sábado, 18 de junho de 2016

'BARRIGAS' E 'SAIAS JUSTAS'

A veja ensinando a produzir o boimate
Nesta 6ª feira (17)  caí na esparrela de algum espertinho que andou plantando na internet um relato bem bolado sobre hacker esvaziando conta corrente do Lula no exterior. 

Como sempre espero o pior dos políticos profissionais —sem distinção de sexo, cor, profissão, idade ou partido—, não me surpreendi. Fiquei é entusiasmado com a oportunidade de traçar um paralelo com uma canção de 50 anos atrás que acabara de encontrar disponibilizada no Youtube.

Não levei nem meia-hora para perceber que cometera uma tremenda barriga. Troquei o post inicial por um pedido de desculpas e nota de esclarecimento. Fim de papo.

Mesmo não passando pelo dissabor de ver o erro apontado por algum leitor, algo assim sempre machuca um pouco o orgulho profissional. Tanto que acabei lembrando de uma saia justa do passado, também sem maiores consequências. Há muito tempo não pensava nesse episódio.

Em junho de 1966 assisti pela TV à luta de boxe entre o brasileiro Fernando Barreto e o argentino Jorge Jose Fernandez. O brasileiro foi derrubado, embaraçou-se nas cordas e pareceu não ter conseguido levantar-se em tempo apenas por causa da atrapalhação. Cumprimentou o adversário, saiu andando do ringue e fui dormir tranquilo.

Depois, li no jornal que ele passara mal no vestiário e fora hospitalizado. Fiquei surpreso, pois ele parecera estar recuperado.

Fernando Barreto: dano cerebral
Mais de duas décadas depois, trabalhando na Agência Estado, li no Estadão que morrera o primeiro boxeador brasileiro como consequência de ferimento sofrido no ringue. As minhas recordações do episódio do Fernando Barreto eram bem corretas, salvo num ponto: fiquei com a impressão de que ele acabara falecendo.

Alertei o repórter que, na redação vizinha, estava incumbido desse assunto, Ele foi a campo e confirmou tudo que eu dissera, exceto um pequeno detalhe:Barreto acabara sobrevivendo ao derrame cerebral, mas saiu do longo coma com retardo mental. 

Fiquei sem graça, mas o colega disse que não fora trabalho desperdiçado: com ou sem morte, era uma notícia interessante e ele escreveu, à guisa de suíte, mais uma boa matéria sobre os efeitos danosos do boxe.

Eis mais alguns casos interessantes, na linha das barrigas e saias justas

O Paulo Francis quando jovem
LIÇÃO CHULA — O Paulo Francis gostava de contar um episódio do seu início de carreira, quando, jovem crítico de teatro, queria chamar a atenção escrevendo de forma pedante e empolada. Entregou um texto a um velho editor que, encontrando a expressão via de regra, pegou um lápis vermelho e escreveu em cima, com caracteres garrafais: VIA DE REGRA É A BUCETA (regras era um eufemismo para menstruação). 

O Francis dizia ter sido uma das únicas lições aproveitáveis de jornalismo que recebera na vida. A objetividade, clareza, concisão e simplicidade são essenciais para um jornalista.

DELEGADO EXIBIDO — Certa vez, como repórter de Geral do Estadão, fui cobrir um acidente na Radial Leste. Um ônibus partiu com a porta aberta e uns seis passageiros pendurados, levou uma fechada de um caminhão e, para desviar-se, teve de passar próximo demais de um poste. Resultado: morreram pingentes.

Cheguei na delegacia e o delegado estava vivendo seu momento de glória, cercado de repórteres de jornal e rádio. “Esse homem é um assassino contumaz!”, esbravejava. “Matou outra pessoa no ano passado!”

Um delegado desses no cinema
O motorista, cabisbaixo, não se defendia. Tive pena dele e raiva do delegado. Então, fui perguntar ao coitado como tinha acabado aquele caso antigo. Não sabia, mas disse o local da ocorrência. A delegacia respectiva era próxima, então fui dar uma xeretada.

Informaram que o inquérito já tinha seguido para a Justiça. Passei lá também e descobri que o promotor, não vendo motivos para incriminar ninguém, determinara o arquivamento.

Então, pelo menos na minha matéria, ao invés de o motorista aparecer como assassino contumaz, o delegado é que foi retratado como arrogante, desinformado e arbitrário (pois aquilo que o promotor descartou não pode ser considerado antecedente negativo nem usado contra cidadão nenhum).

É claro que eu perdi muito mais tempo do que aqueles coleguinhas apressados que preferiram limitar-se à versão oficial. Mas, o que estava em jogo era a reputação de um homem diante de sua comunidade: o pobre do motorista iria ser apontado pelos vizinhos como um matador do volante.

Por piores que sejam nossas condições de trabalho e por maior que seja o número de matérias feitas num dia, eu achava que não tínhamos o direito de ser levianos. Pessoas poderiam até suicidar-se por causa da repercussão de uma matéria.

AFOBADO COME CRU — Coberturas instantâneas de TV às vezes são terríveis armadilhas para redatores que fazem seu texto em cima do que veem na telinha.

Um caso clássico aconteceu com um meu ex-colega de ECA/USP. Como editor de Internacional da Folha de S. Paulo, ele cobria numa noite de domingo a guerra do Golfo. E caiu na tentação de basear-se no noticiário desencontrado da CNN, que transmitia ininterruptamente... boatos e deduções dos repórteres, pois não há como termos noção de uma batalha aérea travada no deserto olhando para o céu a partir das cidades.

Assim, uma conclusão precipitada deles foi a de que Israel estaria retaliando e entrando na guerra. E o coitado do meu ex-colega acreditou. Sem basear-se em agências internacionais ou esperar despachos de correspondentes da Folha, mancheteou “Israel reage contra Saddam”.

No 2º clichê já haviam percebido o erro e a manchete foi mudada, de forma que a barriga só entrou na edição destinada ao Interior e às bancas da capital que ficavam abertas de madrugada. Mas foi o bastante para ele perder o emprego, duas ou três semanas depois (deram um tempo para não passar recibo).

UMA   FORCINHA   PARA   O   BANDIDO   E   UM   STRIP-TEASE   INVOLUNTÁRIO — 
A espetacularização é uma praga do jornalismo televisivo e às vezes os repórteres pagam o preço de suas lambanças. Num desses programas policialescos, um repórter convenceu o delegado a repetir a prisão de um bandido para que pudesse ser filmada. O criminoso voltou para seu carro e o dirigiu até a barreira policial. Escondido das câmaras, um investigador armado estava agachado atrás do banco. Mesmo assim, o bandido acelerou, conseguiu tomar a arma do agente e escapou, deixando o repórter e o delegado com caras de bobos.

Já uma repórter que queria ser protagonista ao invés de jornalista, ao cobrir o lançamento de uma calcinha com enchimento que realçava o bumbum, resolveu aparecer com a dita cuja diante da câmara. Quando foi se trocar, não percebeu que o maldoso cinegrafista deixara seu equipamento ligado. Resultado: a nudez da moça ficou amplamente conhecida no seu ambiente de trabalho, pois era mostrada para Deus e todo mundo....

VEXAMES DOS GRANDES — Mais episódios clássicos de juízos apressados. O Estado de S. Paulo descobriu que um projétil estilhaçara a janela de um ministério e fora alojar-se na parede. Correu a noticiar o atentado contra o ministro.

Descobriu-se depois que uma máquina de jardinagem expeliu uma porca que, caprichosamente, saiu voando na direção da janela. Mas, o vetusto jornalão enrolou e manteve a hipótese de atentado, não querendo dar o braço a torcer. A Veja tirou um sarro do Estadão, produzindo um texto hilário sobre a porca assassina.

O troco veio logo em seguida, quando o Estadão deitou e rolou em cima da ingenuidade da Vejaa revista tinha caído na tradicional armadilha dos profissionais de agências noticiosas internacionais: no dia dos tolos  mandam uma notícia falsa para as redações. Sempre algum pato acaba escorregando na casca de banana.

E não é que o editor de ciências da Veja acreditou que realmente se tinha chegado a uma composição genética do boi que fizesse a carne já vir com gosto de tomate, para preparação de hambúrguer! A matéria jocosa do jornalão teve como título Boimate.

MASTURBAÇÃO NO SENADO Para o grand finale, eis um episódio igualmente hilário, mas que não envolve jornalistas. Defendendo a Dilma na Comissão de Impeachment do Senado, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo leu triunfalmente uma relação de grandes juristas que a estariam considerando inocente das acusações, não percebendo que algum gaiato acrescentara à relação o nome do mui eminente Tomás Turbando Bustamante. Citou-o também, como se constata abaixo.
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Um comentário:

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