Autor: Clóvis Rossi. |
Lembra-se do não vai ter golpe, o grito com o qual se esgoelavam os adeptos do governo Dilma Rousseff? Ao que tudo indica, vai ter, sim.
O grito era um compreensível apelo à mobilização dos seus seguidores, mas, ao mesmo tempo, evidenciava uma desconexão da realidade.
Até eu, que não me orgulho da minha sapiência, escrevia, em março, bem antes do primeiro momento do impeachment na Câmara, que "o que os argentinos adoram chamar de poderes fácticos abandonaram Dilma Rousseff (ou nunca a adotaram)".
A queda final era, portanto, apenas uma questão de tempo.
Ficar gritando golpe não mudou nada. Até porque era uma narrativa frouxa. Como disse, faz pouco, o prefeito Fernando Haddad, um petista insuspeito de ser um traidor, "golpe é uma palavra um pouco dura, que lembra a ditadura militar. O uso da palavra golpe lembra armas e tanques na rua".
Golpe de verdade é assim |
Lembro outros ingredientes inexistentes no golpe jabuticaba que se está dando no Brasil: não há um só preso político, não houve nem uma única e miserável linha censurada em qualquer tipo de mídia, inclusive na mídia chapa branca, ninguém teve que partir para o exílio, ninguém perdeu o emprego no governo federal, exceto os ocupantes do primeiro escalão.
Aliás, um deles, Gilberto Kassab, conseguiu a proeza inédita no planeta de ser ministro com os golpeados e ministro com os golpistas – demonstração de quão jabuticaba está sendo o golpe à brasileira.
Deu-se até o fato de que uma das mais estridentes adeptas dos golpeados ganhou uma coluna na página nobre de um jornal tido como golpista. Acho até bom que seja assim, mas que é jabuticaba (que só dá no Brasil), lá isso é.
Houve acadêmicos que incitaram as massas a tomarem as ruas para depor o novo governo. Pena que as massas faltaram ao encontro com a História, ocupadas demais que estão em sobreviver penosamente na terra arrasada legada pelos golpeados.
"a segunda maior queda da renda per capita em 116 anos" |
Só faltou sugerir a ocupação do Palácio de Inverno de Campos de Jordão, como se fosse o de São Petersburgo, para reencenar a Gloriosa Revolução de Outubro. Aliás, faz tempo que São Petersburgo voltou a se chamar São Petersburgo, em vez de Leningrado, evidência no detalhe de que revoluções caíram de moda.
Houve também acadêmicos que juraram que os golpistas promoverão o maior retrocesso social da história. Pode até vir a ser verdade, mas um mínimo de honestidade intelectual obrigaria a dizer que os golpeados provocaram a segunda maior queda da renda per capita em 116 anos, no período 2014-2016.
Se isso não é retrocesso social, não sei o que seria.
Para reforçar o caráter jabuticabalesco do golpe, deu-se que um de seus ourives, um certo Eduardo Cunha, em vez de ser carregado nos ombros, caminha inexoravelmente para o cadafalso – o que, de resto, é uma boa notícia.
Da mesma forma, parte da elite empresarial, geralmente força-motriz em golpes, em vez de sair da cadeia nela continua, como praticantes de criminosa promiscuidade com golpistas e golpeados. É o Brasil..
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