sábado, 11 de março de 2017

EM TEMPO DE INTERNET, A MENTIRA É A GRANDE VEDETE...

(trechos da matéria Na era da pós-verdade, os fatos precisam de defensores, de
Tim Harford, publicado pelo Financial Times, jornal internacional de língua inglesa)
.
Pouco antes do Natal de 1953, os líderes das maiores empresas de cigarros dos EUA se reuniram com John Hill, fundador e executivo-chefe de uma das maiores firmas estadunidenses de relações públicas, a Hill & Knowlton. Apesar do ambiente luxuoso (...), o clima era de crise..

Cientistas estavam publicando evidências sólidas de um vínculo entre o tabagismo e o câncer. Do ponto de vista das empresas de cigarros, o mais preocupante era que The Reader's Digest, a publicação mais lida do mundo, já tinha divulgado essa evidência em um artigo publicado em 1952, Cancer by the Carton (O câncer em maços). Escrevendo em 1954, o jornalista Alistair Cooke previu que a publicação do próximo grande estudo científico sobre tabagismo e câncer poderia acabar com a indústria de cigarros.

Isto não aconteceu. O guru de relações públicas John Hill apresentou um plano –que, visto em retrospectiva, foi tremendamente eficaz. Apesar de seu produto ser viciante e letal, a indústria do cigarro conseguiu evitar a regulamentação, litígios na Justiça e a ideia que muitos fumantes tinham havia décadas de que seus produtos eram mortíferos.

A grande indústria do tabaco foi tão hábil em adiar o dia da prestação de contas que a tática que ela adotou vem sendo imitada desde então...

Em 1995, Robert Proctor, historiador na Universidade Stanford que estudou a fundo o caso da indústria de cigarros, cunhou o termo agnotologia. Trata-se do estudo da produção intencional de ignorância, e o campo todo começou com as observações feitas por Proctor da indústria de cigarros.
Os fatos relativos ao tabagismo –fatos indiscutíveis, fornecidos por fontes de valor inquestionável– não foram os vencedores do embate. Os fatos incontestáveis foram contestados. As fontes inquestionáveis foram questionadas. O que se descobriu é que os fatos são importantes, mas não garantem a vitória nesse tipo de discussão.

A agnotologia nunca foi tão pertinente quanto agora. "Vivemos numa era de ouro da ignorância", diz Proctor hoje. "Trump e o brexit fazem parte disso."

No plebiscito britânico para decidir se o Reino Unido sairia da União Europeia, o lado favorável à saída apresentou o argumento falso de que o Reino Unido enviava £ 350 milhões (R$ 1,35 milhões) por semana à UE.

Seria difícil imaginar um exemplo anterior na política ocidental moderna de uma campanha que apresentou como argumento uma mentira tão deslavada, reafirmando-a quando foi refutada por especialistas independentes e acabando por triunfar.

Mas essa proeza seria superada pouco depois por Donald Trump, que alardeou ondas sucessivas de mentiras demonstráveis, mas foi recompensado com a Presidência. Os Dicionários Oxford declararam a pós-verdade a palavra do ano de 2016. Os fatos simplesmente pareciam não ter mais importância...

Por mais que seja tentador combater as mentiras com fatos, essa estratégia encerra três problemas. O primeiro é que uma mentira simples é capaz de derrotar um conjunto complexo de fatos, simplesmente por ser mais fácil de entender e recordar. Na dúvida, as pessoas muitas vezes tendem a acreditar naquilo que se fixa em sua cabeça...

Há uma segunda razão por que os fatos parecem não merecer o respeito que esperaríamos. Os fatos podem ser entediantes. O mundo está cheio de coisas às quais prestar atenção, desde a TV-realidade até nossos filhos, do Instagram de um amigo a uma conta de impostos a pagar. Para que gastar tempo com alto tão maçante quanto fatos?

...Existe uma última dificuldade em se tentar persuadir as pessoas, dando-lhes fatos verídicos: a verdade pode parecer ameaçadora, e ameaçar as pessoas tende a ter efeito inverso ao desejado. "As pessoas reagem no sentido contrário", diz Jason Reifler, cientista político da Universidade de Exeter.

Um comentário:

Rafael The_Barba disse...

Que mentiras ditas por trump foram decisivas para o desfecho da eleição

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