Dois dias antes de o Senado mandar Dilma Rousseff para casa, mas tendo absoluta certeza de que seria este o desfecho do espetáculo mambembe encenado em Brasília, lancei no blogue Náufrago da Utopia uma discussão sobre os novos rumos que a esquerda deveria tomar, após suas ilusões reformistas e eleitoreiras a terem conduzido à mais acachapante derrota desde a rendição sem luta de 1964. Passados 26 dias, não tenho nada a subtrair ou acrescentar ao artigo inicial daquela série, que republico abaixo, como indicação do cenário ideal para a esquerda nos dias atuais.
Em seguida, reproduzo a coluna semanal de Demétrio Magnoli, dando uma pincelada nas inclinações da esquerda após o vendaval. Melancolicamente, o quadro nela mostrado (o cenário funesto) faz lembrar o cínico conselho do personagem Tancredi, na obra-prima O Leopardo, de Tomasi di Lampedusa: "Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude".
Caso continue desperdiçando tempos e esforços no terreno minado do sistema capitalista, com suas instituições moldadas para eternizarem a propriedade privada e a preponderância avassaladora do poder econômico sobre as decisões políticas, a esquerda nada mais fará do que patinar sem sair do lugar, coonestando uma farsa sinistra: só os crédulos e os obtusos não percebem que as contradições insolúveis do capitalismo e a devastação ambiental delas decorrentes hoje colocam em risco a própria sobrevivência da espécie humana.
O QUE FAZER: RETORNARMOS ÀS RUAS,
COMO PALCO PRINCIPAL DAS NOSSAS LUTAS!
Em 1967, aos 16 anos, fiz minha opção definitiva pelos ideais de esquerda, que eu inicialmente identificava apenas com o marxismo.
A única mudança importante nas minhas convicções ideológicas, desde então, foi ter saído dos cárceres da ditadura convencido de que nada, absolutamente nada, justificava o esmagamento do indivíduo pelo Estado, que eu e meus companheiros sofrêramos na pele.
Passei a colocar em plano de absoluta igualdade os objetivos revolucionários e o respeito aos direitos humanos. Ou seja, encaro ditaduras, permanentes ou transitórias, como incompatíveis com a dignidade do ser humano e também com a própria integridade da revolução, pois a desvirtuam irremediavelmente, favorecendo a imposição da vontade de nomenklaturas sobre os trabalhadores.
A revolução deve transferir o poder ao povo, não entronizar novos privilegiados.
Hoje enxergo pontos válidos no marxismo, no anarquismo, no trotskismo e em muitas bandeiras específicas da geração 68. Se a humanidade vier a ser libertada (há, infelizmente, a possibilidade de o capitalismo nos conduzir ao extermínio antes disto), será pelo que de melhor tais vertentes produziram. É essencial que estejam unidas nos momentos decisivos.
A revolução também não se confunde com capitalismo de estado, nem é necessariamente alavancada pela estatização da economia. Por tal caminho se chega mais facilmente ao fascismo do que ao reino da liberdade, para além da necessidade.
Fui dos primeiros a entrevistar o Lula na campanha eleitoral de 1989. Perguntei-lhe como faria para evitar que as estatais continuassem a serviço da politicalha. Ele disse que as colocaria sob a tutela de conselhos de trabalhadores.
Quando finalmente chegou à Presidência da República, não moveu uma palha neste sentido. Nem isto lhe foi cobrado por quase ninguém, infelizmente. De 1989 a 2002, a esquerda não avançou, retrocedeu. E continua até hoje andando para trás, como os caranguejos.
Eu não mudei um milímetro; considero, p. ex., que teria sido muito melhor se a gestão da Petrobrás coubesse aos trabalhadores organizados. Talvez estes a tivessem mantido nos trilhos, evitando que fosse saqueada e quase destruída pelos políticos profissionais (ou em benefício dos ditos cujos).
É patética a compulsão pelo poder sob o capitalismo que contagiou a maior parte da esquerda brasileira. Da Presidência da República à vereança, os cargos eletivos na democracia burguesa sempre foram encarados pelos revolucionários como meios para impulsionar a revolução, meras ferramentas da ação revolucionária, e não como fins em si.
Acabamos de assistir, pelo contrário, à utilização de um imenso arsenal de ilicitudes, falácias e casuísmos para tentar salvar uma presidente que nem sequer estava conseguindo governar, tendo chegado ao cúmulo de entregar a condução da política econômica a um neoliberal, ou seja, a um inimigo de classe.
Martelavam que cabia aos esquerdistas apoiarem incondicionalmente Dilma Rousseff, mesmo que isto lhes acarretasse enorme desprestígio e apesar de ela pisar o tempo todo nos ideais e bandeiras da esquerda que um dia honrou. Mas, como a ex-guerrilheira seria vista hoje por qualquer pessoa isenta e dotada de espírito crítico? Apenas como uma tecnoburocrata que aposta todas as suas fichas no Estado e não no povo, com um indisfarçável viés autoritário.
A revolução é infinitamente mais importante do que quaisquer governos que se limitem a gerenciar o capitalismo para os capitalistas. Pois só ela é solução solução definitiva para os dramas que nos afligem na sociedade de classes. Inexistindo o poder popular, as conquistas de uma fase podem ser todas anuladas na fase seguinte, como está acontecendo agora.
Desmoralizar a revolução aos olhos dos trabalhadores, fazendo-os identificarem-na com tudo que há de antipopular e antiético, equivaleu a destruir sua esperança num futuro de realização plena dos seres humanos, em troca de um poder muito mais ilusório do que real. Quando o verdadeiro poder –o econômico– decidiu dar um fim ao ciclo petista, o fez com um simples piparote, sem nem mesmo ter de recorrer aos serviçais fardados.
Desmoralizar a revolução aos olhos dos trabalhadores, fazendo-os identificarem-na com tudo que há de antipopular e antiético, equivaleu a destruir sua esperança num futuro de realização plena dos seres humanos, em troca de um poder muito mais ilusório do que real. Quando o verdadeiro poder –o econômico– decidiu dar um fim ao ciclo petista, o fez com um simples piparote, sem nem mesmo ter de recorrer aos serviçais fardados.
Governos vêm, vão e nada muda sob a democracia burguesa e o capitalismo. Cabe-nos, então, priorizar sempre os ideais de esquerda, pois são eles a bússola que nos aponta o caminho para uma sociedade igualitária e livre.
E os erros cometidos nos últimos governos nos devem servir de lições: teremos de fazer tudo bem diferente da próxima vez, para que os frutos dos nossos árduos e abnegados esforços não nos escapem novamente dentre os dedos. (artigo Fim de uma impostura, de Celso Lungaretti)
O QUE NÃO FAZER: CONTINUARMOS
CIRCUNSCRITOS AOS GABINETES E SALÕES.
CIRCUNSCRITOS AOS GABINETES E SALÕES.
A morte do PT, essa profecia disseminada, não é um exercício de análise política, mas a expressão triunfalista de um desejo autoritário. O PT provavelmente sobreviverá. Contudo, o impeachment de Dilma e as imputações penais a Lula assinalam o ocaso da hegemonia petista sobre a esquerda brasileira. Chega ao fim uma longa era de unificação partidária quase completa das correntes de esquerda. A encruzilhada atual descortina os rumos contrastantes da substituição de hegemonia ou de uma reunificação pluralista. Batizemos o primeiro caminho como partido-movimento e o segundo como Frente Ampla.
O PSOL sonha construir-se como partido-movimento, assumindo a posição hegemônica no campo da esquerda. Suas referências são o Syriza, que chegou ao poder na Grécia em 2015, e o Podemos, que naquele ano atingiu votação similar à do Partido Socialista, disputando o posto de segundo maior partido espanhol. O Syriza tem raízes no Synaspismos (Coalizão da Esquerda Progressista), um movimento de unificação de correntes radicais fundado em 1991. O Podemos nasceu das manifestações contra a austeridade promovidas pelos Indignados a partir de 2011. Tanto um como o outro expressaram uma dupla rejeição política: à social-democracia e ao comunismo stalinista.
Os intelectuais do PSOL traçam um paralelo esquemático entre o PT e a social-democracia europeia. Na falência do Pasok grego e na decadência do PSOE espanhol, enxergam os funestos indícios do futuro próximo do PT. Assim como a crise do euro abriu a via para a ascensão dos partidos-movimento grego e espanhol, a crise do impeachment propiciaria a troca de hegemonia no Brasil.
Anos atrás, um cartaz de Che Guevara adornava a porta do gabinete de Alexis Tsipras, na sede do Syriza, enquanto Pablo Iglesias, o líder do Podemos, cantava as glórias de Hugo Chávez. O PSOL repete os evangelhos do castrismo e do chavismo, mas sua execução musical está atrasada em um compasso.
No governo, o Syriza experimentou uma cisão e sua facção majoritária curvou-se à ortodoxia europeia, passando a ocupar o lugar que foi do Pasok. Por seu lado, após o anticlímax das eleições de junho, o Podemos anunciou um giro pragmático à centro-esquerda, borrifando água na chama da rebeldia.
O principal arauto do caminho da Frente Ampla é Tarso Genro, dirigente da Mensagem ao Partido, ala petista devotada à refundação do partido. Seu modelo é a coalizão Frente Amplio, que governa o Uruguai desde 2005, apoia-se na central sindical PIT-CNT e se estende do centro à extrema-esquerda, abrangendo democrata-cristãos, social-democratas, comunistas e tupamaros. Partindo do reconhecimento de que se esgotou a hegemonia do PT sobre a esquerda, a ideia da mesa progressista busca a reunificação por meio de um mínimo denominador comum. Cada um na sua, mas todos juntos na hora das eleições —eis o estandarte de Genro.
A Frente Ampla contempla interesses diversos. De um lado, evita o isolamento de um PT declinante, açoitado pela ventania da desmoralização. De outro, oferece lugares ao sol para a CUT, o MST, o MTST, o PCdoB e a UNE, que já compraram seus bilhetes de ingresso à nau das esquerdas. Mas a estratégia fracassará se não seduzir o PSOL, deixando espaço à ascensão de um partido-movimento. Os primeiros sinais da tensão entre as estratégias conflitantes aparecem nas campanhas municipais de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.
Nesses tempos de delinquência intelectual, o discurso partidário dissimula-se sob o rótulo da ciência política. Mathias de Alencastro reproduziu o clássico ardil dos antigos partidos stalinistas ao acusar o PSOL de fazer o jogo da direita nas eleições paulistanas. O intelectual-militante fantasiado de acadêmico exprime o desejo inviável de voltar no tempo, reinstaurando a hegemonia que se estilhaça. (artigo Após fim da hegemonia do PT, esquerda brasileira tem dois caminhos, de Demétrio Magnoli)
6 comentários:
Comentário corrigido
".....Mesmo quando se afasta da religião o homem permanece submetido a ela; esgotando-se em forjar simulacros de deuses, adota-os depois febrilmente: sua necessidade de ficção, de mitologia, triunfa sobre a evidência e o ridículo....." Cioran
Sem uma mínima noção da alma humana, os equívocos serão inevitáveis e pior, pode-se viver e morrer com eles.
Todos pagaremos por isso. (MJV)
Governo é uma questão técnica. Pelo menos para os anglos-saxões que sempre pensaram assim e agora os asiáticos que os copiaram. Os resultados estão aí.
Não existe almoço de graça.
Misticismos ideológicos só levam o país ao atraso e a miséria.
A história mostra.
Aqui no Brasil mesmo, com um povo miserável, nestes 13 anos de desgoverno, a ideologia falou mais alto em seus dirigentes. A questão técnica e de direito: "O DINHEIRO BRASILEIRO DEVE SER GASTO COM O POVO BRASILEIRO", ficou para o futuro, como é de praxe nos países do esquerdismo. Ficou na utopia, como sempre.
Por transtornos de personalidade (fanatismo ideológico) e desvios de caráter, por parte dos governantes desses 13 anos recentes, o dinheiro do povo brasileiro foi para o bolso de muitos daqui e para as ditaduras cubana, africanas e outros países dessa categoria em que se professa a religião do esquerdismo. MAIS DE 150 BILHÕES. Fosse esse dinheiro empregado sem sentimentalismos, tecnicamente apenas, com os nossos necessitados, eles não estariam tão mal como agora.
Prezado Lungaretti, concordo com você em querer uma sociedade mais justa. Melhor.
Mas quem não quer isto?
Existem países denominados capitalistas que deram certo e outros que, ao contrário trilharam o anti-capitalismo e naufragaram.
Existem também, países como o Brasil que ficaram no meio-termo: enganando no capitalismo e no socialismo.
Como seria na prática o seu ideal de país?
Tem algum modelo existente que você poderia dizer que pareça com ele? os escandinavos por exemplo?
Ou é algo diferente de tudo que a história já mostrou?
Por favor, se não for incômodo, nos dê uma visão geral desse país para que possamos ter pelo menos uma noção do que se trata.
Teria vários partidos para representar diferentes correntes de opinião?
Nas minha opinião não vejo nada de diferente do que já se experimentou nesses anos todos do século passado.
O pior de tudo é que somos humanos e se nos dão poder....
Muito obrigado e abraços.
Mauro,
o momento não é apropriado para tal discussão. Há uma cirurgia em família marcada para amanhã, impondo-me alguns afazeres e me deixando sem disposição para divagar sobre política.
De qualquer forma, eis os links de dois textos que respondem, pelo menos parcialmente, suas perguntas.
https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2011/04/revolucao-do-seculo-21.html
https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2010/08/21-anos-sem-o-raulzito-reflexoes-sobre.html
Abs.
Obrigado Lungaretti e espero que tudo dê certo aí para você e sua família.
O blog está perdendo tempo precioso em responder às postagens do Sr. Mauro Julio Vieira. Até o Rosado se estendeu num questionamento provocativo, insultuoso á esquerda desse senhor.
Os comentários dele são tipicamente daqueles feitos em botecos onde as bobagens que se fala são perdoadas pela ingestão etílica.
Além de usar termos chulos o Sr. Mauro Julio Vieira só pode ser um paranoico pois postou em dois artigos desse blog o mesmo senil comentário [ e o Celso diz que vai esclarecer a "dúvida" de tão caro leitor]. Os artigos nos quais foram postados o mesmo comentário;
- artigo de Pedro Cardoso da Costa "Dicas para a nova fornada de prefeitos";
- artigo do Celso " Se a esquerda não reassumir a luta de classes....."
Equivocar-se uma vez respondendo um provocador de demonstrada indigência intelectual vá lá, mas continuar dando-lhe atenção nada contribui com o bom nível do blog.
Seria bom o editor exercer o poder moderador e poupar os demais leitores.
"... No momento em que nos recusamos a admitir o caráter intercambiável das ideias, o sangue corre....sob as resoluções firmes ergue-se um punhal; os olhos inflamados pressagiam o crime..." (Cioran - Genealogia do fanatismo)
O caso do elemento aí em cima, o que se refere às minhas considerações aqui neste blog, que eu faço a respeito da realidade humana, que é o que me interessa e com a qual eu procuro contrapor aos articulistas, um direito que me cabe, demonstra sua doentia condição: transtorno de personalidade. O que dispensa em mim, tempo em tentar mostrar a tipos assim que debater é coisa de pessoas normais.
Gente assim, fanáticos, que vivem uma realidade fabricada pela mente, alimentada por informações fantasiosas, querem o mundo à sua imagem e semelhança. Caso para a psiquiatria.
Como não existe o absoluto, pode ser que até esse cidadão que me fez críticas agressivas, tentando me desqualificar com generalidades e rótulos, possa ter razão em algum ponto que coloquei no debate com os articulistas que, sem a intenção de ofendê-los, posso te-lo feito, mas que eles , com a educação que demonstram aqui toleraram, e até se empenharam em demonstrar o contraditório.
Articulistas aos quais peço desculpas se assim procedi.
Obrigado ao Dalton e a Celso.
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