quinta-feira, 22 de outubro de 2015

RUI MARTINS: "TEREZA CRUVINEL E BICUDO GAGÁ".

Por Rui Martins
Há alguns dias, a conceituada colega jornalista Tereza Cruvinel, ex-O Globo e ex-TV Brasil, colunista e editora do site situacionista Brasil247, dedicado à defesa do governo Dilma e do PT, tornou-se passível de processo ao infringir o Estatuto do Idoso, perguntando, insinuando e levantando sem provas em apoio, em manchete e no texto, que o jurista Hélio Bicudo estaria senil ou gagá.

O texto era bem claro: 
"Bicudo está senil? – Um homem lúcido como ele sempre foi não diria os disparates que disse, em entrevista ao Estadão, se tivesse perfeito domínio de suas faculdades mentais".  
"… só pode fruto da turvação mental do subscritor do pedido de impeachment abraçado pela oposição".
É claro que tudo parece permitido nesse clima de caos político vivenciado pelo Brasil nestes últimos meses, no qual governo e oposição competem em corrupção e incompetência, movidos por interesses pessoais e não ideológicos, destruindo-se pouco a pouco, por confissões na Lava Jato e nos reajustes fiscais alguns dos avanços e muitas ilusões criados na última década.

Da crença de termos vivido anos de ensaios de um governo de esquerda vai restando só a impressão de termos nos iludido com um simples e primário populismo de esquerda. Quando se vê Lula e o presidente do PT terem rejeitados seus pedidos para a presidente Dilma governar em favor do povo, como havia prometido na campanha eleitoral, e não aceitar ser manipulada por banqueiros e grandes capitais, como lulistas e petistas podem continuar lhe dando apoio?
Uma quase sexagenária que vitupera os nonagenários

Que diferença faz haver ou não impeachment se o próprio governo já se antecipou e, desde seu início, praticou um autogolpismo, ignorando porquê e para que foi eleito, ignorando a razão do voto de seus eleitores?

É preciso mesmo ser muito ingênuo para se deixar conduzir cegamente por espertos prestidigitadores sofistas, acreditando estarmos na iminência de um golpe.

O golpe já houve! Foi quando a presidente Dilma eleita por uma campanha populista de esquerda decidiu, logo depois de sua posse, constituir um ministério de interesses próprios, favorecendo o agronegócio, os banqueiros e aumentando desmesuradamente os juros para tentar tapar os buracos criados nos quatro anos de má gestão. Foi a própria Dilma quem deu o golpe!

No que vai mudar o Brasil com impeachment ou sem impeachment de Dilma, se o executivo, o legislativo e parte do próprio judiciário se transformaram em máfias que se ameaçam para dominar mas, na impossibilidade, tentam negociar conchavos entre si num último esforço para continuarem no poder? Se não há mais heróis e só vilões, se os anseios sociais de tantos são postergados e a velha oligarquia vai tranquilamente retomando seus lugares e seus poderes?

Quem se preocupa nestes dias pelos índios, pelos negros, pelos sem terra, pelos favelados, pelos sem teto? Quando se descobre que o próprio projeto de casas populares foi verticalizado e não previu habitações integradas com lazer para crianças e jovens, segurança, saúde, educação e transportes?

Voltando ao início desta coluna, não acredito que o idoso mas combativo e destemido juiz Hélio Bicudo esteja gagá. Nem seu filho ingrato José Eduardo Bicudo, que o criticou em público e, sabe-se lá porquê,  ousou chamar o pai de senil. E, entre sete filhos, só uma voz crítica discordante não tem peso como referência, mesmo porque a filha Maria Lúcia discorda do irmão e faz mesmo uma referência bem positiva ao se referir ao pedido de impeachment entregue hoje em Brasília – “É uma continuação do belo trabalho dele”, diz.

Tereza Cruvinel, que tem 59 anos e se aproxima portanto do grupo da Terceira Idade, não deveria utilizar idade como argumento político, pois chega a ser um recurso insultuoso.

Com qual idade uma pessoa fica demente senil ou gagá? Tereza Cruvinel tem uma tabela exata? Será que todo idoso fica gagá? Neste caso, o Jânio de Freitas estaria gagá? 

Não acredito, mesmo porque muita gente importante envelheceu sem ficar gagá. Por exemplo, o Oscar Niemayer que ainda aos 98 anos ia aos comícios da Dilma; e um dos primeiros professores da Universidade de São Paulo, o Claude Levy Strauss, autor do livro Tristes Trópicos.

Me lembro ainda de uma entrevista feita no aeroporto de Genebra com dom Helder Câmara, quando já era bem velhinho, magrinho, frágil como Hélio Bicudo. Os militares, por certo consideravam o arcebispo gagá, como Cruvinel faz com Bicudo.

De que outros idosos importantes me lembro agora? Do escritor, prêmio Nobel de Literatura, Isaac Bashevis Singer e do pintor Picasso, autor do famoso quadro Guernica. E ainda do herói antiapartheid Nelson Mandela.

Só lhe perdoo, Cruvinel, esse desvio, essa ofensa, essa escrita não digna de uma tão conceituada jornalista, por ter lido hoje no mesmo chapa branca Brasil247, uma crítica sua à presidente Dilma junto com uma crítica ao Eduardo Cunha. 

Enfim, o site vai ficar com o Rui Falcão e o Lula ou vai continuar aceitando o desvio neoliberal da presidente Dilma e seu autogolpe nos eleitores?

Observações
  • na lista de idosos ilustres do companheiro Rui caberia também o matemático e filósofo Bertrand Russell que, quase centenário, presidiu com brilhantismo o tribunal internacional de grandes nomes da cultura e da ciência que julgou simbolicamente os crimes de guerra perpetrados pelos EUA no Vietnam.

Um comentário:

Eduardo Rodrigues Vianna disse...

Hombre, que vontade me dá de me referir a algumas pessoas, um deles propriamente meu amigo.

Um companheiro queridíssimo foi o Figueiredo, que a rapaziada chamava de Figuredo, porque era uma figura sensacional, "o amigo que quereríamos reter na chuva" para usar as palavras de Carlos Drummond de Andrade. Viveu a revolução boliviana de 1952 e foi próximo de Paz Estenssoro. Companheiro de célula de Caio Prado Jr., conheceu o FHC no Partido Comunista. Eu trabalhava e morava numa fazenda de cavalos em Cabreúva; tinha 18 anos, o Figa tinha 80, e passava noites na casa que eu dividia com um companheiro anarquista, meu amigo Jorge Wolf. Figa havia abandonado o marxismo e se tornara um místico, da linha de Blavatsky, e vocês não podem imaginar que madrugadas interessantíssimas passei com ele, bebendo cachaça e fumando cigarros de palha.

Outro velho extraordinário a quem conheci foi o Morais, ex-presidente da União Cultural Brasil-URSS. Após a queda do Muro, a UBRASUS de São Paulo passou a se chamar União Cultural pela Amizade dos Povos, e Morais a presidiu por um período. Ele tinha 96 anos quando o vi pela última vez, e falamos por algumas horas sobre a social-democracia na qual ele jamais acreditou. Recolheu os pés à cama aos 102 anos. Conheceu Gorbachov, e o odiava com elegância: que coisa marcante é ver um homem odiar com elegância.

E há outros de quem eu teria o que dizer, mas levaria muito tempo. Essa Tereza Cruvinel perdeu uma oportunidade excelente de ter permanecido calada.

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