quando as bandeiras negras anarquistas foram erguidas nas barricadas parisienses em 1968, o interesse dos historiadores por ambas foi reavivado, daí resultando livros e estudos acadêmicos que dimensionaram melhor sua relevância.

Ainda assim, nosso cinema continua desperdiçando estes dois grandes temas. Um pecado!

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