Constatei, na coluna do Nelson de Sá, que os gringos continuam viajando na maionese quando se metem a analisar as perspectivas políticas brasileiras.
"O Financial Times avisa, em vídeo e longa análise, que 'as grandes esperanças dos investidores para o Brasil provavelmente não passarão de um sonho'. Explica:
— Mesmo que Mr. Temer sobreviva, seu mandato termina no próximo ano. Se as pesquisas estiverem certas, seu mais provável sucessor, Jair Bolsonaro, é um populista de extrema-direita que pensa que a polícia deva ter licença para matar. As perspectivas de reforma liberal são sombrias".
Quando eu trabalhava em editorias de economia, ocorria de ter de traduzir e copidescar artigos desse intragável jornal internacional de língua inglesa. Ficava pensando nos prejuízos que os investidores, seu público-alvo, sofreriam se acreditassem piamente naquelas análises...
Desta vez o FT começa acertando ao escrever que os investidores não devem ter grandes esperanças para o Brasil, mas não explica satisfatoriamente o porquê. Faço-o eu.
É que o capitalismo, cada vez mais próximo de sua fase terminal, já não consegue assegurar prosperidade duradoura para a maioria das nações ao mesmo tempo.
Sobrevive transferindo sua crise crônica de uns países para outros, já em plena contagem regressiva para a chegada da depressão generalizada que o fulminará (esta não tem data marcada para acontecer, mas dificilmente deixará de ser nas duas próximas décadas).
Isto, contudo, não impedirá que as tais reformas liberais sejam enfiadas goela dos brasileiros abaixo, ou ainda por Temer, ou pelo seu sucessor, pois não se vislumbra força política nenhuma, com chance de vitória em 2018, que tenha cojones para desobedecer às imposições dos amos e senhores. Dilma só não as implantou por falta de competência, mas tentar, bem que tentou...
Nem tampouco impedirá que o Brasil, depois de vários anos de recessão, venha a registrar algum aquecimento da economia em 2018, primeiramente porque a dita cuja estava contraída demais em função das políticas econômicas desastrosas dos governos de Dilma Rousseff; e depois porque os donos do PIB continuam tendo poder de fogo suficiente para gerarem um pequeno boom no ano eleitoral e, com isto, elegerem os serviçais... quer dizer, os candidatos de sua preferência (foi o que fizeram em 1970, quando fabricaram o milagre brasileiro para que a ditadura militar se consolidasse).
Para os especuladores interessados em grandes negócios de curto prazo, o Brasil deverá ser um prato cheio no ano que vem. Aí, eleições findas, a virada da maré será só questão de tempo. Tudo indica que um eventual milagrezinho brasileiro durará bem menos do que os aproximadamente quatro anos do anterior.
O milagre original: só restaram os débitos. |
Pelo mesmo motivo (a perspectiva de que as eleições transcorrerão com os eleitores contentinhos por finalmente terem uns trocados no bolso), as chances dos candidatos que se beneficiariam da insatisfação popular serão ínfimas.
Jair Bolsonaro, nem pensar! Ultradireitistas nunca se elegem presidentes no Brasil, só chegam ao poder quando as baionetas e os tanques substituem as urnas.
E o Lula (supondo que lhe permitissem disputar o pleito, o que se torna cada dia mais improvável) tem índice de rejeição tão acentuado que só venceria se a alternativa no 2º turno fosse um espantalho tipo Bolsonaro. Tal polarização poderia ocorrer se as eleições fossem em outubro próximo, contudo dentro de mais de um ano tudo estará mudado.
Para fechar com chave de ouro este post, recomendo a audição de uma magnífica canção de festival da qual poucos se recordam: Hey, mister, de Ary Toledo e Francisco de Assis, que participou sem destaque do V Festival da Record, em novembro de 1969. Parece ter sido feita exatamente para os analistas metidos a bestas do Financial Times...
Mostra um pegajoso malandro brasileiro tudo fazendo para empurrar qualquer souvenir ou atração local a um turista; entre servil e zombeteiro, ele deixa perceber seu desprezo pelo bobalhão (Quer comprar banana, mister? Banana very good!).
Era exatamente esta a visão que tínhamos então dos estadunidenses, como os que foram fazer proselitismo da Aliança para o Progresso no meu ginásio, com suas camisas brancas de manga curta, sua calças bege e cintos grossos, suas caras redondas de bebês Johnson, numa época em que todos nós vestíamos roupas coloridas e deixávamos cabelo/barba crescerem livres e soltos ...
4 comentários:
Pequenas observações:
O "milagre econômico" brasileiro durou 5 anos e não foi produzido pelos donos do PIB local. Bem ou mal os ditadores tinham um projeto econômico, aliás, muito semelhante ao do governo Lula. Sem falar que entre 1970 e 1975 o Brasil correu o pires e o chapéu nas instituições multilaterais de crédito e na banca privada, gerando a maior dívida externa do mundo. O Estado teve um papel ativo na economia, induzia investimentos. Lembra-se das chamadas obras faraônicas como Ponte Rio-Niterói, Itaipu, Ferrovia do Aço e outras. Porém, como diziam: o país vai bem, mas o povo vai mal.
Atualmente a formação bruta de capital fixo continua em queda, ou seja, pelo lado do investimento esqueça uma retomada a curto prazo. Falta apenas um ano para as eleições, a única possibilidade de um alívio econômico visível seria pelo aumento do consumo dos governos e das famílias, coisa impossível de ocorrer com a política econômica atual. Sem falar que o espectro do default da dívida pública começa a surgir na linha do horizonte.
(Interessante que na política externa os ditadores militares também possuíam um viés terceiro-mundista. Após a idiotice na República Dominicana não voltou a enviar tropas para nenhuma parceria subalterna com os americanos. Além de reconhecer a independência de Angola e Moçambique, com governos marxistas, de imediato. Sem falar do governo pós revolução dos cravos...)
O índice de rejeição eleitoral ao Lula está no mesmo nível dos demais políticos profissionais que podem competir com ele: Alckmin e Fadinha da Floresta. O Dória tem um certo potencial no estranho estado que moras e naquela região esquisita que chamam de sul. Fora destas áreas fica restrito aos seus iguais.
O melhor antídoto ao Jair Bolsonaro é entrevistá-lo, quanto maior exposição melhor. O seu raciocínio tosco agrada apenas aos minions que já optaram por ele. Não por ele ser um radical da extrema-direita. Em oratória, dicção e clareza de raciocínio até a Dilma o supera por larga margem. Sobre o capitão deputado tenho uma séria dúvida: o ensino da Aman é ruim assim mesmo ou ele sofreu algum tipo de acidente após a graduação que provocou sequelas?
Jorge,
para o "milagre" durar 5 anos precisaria ter começado em 01/01/1969 e ido até 31/12/1973. Evidentemente, não foi o que aconteceu. Então, se durou de 1969 até 1973, isto quer dizer que sua duração ficou num ponto intermediário qualquer entre 4 e 5 anos. Eu arredondei para baixo e você está arredondando para cima.
Que não foi consequência de capitais nacionais é algo que sempre afirmei. O ingresso de recursos provenientes dos EUA, em 1970, equivaleu à soma de todos os investimentos estadunidenses nos 10 anos anteriores. A ilustração do Ziraldo que eu utilizei bate exatamente nesta tecla.
Quanto à recuperação econômica, ela já vem ocorrendo, mas de forma tímida por causa do carnaval golpista Janot/Globo. Rejeitada como deverá ser a segunda denúncia, faz todo sentido a previsão de que, ao discutirem no final do ano seus planos para 2018, as grandes empresas resolvam desengavetar os investimentos que vinham adiando; e que haja um esforço adicional para criarem um desafogo econômico, visando produzir um clima favorável aos candidatos mais afinados com o sistema.
O índice de rejeição do Lula, desde já, o condena a perder no segundo turno para algum candidato que não seja mais execrado do que ele (haverá outro nesta condição além do Bolsonaro?). E aumentará muito quando a indústria cultural partir com tudo pra cima dele, utilizando todos os trunfos de que hoje dispõe.
Mas, se houver dúvidas, o tornarão inelegível antes disto, pela via judicial. Ou seja, ele é carta fora do baralho. Até os dirigentes do PT já admitem isto internamente.
Enfim, mantenho integralmente meu ponto de vista: não temos nenhuma chance de ganhar no jogo de cartas marcadas da democracia burguesa. É uma etapa que acabou e não deixará saudades. Se quisermos atuar de forma consequente, terá de ser fora do sistema e contra o sistema.
Abs.
Celso:
Caso o atual governo não consiga empurrar em poucas semanas, goela abaixo da população, a destruição da previdência social e o aumento de impostos, antes do final do ano os abutres dos ratings rebaixarão a nota do Brasil. Com ela teremos a desvalorização do Real, que impulsionará a inflação e a "fuga de capitais", forçando aumento na taxa básica de juros. Pois, sem estes recursos extras não haverá certeza do governo continuar pagando em dia o bolsa rentista. Ainda mais com um ano eleitoral pela frente.
Sem a "reforma previdenciária" e a certeza de estabilização do deficit público, que só o aumento da arrecadação e o corte das despesas propiciará, entraremos em estagflação logo no primeiro semestre.
O que a imprensa chama de retomada é mera pausa na queda. Um grande impulso para que isto ocorresse foram os 40 bilhões de Reais do FGTS sacados durante o primeiro semestre. Uma parte foi diretamente para o consumo, outra para pessoas "limparem" o nome e recuperarem o crédito. Sendo que este já foi utilizado.
Nestes seis meses de retiradas do fundo o dinheiro em circulação a mais, em poder das pessoas comuns, foi equivaleu a mais de 3.000.000 de postos de trabalho, com renda líquida superior a R$ 2.000,00 mensais. Isto evitou que o varejo continuasse acumulando quedas de faturamento. Para você ter idéia da situação das famílias, a caderneta de poupança que é um produto típico para os pobres, fechou janeiro, fevereiro, março e abril com captação líquida negativa. De maio até o momento apresentou depósitos maiores que saques (contas inativas). Mesmo assim, não considerando os juros creditados, poupadores de longo prazo, até 31 de agosto os saques tinham superado os depósitos em 10 bilhões.
Esta bóia foi fundamental para manutenção do nível global de consumo considerando o mesmo período de 2017 para com 2016.
O números do CAGED demonstraram que houve aumento no número de ocupados com carteira assinada, durante o primeiro semestre, mas com ênfase em abril, maio e junho, porém, apenas no setor agropecuário, Não coincidentemente época de safra. O estado que teve o maior saldo de admissões x demissões, no mês de junho, foi Minas Gerais, um pouco mais de 15.000 pessoas, ou seja, auge da safra do café no estado que tem a maior produção nacional. Agora, estes 15.000 postos de trabalho foram maiores que o saldo total nacional, de meros 9.000.
Outra coisa, quando se fala em investimentos os maiores consumos são de cimento e aço, este último teve nos últimos trinta dias um reajuste de cerca de 20%, puxado pelas cotações internacionais. Chapas que custavam de R$ 2,90 a R$ 3,10 o quilo, em julho, agora custam por volta de R$ 3,70. Para tubos ocorreu o mesmo. Muitos projetos que estavam em compasso de espera e poderiam ser retomados devem voltar para as gavetas.
Não esqueça também que existem mais de R$ 100 bilhões em dívidas bancárias de pessoas jurídicas, renegociadas entre 2015 e 2016, que os devedores estão necessitando de novo fôlego.
Somente os informados pelo jornalismo das grandes empresas familiares estão enxergando uma leve aurora no horizonte. O que vejo na macroeconomia são os dois primeiros versos de A Las Barricadas...
Bem, logo veremos.
Postar um comentário