Saída pela direita só tem graça nos desenhos |
DILMA E A SAÍDA PELA DIREITA
Ricardo Melo (*)
As manifestações de domingo encerram um paradoxo aparente. Pesquisas de opinião, marteladas com estridência, colocam Dilma Rousseff no ponto mais baixo de popularidade entre presidentes anteriores. A oposição –conduzida por golpistas declarados, antipetistas virulentos e derrotados incorrigíveis– apostou suas fichas nisso.
O raciocínio da turma emplumada previa a apoteose da onda de protestos. Não foi exatamente assim. Em número de pessoas, cifras iniciais apontam uma certa desidratação, ao menos nos grandes centros. Em quantidade de locais, talvez não. A conferir, pois se contabilizam como "atos" encontros de gatos pingados nos EUA, Austrália, Grã-Bretanha, Portugal e quem sabe Ibiza, St. Moritz e Miami, claro.
Seja como for, nenhum dos lados tem condições de festejar vitória. Embora menores, os protestos apontam para a permanência de uma queda-de-braço que, neste momento, tem seus principais lances decididos em gabinetes refrigerados e não no calor das ruas. Esse é o ponto.
Dilma obteve algum fôlego do ponto de vista da maldita governabilidade, com o adiamento de decisões dos tribunais que fazem cerco ao Planalto. O fantasma do golpismo paraguaio recolheu-se momentaneamente. Mas a que custo?
Pedra filosofal em cartaz, a Agenda Brasil é um programa de destruição de conquistas sociais de causar inveja à antiga UDN.
Exemplos: mexe na aposentadoria, libera o uso obrigatório de verbas na Saúde e Educação, promete sacramentar a terceirização selvagem, favorece o setor ruralista, ameaça rendimentos do funcionalismo. Também afaga os planos de saúde com mais benesses. Pensou-se até em começar a privatização do SUS. Um desastre social.
Exemplos: mexe na aposentadoria, libera o uso obrigatório de verbas na Saúde e Educação, promete sacramentar a terceirização selvagem, favorece o setor ruralista, ameaça rendimentos do funcionalismo. Também afaga os planos de saúde com mais benesses. Pensou-se até em começar a privatização do SUS. Um desastre social.
Publicamente, o padrinho do monstrengo reacionário é o presidente do Senado, Renan Calheiros. Seu currículo político dispensa maiores comentários. Mais importante são os bastidores. A Agenda Brasil surge simultaneamente à movimentação do Planalto em direção ao grande capital.
Ao que já se sabe, e pelo que talvez nunca venha a público, no mesmo período multiplicaram-se reuniões de emissários do governo com presidentes de grandes bancos, empresários graúdos e magnatas das telecomunicações. A governabilidade passou a ser defendida pelo presidente do Bradesco, o vice-presidente do Grupo Globo, mandatários da Fiesp e da Firjan e outros tantos plutocratas. Margaridas e alguns movimentos sociais, independentemente de sua vontade, apenas coloriram o ambiente, como aquelas decorações usadas para enfeitar festas e banquetes da elite bem de vida.
Muita água vai correr por baixo desta ponte (para desespero de Geraldo Alckmin, exceto na Cantareira e adjacências). Mas a saída à direita decididamente enfraquece o governo. Ninguém tem dúvida: Dilma, Lula e o PT prosseguem na linha de tiro, ainda que somente para imobilizá-los.
Feitas as contas, constata-se dia após dia que um dos principais trunfos do Planalto é a indigência política das lideranças da oposição, inconfiáveis mesmo para os milionários que sempre as sustentaram. Isso hoje: numa conjuntura volátil, trata-se de uma combinação com prazo de validade impossível de prever. A única certeza é a de que arranjos semelhantes podem até salvar mandatos, engordar lucros e emparedar governos; jamais são capazes de melhorar a situação de um país.
* jornalista de carreira vitoriosa, foi militante trotskista no final da ditadura militar.
17 comentários:
Inacreditável para um partido que se dizia de esquerda. O PT enrolou-se nas suas contradições, na sua política de conciliação com o capital. Essa política vem desde o primeiro governo do Lula.
Não têm como avançar, como mudar nada na situação presente.
Esperam o milagre da recuperação econômica. Nesse momento de fraqueza é que os abutres do capitalismo são mais vorazes para tirarem mais um naco do direito dos trabalhadores.
O PT mostrou-se incompetente até na administração da maior empresa brasileira: a PETROBRAS.
Deveriam ter deixado a oposição levar a última eleição presidencial. Melhor teria sido para o PT que Marina fosse eleita.
"Sorte" teve Tarso de Genro de não reeleger-se no meu estado. RS está numa penúria atrasando até salários de funcionários.
Mas no governo federal não quiseram largar o osso. A "militância" não queria perder as sinecuras dos cargos em comissão.
Eu, já na velhice, metalúrgico aposentado, mantendo uma pequena serralheria com um sócio para levar uma vida digna e que sempre votei no PT, entristece-me tomar conhecimento que Lula e Dirceu enriqueceram-se.
Se milhões ganhos por um em assessorias e outro em palestras não for enriquecer-se não sei o que é riqueza.
Dou o benefício da dúvida que as assessorias foram honestas.
Mas querer ser guia de um povo secularmente explorado, auferindo, pessoalmente, das benesses legais do capitalismo colocou a perder todo o carisma para comandar o enfrentamento na luta de classes. Aliás nunca tiveram esse projeto desde que chegaram no governo.
O sofrimento do povo se acentuará daqui para frente e o pior pode acontecer é surgir um salvador da pátria, de direita.
Companheiro,
fui muito caluniado por dizer exatamente isto, no momento mesmo dos acontecimentos: seria melhor o PT jogar limpo com a Marina Silva.
No entanto, era eu que estava vendo claro. Como o PT jamais ousaria não atender à exigência
do grande empresariado, que fazia questão cerrada de um arrocho fiscal, que pelo menos deixasse tal serviço sujo para alguém como a Marina, periférica na esquerda. E ela, sem ser desconstruída pela campanha de satanização mais imunda que eu já vi, provavelmente teria sido eleita.
Muito pior seria o partido mais representativo da esquerda aos olhos do cidadão comum responsabilizar-se por esse pacote de maldades que estamos vendo desde janeiro.
Largando o osso em 2014, o PT provavelmente voltaria com tudo em 2018. Agora, sua credibilidade está em frangalhos e tudo leva a crer que sobreviverá apenas como partido fisiológico, mais um PMDB da vida.
Foi a chamada mágica besta.
Isso que o Antonio M. disse, sobre o surgimento de algum salvador da pátria, foi o assunto dos últimos dias com um pessoal aqui da minha cidade. Segundo nós tamos entendendo, é muito possível que venha aí um Luís Bonaparte para o Brasil desta parte do séc. XXI, tão grande é a crise da política: alguém "impoluto", pessoa de bem, preocupada com a cidadania e, sobretudo, "acima das ideologias". Que seja: aconteça o que acontecer, o desafio maior será o da refundação da esquerda, um renascimento de esquerda, que parece tão difícil neste momento. E uma certa vertente do conservadorismo mais violento está aí para ficar e se intensificar, representada, por exemplo, pela militarização de escolas públicas. Este assunto em particular ainda vai feder bastante.
Eduardo,
eu não estou totalmente tranquilo quanto a marcharmos para um desfecho civilizado. A série de barganhas podres que o governo firmou na semana passada, preferindo a abjeção política e moral do que largar o osso, me faz temer que os milicos ainda acabem sendo chamados a intervir.
Em 1964 também a era das quarteladas parecia ter ficado para trás. Tivemos o discutível privilégio de inaugurar uma nova fornada.
Os dirigentes petistas são insensatos. No front econômico, absolutamente ninguém acredita que a recessão ceda antes de 2017. Será que só eles não percebem que o Brasil não aguenta mais um ano e meio de recessão? E que, com uma presidenta totalmente desmoralizada e desacreditada, este país vai explodir?
O FHC está certo: se a Dilma não fosse um poço de teimosia e obtusidade, renunciaria. Ela é séria candidata a deixar um inferno como legado.
Abs.
Não creio que alguém possa se dar ao luxo de se sentir tranquilo quanto a este assunto, Celsão.
Mas o capital prefere uma certa estabilidade, não é mesmo? PMDB é melhor que ARENA, e, pelo menos até agora, temos motivo para considerar que a credibilidade do sistema tende a ser de tipo "democrático". Mas o consevadorismo mais violento já é vitorioso em alguns aspectos importantes, ainda que se mantenha a "normalidade democrática". Vai demorar um pouco até todos se darem conta de que um treco como a Polícia Militar administrando escolas públicas, 200 delas até o fim de 2015, já é o prenúncio de uma via de autoritarismo e obscurantismo ainda mais reacionária que a onda de 64 em diante se consideramos o tamanho da distorção que isto significa. E não é sob um governo nacional de Bolsonaro, mas sob governos estaduais do PMDB e do PSDB. No séc. XXI, não é preciso um general na Presidência (ou algum coronel reformado) para que a grande sombra do Brasil triunfe em termos de autoritarismo; pelo menos, é o que parece. Por este motivo dizíamos, dissemos à exaustão, há dois anos, que à esquerda inteira caberia encampar a nova luta democrática sinalizada por 2013, o ponto de tomar a causa da PEC 51, pela real desmilitarização do Estado. NENHUM partido de esquerda quis comprometer-se.
Quanto a Dilma, aos dirigentes do PT e da CUT, e aos blogs da cidadania da vida, nem sei qual seria a palavra correta a empregar para classificá-los. Parece que o fracasso subiu-lhes à cabeça, ou que o sucesso de outrora subiu-lhes ao dedão do pé.
Palavras de Lênin: "O oportunista é um sujeito condenado a sempre perder as melhores oportunidades."
Eduardo,
eu creio que o Clóvis Rossi acertou na mosca: o nosso sistema político é disfuncional e dá oportunidade a um governo altamente impopular e fracassado de, com tomas-lá-dá-cá como os da semana passada, bloquear o caminho natural para desatarmos o nó atual.
O certo é que a última eleição se deslegitimou quando o novo governo da Dilma adotou exatamente a política econômica que dizia repudiar e apresentava como intenção maligna dos adversários.
Então, como ela não está governando de acordo com o mandato que os eleitores lhe outorgaram, faria todo sentido renunciar, convocar um plebiscito comprometendo-se a deixar o poder caso fosse derrotada ou deixar rolar o processo de impeachment.
Aí ela ficaria sabendo se o povo concorda ou não com o rumo (diferente do prometido) que seu governo tomou. Ganharia um voto de confiança ou um bilhete azul.
Esta seria uma saída realmente democrática para o impasse atual. Mas, temo que, para tomar tal decisão, seria necessária uma grandeza que o De Gaulle tinha e ela, não.
O velho sociólogo desta vez acertou na mosca: o governo da Dilma é legal, mas ilegítimo. E se torna mais ilegítimo ainda ao pactuar com Renans, Globos e banqueiros para salvar um mandato à deriva, poder pelo poder sem saber o que fazer com o poder.
Então, o agravamento da megacrise econômica as distorções do sistema político que mantém com aparência de vida um governo que na verdade já morreu, podem nos atirar no pior dos mundos possíveis: uma nova ditadura. É, admito, o meu pior pesadelo.
Deve ser o pior pesadelo de toda pessoa minimamente lúcida, na esquerda e fora dela.
Em minha opinião, é certo que o Brasil viverá outros períodos ditatoriais, no futuro mais imediato ou mais distante, a menos que façamos a transformação radical do Brasil, e não existe a mínima possibilidade de a fazermos a partir de agora.
O Brasil tem toda a vocação para a ditadura, na medida em que tem toda a vocação para o trabalho escravo, por exemplo. E um regime propriamente ditatorial não precisa ser idêntico ao de 64; as possibilidades para o desmando são numerosas, assim como as suas formatações.
Por muitos motivos temos a dizer que o Brasil não pode ser reformado, ainda que uma esquerda de verdade devesse lutar pelas reformas estruturais, como um ramo da sua atuação política.
Tenho de insistir em minha referência à PEC 51. Não tínhamos àquela altura, como ainda agora não temos, nem mesmo uma esquerda em condições de encampar como se devia a mobilização para desmilitarizar o Estado: não tivemos nem isto, que seria o mínimo do mínimo, após 2013, após o assassinato do Amarildo, após atirarem um estudante do alto de um viaduto em Belo Horizonte em meio às jornadas de junho, após a PM de São Paulo inaugurar o Caldeirão e Hamburgo contra cidadãos contrários à Copa, E POR AÍ VAI!
Esse temor, a volta dos militares, já foi manifestado algumas vezes pelo jornalista Hélio Fernandes. O jornalista está 93 anos e com mais de meio século de atividade sabe de suas preocupações.
O PT, com a hegemonia do lulismo e suas políticas conciliatórias e covardia de levantar os crimes de FHC, sindicância da dívida interna e externa etc., foi perdendo o apoio da ampla frente que tinha ajudado fundar o partido.
A análise de Celso [11:40] é perfeita. A saída seria submeter as medidas econômicas a um plebiscito. Se vencida, renunciaria a presidência.
Além da saída honrosa haveria um grande aprendizado do povo, numa hora grave como essa, da utilização desse instrumento constitucional.
Eduardo,
afora estar defendendo a desmilitarização do policiamento urbano desde muito antes da PEC 51, com pouquíssimos internautas se interessando, tenho outra experiência desanimadora.
Um bom companheiro do movimento negro baiano me alertou que o site da PM de São Paulo mantinha toda a retórica do tempo da ditadura, inclusive justificando o golpe contra João Goulart.
Passei uns três anos denunciando periodicamente esse absurdo, sempre falando sozinho. Finalmente, o Ivan Seixas pegou a Maria do Rosário de jeito e a cientificou.
Aí ela se entendeu com o Alckmin e este obrigou a PM a, pelo menos, deletar a loa ao golpismo. Já os trechos de autoelogio pelo papel que a corporação desempenhou na luta contra os resistentes permaneceram intactos.
Ou seja, a dificuldade de impormos práticas e valores democráticos ao aparelho de segurança aumenta em função do desinteresse da esquerda pela defesa dos direitos humanos.
Como várias vezes tive de travar polêmicas correlatas, tenho a impressão de que tal desapreço advém da existência de "bons tiranos" que a esquerda adepta da realpolitik defende. Já que é impossível compatibilizar o respeito pelos DH com o endeusamento aos Gaddafis da vida, tal esquerda praticamente apartou-se dos DH.
P. ex., num momento em que era importantíssimo para nós o Carlos Lungarzo apresentar-se como membro da Anistia Internacional que defendia o Cesare Battisti, uma parte da esquerda organizada resolveu abrir fogo contra a AI por causa de um relatório honesto sobre um desses tiranetes de merda.
Como vencermos a luta contra a extradição do Cesare aqui era mil vezes mais importante do que ficarmos defendendo aqui quaisquer governantes estrangeiros (quem liga para nossa opinião, lá fora?), confrontei esses tacanhos pra valer. Queimei pontes, perdi apoios, fui caluniado, mas a batalha que dependia de nós ganharmos, nós ganhamos.
Antunes,
o Hélio Fernandes foi de extrema coragem durante a ditadura. Fazia praticamente sozinho A TRIBUNA DA IMPRENSA, com seus editoriais frequentemente tomando a página inteira. Ele cuspia fogo nos milicos.
Quem ainda comprava o jornal, o fazia apenas por causa do Hélio. E a contundência dele era tamanha que sempre ficávamos pensando se ele estaria vivo para escrever outro no dia seguinte.
Celso,
eu sempre me refiro ao desprezo por parte dos partidos de esquerda pela PEC 51 porque este foi e ainda é particularmente flagrante. Sua posição quanto ao caso de Battisti e sua denúncia da PM de São Paulo são relevantes, mas repercutem pouco, é claro. Já a PEC 51 foi apresentada no Senado, idealizada por um sujeito conhecido e cheio de prestígio como o Eduardo Soares, chegou aos jornais e jornalões, foi discutida pelo povo nas padocas e botecos, mobilizou gente democrática na Polícia Federal, chamou a atenção e criou preocupações entre as autoridades das PMs e os governadores mais reacionários. Cheguei a conversar diversas vezes com soldados, na rua, abertamente simpáticos à desmilitarização, naqueles momentos em que senti ser mais fácil a conversa. E todos os partidos de esquerda ignoraram-na. Compreende-se perfeitamente bem o fracasso da Nova República, que é um fracasso da atual esquerda em maior medida. O problema não está apenas com o PT e com a CUT, mas com o PSOL, o PSTU, a CSP-Conlutas e assim.
Sobre a simpatia pelo "bom tirano", penso que seja coisa nossa, coisa do homem brasileiro, muito semelhante ao apreço que se tem aqui pela via militar, pelo militarismo. Aqui no interior do estado temos umas paisagens humanas no cotidiano que são pra lá de reveladoras. Nós temos, por exemplo, e serviço de resgate prestado por bombeiros militares, e o atendimento a emergências realizado por civis, o SAMU. A rivalidade entre os dois contingentes é grande, e a moda agora, entre os trabalhadores do SAMU, é comprarem, com o próprio dinheiro, adereços que pareçam militares, como aqueles radiocomunicadores enormes para prender ao peito, que realmente não utilizarão, e também cinturões que não fazem parte do uniforme, essas coisas. Isso para que o povo enxergue neles o tipo militar, desejosos que são de se sentirem mais prestigiados. Mas não adianta: a população quer ser atendida pelos militares, pelo fato de serem militares. Tende a ver os paramédicos e demais socorristas do SAMU como inferiores, pouco confiáveis, até mesmo pouco corajosos, porque são civis.
Os partidos de esquerda não desprezaram a PEC 51 porque alguém ali gosta do Assad, mas por medíocres que são, sem vontade de se comprometerem, nem em termos práticos, nem em termos ideológicos. Plínio de Arruda Sampaio alertava sempre quanto ao perigo que é a esquerda capitular aos preconceitos do povo. Creio que ele teria lutado pela PEC 51 se tivesse tido tempo, como dirigente de partido.
Quanto ao Hélio Fernandes, que você e o Antunes mencionaram, é daqueles grandes homens que enchem a gente da melhor inspiração. Está lá, firmão, velhão, bonitão, com a lucidez de sempre, tocando a Tribuna pela internet. Ou não ele diretamente, mas a Tribuna está lá.
Eduardo,
presumo que vc não tenha acompanhado atentamente o Caso Battisti. Pelo contrário, foi uma batalha sem precedentes no Brasil, envolvendo fortíssimas pressões italianas, extrema parcialidade de dois ministros do STF (Gilmar Mendes e Cezar Peluso), tendenciosidade igualmente exacerbada de vários veículos da grande imprensa (a Carta Capital chegou a publicar artigos flagrantemente lobísticos durante umas 6 edições consecutivas!), quatro julgamentos dramáticos no STF, etc.
Conseguimos a vitória que a esquerda não obteve em casos semelhantes, de verdadeiros assassinatos togados (Sacco e Vanzetti, casal Rosenberg, Joe Hill e Olga Benário, cuja extradição equivaleu a uma sentença de morte); e evitamos a injustiça que Dreyfus amargou, embora tenha havido uma reconsideração muito depois, quando sua carreira militar já tinha sido arruinada.
Para quem estava dentro, era uma luta impossível de ganhar, tamanha a disparidade de forças. Mesmo assim, descobrimos caminhos para salvar o companheiro.
Mais dia, menos dia, será reconhecida como uma das mais importantes vitórias da esquerda brasileira em todos os tempos. Só não o é porque a grande imprensa, depois de sofrer derrota terrivelmente humilhante nas nossas mãos, esvaziou o assunto o máximo que pôde. Antes dedicava espaços desmesurados, depois virou notícia de rodapé.
E, em termos pessoais, vários de nós fomos retaliados. Foi a partir daí que virei pária para a grande mídia. Mas, compensou.
Meu querido Celsão, parece que não estou me fazendo entender muito bem.
Não estou desmerecendo a atuação de ninguém em relação ao caso Battisti; sei o que se passou quanto a este assunto. Eu mesmo não tinha nenhuma militância política nesse período.
O que estou apontando é a tremenda omissão dos partidos de esquerda em relação à PEC 51, com tudo o que tal omissão significa para a Democracia e para a juventude. E é óbvio que a PEC 51 repercutiu muito mais que a defesa de Battisti. A omissão por parte dos partidos de esquerda é ainda mais grave por este motivo.
Também penso que a vitória no caso Battisti receberá um dia a atenção que merece. Para tal, o campo da esquerda deverá dar-lhe o devido relevo. Se isto não acontece, é porque o lado de cá não sabe e não quer saber criar um repertório sobre os assuntos de cunho democrático (eu penso que toda a questão dos direitos humanos deva ser estabelecida em meio às questões de ordem democrática), para além da atual superficialidade. E não há aqui nenhuma crítica a você, não sei se dei essa impressão.
Tudo o que eu disser sobre esses assuntos será sobre, afinal, a ideia de um renascimento de esquerda no Brasil, porque é aquilo em que estou pensando, e sobre o que espero contribuir para que se crie uma articulação, não amanhã, e nem depois de amanhã, mas num prazo mais longo, de tipo democrático porque é o que penso ser o mais acertado. A menos que haja algum socialismo no horizonte, o que me pareceria altamente ilusório, enganoso.
Eduardo,
aí é que está. Na verdade, a repercussão do Caso Battisti na grande imprensa foi muito, muito superior à da PEC 51, até por envolver uma disputa dramática entre dois países. Em termos de interesse jornalístico, não há comparação possível. Mas, a partir do desfecho indesejável, a mídia passou a minimizar o ocorrido.
Isto se deu a partir do momento em que conseguimos virar o jogo. Até então, sofrêramos derrotas importantes no julgamento do STF, que anulou o refúgio concedido pelo ministro Tarso Genro e autorizou a extradição.
Pelos mesmos 5x4, contudo, conseguimos arrancar do STF a decisão de que a última palavra seria dada pelo condutor das relações internacionais do Brasil, o presidente da República. Foi quando a imprensa, ciente de que o Lula não extraditaria o Cesare, mudou abruptamente sua postura: passou a esconder o assunto com o mesmo empenho que antes o trombeteava de forma extremamente exagerada.
Pelo que você escreveu, percebo que quem não acompanhou atentamente o caso, tende a não perceber quão importante ele foi um dia, a ponto de ser mancheteado nos principais jornais e revistas.
Lamentavelmente, à esquerda convencional também interessa minimizar a nossa vitória, pois os heróis somos todos outsiders: o Suplicy, o Rui Martins, o Lungarzo, eu (afora a Fred Vargas, que é estrangeira e não conta).
Sei que não foi sua intenção, Eduardo, mas mero desconhecimento. Só que vc pisou num calo muito dolorido. Fizemos o quase impossível e o reconhecimento nos é negado porque não pertencemos à patota do "manda quem pode e obedece quem tem juízo".
Se vc ler os jornais dos dias dos julgamentos perceberá o que estou querendo dizer. A Folha e o Estado chegaram até a publicar editoriais tentando pressionar os ministros do STF. A dignidade do Ayres Britto nos salvou.
Por último, um detalhe que evitamos tornar público porque não queríamos ser acusados de chantagem emocional: o Cesare já tinha decidido se matar, caso a extradição se tornasse inevitável. Lutamos pela vida dele, e tínhamos consciência disto.
Bem, entendo. Eu posso rever este assunto, depois, para criar uma visão mais abrangente, e, sem rasgação e seda nem nada disso, quase tudo o que li a respeito foi aqui por meio do Náufrago, mais recentemente.
Vou então dizer de outro modo o que vinha tentando dizer até. Parece-me que a repercussão da PEC 51 foi maior em termos políticos, quero dizer, maior quanto ao que concerne às conversas que as pessoas têm no trabalho, na banca de jornal, na padaria antes do jogo na televisão. Pelo menos, foi o que vi e vivi, com toda a atenção de minha parte com relação à PEC 51.
De qualquer maneira, estamos dizendo aproximadamente o mesmo quanto à posição que podemos e devemos ter sobre Democracia! É bom que gente de esquerda converse utilizando-se de um blog assim como é o Náufrago, para que as pessoas vejam que na esquerda se conversa com alguma profundidade. Até mesmo este hábito tão natural e necessário foi perdido, ou foi perdido em grande medida.
Eduardo,
parabéns pela maturidade com que escreve. Ficara com a impressão de tratar-se de uma pessoa bem mais velha, daí a minha estranheza com seu desconhecimento da dimensão real do Caso Battisti.
Para mim, parece que foi ontem. No entanto, já lá se vão quatro anos desde que ele foi libertado e cinco anos e meio desde que o STF decidiu que a decisão final a respeito da extradição caberia ao presidente da República.
Ou seja, até 18 de novembro de 2009 era enorme o assanhamento dos reacionários com a perspectiva de o Brasil entregar Battisti à sanha do Berlusconi. Depois desse dia, cientes de que o desfecho por eles sonhado se tornara impossível, começou o esvaziamento do caso na mídia. Antes aparecia com grande destaque em revistas, jornalões, no "Jornal Nacional" da Globo, etc. A partir daí, foi virando nota de rodapé. Os poderosos têm pouquíssima esportividade nas derrotas.
Então, Eduardo, tente entender como nos sentimos, os que assumimos uma luta tão desigual e a colocamos como prioridade máxima de nossas vidas durante vários anos, correndo o Brasil para fazer palestras, participando de debates, escrevendo centenas de artigos, acompanhando passo a passo o processo.
Ademais, com exceção da amiga francesa do Cesare (a escritora Fred Vargas), éramos todos idosos os que tomávamos as decisões no comitê de solidariedade: o Lungarzo, o Rui Martins, o Suplicy, o Greenhalgh, eu. Foi de lavar a alma termos conseguido segurar um rojão desses numa idade em que a sociedade acredita que o ser humano está só esperando a hora de bater as botas...
Com esforços sobre-humanos, conquistamos uma vitória na qual quase ninguém acreditava e depois a vimos ser minimizada tanto pela direita (compreensivelmente) quanto pela própria esquerda (repulsivamente).
O que, aliás, não é novidade nenhuma. A importantíssima greve de 1917 (a primeira greve geral no Brasil e o único grande movimento sob liderança anarquista em nosso país, que teve até mortes e culminou numa incrível vitória) também foi minimizada, tanto pelos derrotados quanto pela historiografia comunista, por ciumeira da "concorrência". Só quando o anarquismo voltou à tona em 1968 é que a greve de 1917 começou a ser reestudada e reavaliada.
Enfim, se você estiver interessado, creio que este meu artigo e o verbete da Wikipedia lhe darão uma melhor visão de conjunto dessa luta:
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2011/06/falamos-em-caso-dreyfus-por-se-tratar.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cesare_Battisti_(ativista)
Quanto à PEC 51, você está certíssimo quanto à sua relevância. Teria mesmo sido um divisor de águas e, neste sentido, várias vezes a defendi em meus artigos.
No entanto, se no Caso Battisti a moeda acabou caindo em pé, no caso da PEC 51 não houve milagre: desde o primeiro momento parecia não ter chance nenhuma de resultar e acabou não vingando mesmo.
Talvez seja por isto que eu nem goste de tocar no assunto: sou um guerreiro e detesto as lutas nas quais nos reduzem à impotência e não achamos brecha nenhuma para tentarmos sequer iniciar a batalha.
Infelizmente, não é sempre que conseguimos tirar coelhos da cartola. Também no caso do Norambuena eu e o Lungarzo fizemos tudo que podíamos para sensibilizar a companheirada e a opinião pública e nada resultou. O sujeito fez uma grande lambança, sem dúvida, mas está sendo visivelmente retaliado. Há muito tempo deveria ter sido despachado para o Chile, onde cumpriria sua pena em condições menos desumanas, com o apoio de parentes e amigos. O STF já decidiu isto, mas uma mão invisível consegue embaçar indefinidamente o cumprimento da decisão da maior corte do País.
Quando temos plena convicção de estarmos diante de grandes injustiças e não conseguimos articular uma reação a elas, é algo muito deprimente, Eduardo.
Maravilha, Celsão, obrigado.
Vou ler o que você me recomendou sobre Battisti.
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