Ao criar este blogue há quase oito anos, defini sua missão como sendo a de defender, em plano de igualdade, quatro grandes valores/bandeiras: a justiça social, a liberdade, os direitos humanos e o exercício do pensamento crítico. E não foi só adorno de topo de página, venho me mantendo fiel a tal compromisso durante todo esse tempo.
Assim, nunca hesitei em colocar no ar textos importantes para compreendermos nossa realidade, cujos autores eram/são injustamente estigmatizados pela intolerante e maniqueísta rede chapa branca.
Evidentemente, não veria ganho nenhum em trazer para o blogue um Reinaldo Azevedo ou uma Kátia Abreu, exceto para criticar seus posicionamentos. Mas, há muitos articulistas que nem de longe podem ser qualificados de direitistas ou fascistas e, mesmo assim, os chapa branca difamam, por não disporem de argumentos para contrapor aos deles.
Caso do ex-trotskista Demétrio Magnoli, do qual muitas vezes também discordo, mas é, indiscutivelmente, um dos mais instigantes analistas da tragicomédia brasileira.
Com seu artigo abaixo reproduzido, aprendemos e/ou somos levados a refletir sobre facetas que realmente importam dos últimos acontecimentos políticos. Já a enxurrada de besteiras e tendenciosidades que inunda a web só serve para desinformar e instigar o ódio.
SOB A ÉGIDE DO PODER MODERADOR
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Por Demétrio Magnoli |
A decisão do STF de suspender o mandato de Eduardo Cunha, "uma das mais extraordinárias e corajosas da história político-judiciária do Brasil" (Joaquim Barbosa), ilumina uma crise institucional aguda. É um indício de que o governo transitório de Temer viverá à sombra de um novo Poder Moderador, desta vez exercido coletivamente pelos juízes da corte suprema.
A sentença do STF é "extraordinária" num sentido preciso, talvez vislumbrado por Barbosa: representa uma nítida violação das prerrogativas do Congresso e, portanto, da regra de ouro da separação de Poderes. Mas o adjetivo "corajosa" serve apenas como ornamento retórico de um ato judicial politicamente motivado, que se destina a arbitrar os "conflitos da elite".
Só os eleitos podem dispor do mandato dos eleitos –eis o princípio democrático que a corte suprema decidiu ignorar. O Congresso, mas não o STF, pode deliberar impeachment da presidente– e, ainda, o de um juiz do próprio STF. Mesmo o afastamento provisório de Dilma depende de duas deliberações parlamentares sucessivas. (Coisa diferente é a impugnação judicial da chapa eleita, que não se confunde com cassação de mandato.)
"A decisão do STF ilumina uma crise institucional aguda" |
Em nome do mesmo princípio, a Constituição atribui exclusivamente ao Congresso a prerrogativa de cassar mandatos parlamentares. Até a mera confirmação da prisão em flagrante de um parlamentar exige autorização de sua Casa, isto é, da Câmara ou do Senado.
Para circundar a letra constitucional, o STF recorreu ao subterfúgio da suspensão temporária do mandato de Cunha, fundamentada em interpretação ousada, ultraliberal, do Código de Processo Penal. Assim, alçando-se acima das fronteiras legais, o STF decretou uma excepcionalidade, que forma um embrião de jurisprudência. Depois de Cunha, será a vez de Renan?
Tempos anormais. A Câmara não reagirá à usurpação de poder pois sofre os efeitos devastadores da desmoralização do Poder Legislativo infligida ao longo do reinado lulopetista. Nesses 13 anos marcados pelo mensalão e pelo petrolão, a maioria parlamentar associou-se ao Executivo em pactos de natureza mafiosa. Os mandatos populares converteram-se em passaportes para a delinquência política e a criminalidade comum.
"Quando dizem que nossas instituições são fortes, isso cheira a piada", atirou o efêmero ministro da Justiça Eugênio Aragão, empossado com a missão impossível de implodir o que ainda resta de institucionalidade. Nesse diagnóstico (e só nisso!), ele tem razão: é sobre uma paisagem de ruínas que se ergue o novo Poder Moderador.
Terá sido este o papel desempenhado pelo Supremo? |
O STF conta com o apoio de uma opinião pública farta do personagem nefasto que seus pares protegem –e, ainda, com o elogio de um PT preso à lógica de sua própria narrativa embusteira sobre o impeachment. Mas, sobretudo, ampara-se nos interesses do governo adventício, a quem presta um serviço estratégico.
Temer monta um extenso arco governista, congregando o PMDB, os sócios menores do lulopetismo e a oposição. Ele terá esmagadora maioria parlamentar, mais que suficiente para cassar Cunha. Mas, agindo preventivamente, o STF soluciona o impasse, libertando-o do imperativo de mobilizar essa maioria num rumo capaz de produzir insanáveis fissuras entre as máfias políticas pacificadas, entregues à orgia da redivisão de feudos na administração pública. Sob aplausos gerais, o "árbitro dos conflitos da elite" anestesia a sociedade, postergando as rupturas inevitáveis.
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