sexta-feira, 26 de agosto de 2016

DALTON ROSADO, SOBRE O IMPEACHMENT DE DILMA: "O PT JOGOU O JOGO DA CONCILIAÇÃO E PERDEU".

Por Dalton Rosado
Até agora vinha me mantendo à distância das démarches sobre o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Não por comodidade ou covardia de análise diante dos fatos políticos concretos, mas por achar que tal discussão se dá entre partes que defendem interesses que são, lato sensu, estranhos e contrários ao interesse do povo. 

É claro que, stricto sensu, tal discussão sempre reflete algum interesse mais imediato da população, uma vez que esta ou aquela decisão político-administrativa implica resultados práticos dentro da salve-se-quem puder da crise do capitalismo de fim-de-feira mundial, e que está também presente, e com força até maior, aqui no Brasil, país incluído historicamente na periferia dos ricos do mundo.

Sempre preferi fazer formulações teóricas baseadas em números concretos que ajudem à melhor compreensão da essência do que está em curso, e que nos ajudem a fugir da discussão politica estéril sobre quais medidas devam ser tomadas para remediar, por dentro, o irremediável (a crise econômica, a crise política, o combate à corrupção, quais as partes que devem ser cobertas pelo lençol curto das finanças públicas, as medidas eficazes para a retomada do desenvolvimento econômico, etc.). 

Foi em função de tal entendimento que me mantive equidistante desta discussão estéril, sem tomar partido na crise no topo entre iguais do gênero da política, embora os ditos cujos (PT, PSOL, Rede, PSTU, PSB, PDT, PMDB, PSDB, PSC e mais uma dezena) tenham variações conceituais de como conduzir o capitalismo, seja ele estatal ou liberal burguês.

A postura dos emancipacionistas revolucionários, antes de entrarem em discussão tão inconsequente, é rejeitar a política e as instituições que dão suporte ao capitalismo; daí eu ter-me mantido equidistante até agora.  
1987: Maria Luíza em greve de fome contra boicote da União.

Mas, decidi que não devo deixar de intervir neste tema, até porque tal intervenção pode contribuir para um raciocínio fora dos limites estreitos nos quais a política encarcera o pensar; talvez eu contribua para que o leitor venha a fazer uma reflexão alternativa sobre isso tudo.        

Como já foi relatei neste artigo, ajudei a fundar o PT na capital cearense e atuei na campanha eleitoral como um dos coordenadores de sua primeira vitória para um cargo executivo importante: a prefeitura de Fortaleza. 

Posteriormente, fui secretário de Finanças da Administração Popular e candidato à sucessão da prefeita Maria Luíza. Acabamos expulsos pela direção nacional e local do PT, por não seguirmos a política de conciliação com as estruturas do poder político e econômico existentes. 

Minha candidatura foi impedida, obrigando-me a disputar o pleito municipal por outro partido. Felizmente, perdemos; adiante, compreenderíamos que o combate ao capitalismo não pode ser travado por meio de suas instituições políticas.      

Pelo exposto, me posiciono. Mas, primeiramente, quero ressaltar dois aspectos fundamentais: 
– considero um equívoco conceitual que quem se proponha a combater o capitalismo queira participar de suas instituições legislativas e executivas. Principalmente na instância executiva, que tem a incumbência constitucional de manutenção do vigor financeiro-administrativo do Estado (que depende das atividades econômicas para sobreviver, pois é daí que retira o seu sustento, por meio dos impostos) como forma de funcionar como instrumento de regulamentação, indução financeira (controle monetário) e infra-estrutural (estradas, portos, aeroportos, etc.) do desenvolvimento econômico capitalista, e manutenção da ordem constitucional capitalista manu militari. O Estado moderno é filho do capital, e participar dele é uma contradição para quem diz combater o capital. 
– o sistema produtor de mercadorias sabe muito bem que os dirigentes políticos do Estado, ainda que se sintam anticapitalistas, quando enquadrados na camisa-de-força política, terminam sempre por se submeterem à lógica reificada de reprodução do capital, que lhes dá ordens ditatoriais. Afinal, eles não podem se voltar substancialmente contra aquilo de que fazem parte;    
O governo da presidenta Dilma Rousseff está sendo deposto pelos seguintes fatores:
– por conta da crise financeira que se abateu sobre o mais recente milagre brasileiro, quando se achava ilusoriamente que o Brasil era um oásis de sucesso num mundo em crise desde o estouro das bolhas financeiras de 2008/9 (que não era nenhuma marolinha). Evidenciou-se a incompatibilidade da continuidade do sistema produtor de mercadoria (leia-se capitalismo) sob a égide da terceira revolução industrial da microeletrônica;
– porque o crédito fácil obtido graças às taxas de juros altas que atraiu o capital financeiro internacional criou a falsa sensação de que seríamos exceção num mundo em crise e tal compreensão minou ou nossos fundamentos econômicos. Agora que a crise bateu à nossa porta, estamos encarando a realidade mundial e com sérias desvantagens macroeconômicas;  
– porque a conciliação de classes promovida pelos governos Lula e Dilma, numa tentativa de agradar ao grande empresariado industrial e financeiro e seus áulicos políticos, ao mesmo tempo em que admitia poder promover a melhora sustentável das condições de emprego e renda tanto da chamada classe média como dos trabalhadores de baixa renda, evidenciou-se insustentável;  
– porque se curvou ao alto custo do processo político de manutenção no poder político praticando e deixando praticar a corrupção como norma de conduta político-eleitoral. Acreditou que poderia enganar o diabo e com ele sentar se à mesa sem que isto representasse nenhuma contradição inconciliável; 
– Dilma Rousseff não me parece ter o perfil do político corrupto, pessoalmente, mas se encantou com a inesperada chegada ao posto mais alto do comando da nação, galgando sucessivamente altos cargos executivos no governo (e, neste sentido, usou e foi usada). A sua relação com o mundo político era impossível para alguém que tinha um perfil técnico e uma personalidade impaciente e inflexível. O canto de sereia do poder político é encantador para quem perdeu a têmpera revolucionaria;  
– a crise econômica é sempre o estopim que faz explodir a insatisfação popular, que tudo perdoa quando há prosperidade, mas que a todos condena quando lhe falta pão e lhe são oferecidos brioches à moda de Maria Antonieta (principalmente quando há o apoio do segmento formador de opinião pública, os 15% da chamada classe média, que já se vê parcialmente desempregada);
Os chamados crimes de responsabilidade, que, caso fosse aplicada com rigor a lei de responsabilidades fiscais, teriam o condão de defenestrar todos os governantes, somente são assim invocados quando se quer condenar e existe respaldo político que o alicerce. O que agora o alicerça são poderes fáticos (expressão mais utilizada na Argentina, à qual o jornalista Clóvis Rossi recorreu em artigo recente) instrumentalizados e usados pela sempre oportunista e subserviente elite política brasileira (da qual o Presidente Temerário é membro destacado), e que se apoia na baixa popularidade de Dilma Rousseff para depô-la do poder. Os políticos com seus argumentos são capazes de convencer aos ourives que uma pedra de sal é ouro, e tudo fica mais fácil quando esses mesmos ourives precisam obter o sal. 

O PT jogou o jogo da conciliação e perdeu, porque confiou na estabilidade do capitalismo e acreditou que poderia manter o poder acendendo uma vela para Deus e outra para o diabo. 

Ademais, a cúpula dirigente do PT (que tem histórico de abandonar seus companheiros quando caídos em desgraça, tal qual o fazem os políticos tradicionais) emite sinais significados de que, no que dela depender, o barco da Dilma Rousseff está entregue à própria sorte. O que mais podemos depreender da decisão de desautorizá-la na questão do plebiscito? Dilma para eles, já é página virada.

Quando será que vai existir a mesma força dos poderes fáticos para o povo superar o capitalismo?

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