terça-feira, 26 de dezembro de 2017

A VERDADE SOBRE MALUF E A OBAN

Maluf e Marin, agora unidos no infortúnio.
Há uma discussão rolando nas redes sociais sobre o encarceramento de Paulo Maluf aos 86 anos e, desde o primeiro momento, eu me manifestei contrário à prisão em regime fechado de anciães que não tenham sido condenados pela prática de crimes hediondos nem representem um perigo para a sociedade.

Um parecer da Comissão de Estudos de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados de São Paulo vem quase ao encontro da minha posição, ao declarar que "todo encarcerado com mais de 80 anos de idade tem o direito de ser objetivamente transferido para prisão domiciliar, salvo prova em sentido contrário de periculosidade por emprego de violência ou grave ameaça". 

Eu apenas ressalvaria que homicidas dolosos, membros de grupos de extermínio, genocidas, torturadores e estupradores de vulneráveis deveriam ser privados de tal direito, por terem ido longe demais na barbarização de seus semelhantes.

Uma questão interessante que a companheirada levantou é: Maluf não teria cometido crime hediondo como cúmplice das atividades da Operação Bandeirante?

Fui ao relatório final da Comissão Nacional da Verdade e encontrei a Eucatex (companhia pertencente a ele e sua família) citada como uma dentre mais de 50 empresas que deram alguma contribuição à tomada de poder pelos golpistas no dia 31 de março de 1964, além de manter ligação direta com o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, criado sob os auspícios e com financiamento dos EUA para articular o golpe.
Bajulador dos fardados ele sempre foi

Especificamente sobre a Oban, no entanto, nada há de realmente grave contra ele:
"...por determinação do governo, a partir de uma Diretriz para a Política de Segurança Interna expedida em 2 de julho de 1969, o comandante do II Exército, general José Canavarro Pereira, juntamente com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, chefiada por Hely Lopes Meirelles, resolveu unificar os esforços do Exército, da Polícia Federal e das polícias estaduais, civil e militar do estado de São Paulo para o combate aos opositores do regime, criando a Oban. 

O governador Abreu Sodré transformaria as dependências do 36º Distrito Policial, localizado na esquina das ruas Tomás Carvalhal e Tutoia, em um centro de torturas e assassinatos... 

...Por sua vez, a prefeitura de São Paulo, governada por Paulo Salim Maluf, providenciou o asfaltamento da área da Oban, reformou a rede elétrica e iluminou a região com lâmpadas de mercúrio.

Contudo, o apoio mais significativo à Oban veio do grande setor privado nacional, estrangeiro e associado, que forneceu recursos para a montagem daquele aparelho de repressão... 

...Ficou conhecido o banquete organizado pelo ministro Delfim Netto no Clube São Paulo, (...) durante o qual cada banqueiro, como Amador Aguiar (Bradesco) e Gastão Eduardo de Bueno Vidigal (Banco Mercantil de São Paulo), entre outros, doou o montante de 110 mil dólares para reforçar o caixa da Oban.
Base da Oban virou memorial da resistência à ditadura
Ao lado dos banqueiros, diversas multinacionais financiaram a formação da Oban, como os grupos Ultra, Ford, General Motors, Camargo Corrêa, Objetivo e Folha. 

Também colaboraram multinacionais como a Nestlé, General Eletric, Mercedes Benz, Siemens e Light. 

Um número incerto de empresários paulistas também contribuiu, já que a arrecadação de recursos contava com o apoio ativo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por meio de seu presidente, Theobaldo De Nigris.

Nos salões da Fiesp, o ministro da Fazenda, Delfim Netto, era sempre visto fazendo palestras aos empresários, em reuniões onde se solicitavam recursos para financiar a Oban" 
.
Em sã consciência, isso é muito pouco para atribuírem-se crimes hediondos a Maluf.

Mas que eles existem, existem: sua responsabilidade, como governador de São Paulo entre 1979 e 1982, nas dezenas (ou mais) de execuções de suspeitos cometidas pela Rota, a tropa de choque da Polícia Militar de São Paulo.
Delfim Netto e Boilesen: financiamento à Oban.

Correram mundo as notícias de extermínio de pobretões da periferia, seguidas de adulteração da cena do crime para simular resistência à prisão. Mesmo assim, Maluf jamais tomou providências para coibir tais homicídios bárbaros e covardes, além de usar o mote Vou botar a Rota na rua em campanhas políticas subsequentes.

Por aí, sim, as leis deste país facultariam sua prisão em regime fechado, tendo ele a idade que tivesse. Mas, como no caso dos torturadores, faltou aos governantes do Brasil redemocratizado coragem política para passarem o país a limpo, enquanto ainda havia tempo para se conduzirem os que o emporcalharam aos tribunais e às prisões.

Agora, a única justificativa para Maluf estar confinado na Papuda é o Deus escreve certo por linhas tortas da sabedoria popular. 

Há quem se contente com isso. Eu, não. Queria é vê-lo pagando pelo que acontecia quando ele botava a Rota na rua, pois roubar vidas é infinitamente pior do que roubar (desviar) dinheiro – pelo menos na ótica dos seres humanos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Você não deixar passar uma oportunidade de falar sobre o que não sabe para atacar por via oblíqua as posições da esquerda.

Saiba que não somente os crimes hediondos têm início de cumprimento de pena no regime fechado, qualquer pena acime de oito anos tem início de cumprimento de pena em regime fechado. Maluf foi condenado há mais de nove anos então deve começar a cumprir a pena em regime fechado.

Olhe o que consta em nota do CNJ:

"Nos últimos anos tem sido cada vez mais frequente, no noticiário e em outras fontes de informação, a citação de palavras que se referem aos três regimes de cumprimento de penas de prisão – o fechado, o semiaberto e o aberto. Segundo o Código Penal brasileiro, quanto mais grave é o crime cometido, mais rigoroso é o tratamento dispensado ao réu.

No caso do condenado a mais de oito anos de prisão, por exemplo, o início do cumprimento da pena deve ser no regime fechado. Nessa condição, o detento fica proibido de deixar a unidade prisional, como presídio e penitenciária ou mesmo a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) em que estiver cumprindo a pena."

Aqui o endereço jornalista, http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62364-entenda-os-diferentes-regimes-de-cumprimento-de-pena

Outra coisa, Maluf quando foi prefeito de São Paulo foi o responsável por criar o cemitério de Perus para a OBAN e DOPS fazerem os sepultamentos clandestinos, que você já deve ter ouvido falar.

celsolungaretti disse...

"Criticar por via oblíqua as posições de esquerda"? De QUAIS esquerdas, já que existem várias? A esquerda que defende e respeita os direitos humanos não tem nada a ver com essa posição insensível e vingativa de exigir o máximo rigor da Justiça BURGUESA em casos de secundária importância, como os crimes financeiros.

Se há quem condene a mais de oito anos aquele que desvia recursos públicos e faz lavagem de grana, é porque segue fielmente a cartilha do capitalismo: o crime supremo é contra o Tesouro, contra os bancos, contra os Midas do nosso tempo.

Se me baseei em fonte errada, tanto dá, porque o espírito de Justiça continua me ditando que os únicos crimes imperdoáveis são os hediondos, não os contra a propriedade e as atividades financeiras. É este o mundo que a minha esquerda quer construir. Outras esquerdas buscam catarses mesquinhas, em cima de anciães.

Quem não mostra um pingo de compaixão pelos destroços humanos que já estão com o pé na cova, que bem poderá fazer para os explorados? A militância de esquerda é um ato de amor, não uma vendetta de personagem de bangue-bangue.

Quanto ao delírio de que o cemitério de Perus teria sido criado especialmente para a desova de restos mortais de vítimas da ditadura, é uma teoria conspiratória sem pé nem cabeça. Por que precisariam implantar um novo cemitério, se já existiam 18 sob administração municipal que poderiam servir para o mesmíssimo fim?

Mais: não foi só o cemitério de Perus que a prefeitura paulistana inaugurou naquela época, mas também os de Vila Nova Cachoeirinha e Vila Alpina, contra os quais não pesa nenhuma suspeita. Então, o mais sensato é supor que se estivesse ampliando a oferta de túmulos apenas porque a população crescia e morria mais gente.

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