quarta-feira, 23 de novembro de 2016

ASSISTA AQUI A "O OVO DA SERPENTE". TEM TUDO A VER COM NOSSAS AGRURAS ATUAIS.

Como não sou mais crítico de cinema, posso agora dizer algo que faria o céu desabar na minha cabeça quando frequentava as cabines das empresas cinematográficas para assistir antecipadamente aos filmes prestes a estrearem, ao lado (qual primo pobre) dos medalhões da grande imprensa: sempre achei o diretor sueco Ingmar Bergman superestimadíssimo e a maioria dos seus filmes, tediosos.

Antes mesmo de 1968 eu já estava antenado com os ventos de mudança que varreriam as teias de aranha do chamado cinema de arte. Não por acaso, o cineasta que mais me fazia a cabeça em 1966 e 1967 era Jean-Luc Godard, o gênio anárquico e desmedido por excelência.

Mas, se O silêncio me dava sono, os Morangos silvestres eram sem gosto e eu não estava minimamente interessado no que acontecia Quando duas mulheres pecam, nem tudo do Bergman eu botava na mesma vala comum. 

O sétimo selo, p. ex., eu considerei quase bom. A disputa de xadrez entre o cavaleiro e a Morte foi uma grande sacada, mas os acontecimentos que vão desiludindo o herói a ponto de ele não fazer mais questão de ganhar a partida (e a vida) são mostrados em clave piegas, lembrando até o chororô neo-realista.

Adorei O rosto enquanto os atores itinerantes, vingando-se da má acolhida no castelo, utilizam as ferramentas de sua arte para apavorar e humilhar seus anfitriões; mas, quando eles recuam no final, curvando-se à hierarquia social ao não irem às últimas consequências, foi um verdadeiro balde d'água fria atirado no meu entusiasmo. Entrada de leão, saída de cão. 

O ovo da serpente (1977), com o qual reativo a seção filmes para ver no blogue, é mais um que começou com tudo mas não manteve o pique. Ainda assim merece ser visto, inclusive por ser o que melhor reconstituiu até hoje o impacto de um colapso econômico na vida dos cidadãos comuns (e, afinal, trata-se de uma situação muito afim com o soturno momento pelo qual passamos).

Falo, é claro, da hiperinflação alemã de 1923, quando o dinheiro não valia mais nada  e as pessoas haviam perdido toda perspectiva de futuro; ou estavam prostradas, sem forças para reagirem aos infortúnios que as esmagavam, ou sofregamente perseguindo prazeres como se o mundo fosse acabar no momento seguinte.
Fica muito claro que, não suportando a falta de uma âncora para suas existências, os alemães tenham se deixado mesmerizar pelos discursos raivosos daquele salvador da pátria com bigodinho engraçado.

Mas, após uma primorosa primeira metade, o filme saiu dos trilhos. Bergman quis detalhar o ovo da serpente e não o soube fazer. A trama se torna policialesca, envolvendo as primeiras experiências nazistas com cobaias humanas, e aí uma profusão de clichês invade a tela. Parece até filme hollywoodiano sobre o Holocausto.

Os fãs sofisticados (ou seja, quase todos) do Bergman se escandalizaram com a escolha de David Kung Fu Carradine para o papel principal, ao invés do Max Von Sidow de sempre. Segundo sua visão preconceituosa, Carradine não tinha pedigree suficiente para o cinema de arte. Para mim, ele foi um dos pontos altos do filme...

2 comentários:

SF disse...

Oi Celso,
Gosto demais desses posts cinematográficos.
Compensa a minha quase total desinformação sobre cinema, já que morei no interior do interior, aonde um cinema era coisa rara.
Assim, sempre procuro assistir os filmes que você indica.
Este do "ovo" foi meio confuso para mim, portanto, vou dizer as imagens que me evocaram.
Conheci gente destrutiva como o Abel, lembrei de alguns bêbados e adictos que tive contato. A mim sempre pareceram a causa de sua própria ruína. Extrapolando para povos, acredito ser a mesma coisa.
Outra é a imobilidade e o medo do novo que aflige os citadinos em geral. Sem contar as fobias e outras idiossincrasias. Até hoje é a mesma coisa. O mundo se acabando e eles parados apanhando, ou procurando soluções dentro do problema mesmo.
Quanto ao filme, relembrei uma frase de Fritz Perls, no seu libro Gestalt Therapy Verbatim, onde, analisando o sonho de uma paciente com uma aranha, disse algo como: "a aranha é você, a teia é você e o inseto é você".
Ou seja, num sonho todos os personagens são projeções da pessoa que sonha. Assim, o filme é como um sonho do Ingmar e todos os personagens são os vários aspectos de sua psique. Para mim, a película diz mais sobre o diretor do que sobre a realidade da Alemanha naquele tempo.
Também não vejo correlação~, e nem sequer possibilidade, de ocorrer algo parecido com a hiperinflação alemã, nos dias atuais.
O maior risco atual é de deflação, seguida de estagnação, porque o avanço da tecnologia impõe abordagens mais generosas. Ou sistema inclui ou desaba. Isso é o que se apresenta aos capitalistas. Gostem ou não, vão ter que repartir ou perder seu papel social.
Ocorre que estamos riquíssimos. Nunca, em tempo algum neste planeta, estivemos tão ricos.
Nunca o controle da moeda pode ser feito de maneira tão eficiente. Logo, não há que temer algo semelhante ao que ocorreu no passado.
A única coisa que não duvido é a capacidade do ego humano em querer se sentir diferente.
Nem que para isso se torne destrutivo.
Mesmo que seja no mundo virtual, (os jogos online) os caras continuarão ferindo-se mutuamente e a si mesmos.
O sadismo humano tem origem anterior a própria espécie...

celsolungaretti disse...

Companheiro,

estou numa maré de muita trabalheira e, sinceramente, não poderia discorrer neste instante sobre todos os assuntos que vc levanta. Mas, posso afirmar que o filme é a visão artística mais fiel que conheço do que ocorre com as pessoas sob uma catástrofe econômica.

Há mais de 20 anos, criei na AGÊNCIA ESTADO uma série de artigos nessa linha: a hiperinflação de 1923, a grande depressão dos anos 30 e a possibilidade de repetição de tais cenários. Li muito sobre o caso alemão naquela época. O OVO DA SERPENTE tinha tudo a ver.

Um abração!

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